Tuesday, May 24, 2011

A Alma Penada


Essa aconteceu em meados dos anos 50, nas proximidades do cemitério de Itacorubi. Mais precisamente, na estrada que até hoje margeia aquela  necrópole, e me foi contada por meu pai, que adorava narrar velhas histórias – reais ou imaginárias – que até hoje sobrevivem em minha memória.
Meu pai era um mestre em contar histórias. Suas narrativas, cheias de floreios e feitos sonoros que imitavam as antigas novelas de rádio, prendiam a atenção de todos até o  desfecho final. Era assim que passávamos as noites de domingo, após o jantar. Nessas ocasiões, não era raro ficarmos na expectativa de ouvirmos uma nova história, quando ele chegava ao fim da que estava contando e olhava triunfante o semblante compenetrado e atento de sua platéia, geralmente formada por por mim, meus tios e alguns vizinhos, reunidos na mesa da cozinha. Minha mãe, entretida com os afazeres domésticos, parecia não participar daqueles momentos, mas em muitas ocasiões, surpreendi-lhe no olhar a expressão de que “já ouvi isso antes”. Algo que só reforça minha opinião sobre talento narrativo dele, razão mais do que suficiente para transcrever neste espaço uma de suas histórias.

Sonho



Há muito tempo, 
quando eu ainda não era cínico, 
sonhava com você.
Naquele tempo, 
que lembro de mim menino, 
fantasiava você.
Eu lhe salvava dos perigos e dos bandidos que via nas matinês
Vivia todas as aventuras e todos os clichês
No fim ganhava o beijo que fazia de mim um gigante. 
Saltava sobre meu cavalo rampante
Investia contra os moinhos distantes e
depois de muita luta
Sempre voltava triunfante 
coberto de glória para você.
Agora que sou um cínico
não tenho mais sonhos nem fantasias
No peito ficou o vazio
não lembro mais de você.

Conversa de Botequim

Dos anos que já vivi, tenho cá comigo algumas coisas que aprendi. 
Descobri que em momentos fui feliz e em outros quis me esquecer. 
Aprendi que não precisava sofrer tudo que sofri, nem precisava ter causado as dores que causei. 
Também não precisava ter amado tanto quanto amei. 
Nem tampouco fingir que não houve aqueles amores que rejeitei. 
Agora olho para o que fui e o que poderia ter sido e, finalmente, estou em paz. 
Que venha o outono e o vento. 
Não se ouvirá nenhum lamento, porquanto ainda espero a primavera.