Essa aconteceu em meados dos anos 50, nas proximidades do cemitério de Itacorubi. Mais precisamente, na estrada que até hoje margeia aquela necrópole, e me foi contada por meu pai, que adorava narrar velhas histórias – reais ou imaginárias – que até hoje sobrevivem em minha memória.
Meu pai era um mestre em contar histórias. Suas narrativas, cheias de floreios e feitos sonoros que imitavam as antigas novelas de rádio, prendiam a atenção de todos até o desfecho final. Era assim que passávamos as noites de domingo, após o jantar. Nessas ocasiões, não era raro ficarmos na expectativa de ouvirmos uma nova história, quando ele chegava ao fim da que estava contando e olhava triunfante o semblante compenetrado e atento de sua platéia, geralmente formada por por mim, meus tios e alguns vizinhos, reunidos na mesa da cozinha. Minha mãe, entretida com os afazeres domésticos, parecia não participar daqueles momentos, mas em muitas ocasiões, surpreendi-lhe no olhar a expressão de que “já ouvi isso antes”. Algo que só reforça minha opinião sobre talento narrativo dele, razão mais do que suficiente para transcrever neste espaço uma de suas histórias.
Na época em que se situava esta narrativa, a estrada principal da cidade passava no meio do cemitério. E, segundo ele, e por motivos que agora não lembro, os coveiros costumavam abrir as covas no dia anterior aos sepultamentos. Isso, mesmo quando os moribundos ainda não tinham nem exalado o derradeiro suspiro e se agarravam ao último fio de vida que lhes restava. Assim, às vezes ocorria que uma cova podia ficar vários dias à espera do caixão daqueles defuntos mais renitentes. Algumas dessas covas ficavam muito próximas da estrada e acabavam se constituindo num perigo muito sério para algum transeunte desavisado. Foi assim que certo dia, de madrugada, um bêbado acabou caindo numa delas. Como já não tinha um destino certo, resolveu ficar por ali mesmo e adormeceu, embalado pelos eflúvios etílicos da noite passada nos botequins da região.
Algum tempo mais tarde, a carroça do padeiro aproximava-se do cemitério, na rotina diária de entregar o pão nas mercearias da região. O padeiro, figura conhecida de todos por sua valentia nos bailes e jogos de futebol, não gostava muito de passar por ali, em razão de um inconfessado e terrível medo de almas do outro mundo. Aquele trajeto era uma verdadeira tortura para ele e, possivelmente, para o cavalo também, que parecia pressentir o que se passava com seu condutor e apressava o trote, inquieto.
Pois bem, talvez pelo sereno da madrugada, ou ainda por não ter bebido o suficiente naquela noite, o bêbado acordou com o ruído da carroça e levantou-se da cova bem no momento em que o padeiro passava diante dele e, com uma voz rouca e gutural, perguntou:
- Padeiro, tem pão?
Ao ver aquela figura fantasmagórica surgir de uma cova, o pobre padeiro enxergou os seus temores do sobrenatural tão zelosamente escondidos e, sem nenhuma vergonha, apelou para todos os Santos que conhecia, embora não fosse ele exatamente um devoto por qualquer um deles. E, como não tinha fé, saltou da carroça e saiu correndo espavorido sob o olhar esbugalhado do cavalo, que também não quis ficar por ali e saiu em disparada, espalhando pão em cada curva que a carroça fazia em uma das rodas.
Tanto o padeiro, quanto o cavalo e a carroça que puxava, jamais foram vistos desde aquele dia. Quando insistíamos em saber o destino deles, meu pai dava de ombros e dizia que eles continuavam a correr até então, vários anos depois, quando ouvimos aquela história.
1 comment:
Oi, meu nome é Meri, sou amiga da tua irmã Tânia, ela havia me falado do teu blog, e hoje resolvi conhecer. Parabéns, teu blog é como ela havia me falado muito bom mesmo. Divertida essa historia, rir bastante, me fez lembrar algumas que eu ouvia quando criança.
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