A
sequência de fotos, embora não mostrasse nada explícito, atestava o adultério
de forma inquestionável. Pensei que seria suficiente para o cliente, contudo
Analú convenceu-me a esperar pelo melhor, segundo ela. Não tardou para que o
casal chegasse às vias de fato, de pé, entre os carros estacionados.
Confesso
que fiquei desconfortável em permitir que minha assistente “dimenor”
presenciasse aquilo. Analú, por sua vez, não perdeu tempo em questionamentos
morais e ficou bem animadinha. Pegou a câmera de minha mão e ajeitou-se no meu
colo em busca de um ângulo melhor da minha janela. A danadinha conseguiu
fotografar os momentos mais quentes, enquanto se remexia sem parar.
Seus
movimentos, é claro, não demoraram a acordar meus próprios demônios da luxúria.
Ela logo percebeu isso e aconchegou-se um pouco mais. Infelizmente, o casal
havia terminado o intercurso amoroso deles e veio em nossa direção. Um carro do
lado do meu lampejou as lanternas e emitiu o som característico de alarme e
trava sendo desativados. Eu não precisava ser um gênio para deduzir que havia
estacionado o meu fusca do lado do carro do sujeito que estava com a loura.
-
Ih! Estão vindo para cá! – Disse Analú desnecessariamente.
Eu
teria simplesmente me encolhido no banco, se ela não estivesse no meu colo
naquele momento. Mas Analú resolveu aquela situação facilmente. Virou-se para
mim e enlaçou meu pescoço, antes de beijar-me com a sofreguidão de uma mulher
apaixonada. Com efeito, ela não era mais uma garotinha. Se eu ainda tinha algum
escrúpulo, ele estava correndo um sério perigo naquele momento.
Sem
conseguir mais me controlar, deslizei a mão pelas coxas de Analú. Aquelas coxas
que eu já havia acariciado vezes sem conta em meus devaneios sacanas. Puxa!
Quando senti sua pele arrepiar, percebei que nenhuma fantasia era melhor do que
aquilo. Contudo, ainda não seria dessa vez que os meus sonhos seriam realizados.
Entre um beijo e outro, eu percebi um movimento sobre o volante do fusca. Era
Kafka. A maldita barata me olhava com a costumeira expressão repressora, o que me
atingiu direto no centro nervoso do meu complexo de culpa.
-
Eles já foram. – Eu disse, enquanto empurrava Analú do meu colo.
-
Ai! – Ela exclamou com desagrado. – E daí? Já tiramos as fotos, não tiramos?
-
Já, sim.
-
Então... – Retrucou ela com reticências, e vindo para cima de mim de novo. – Tá
na hora do recreio.
Foi
com muito custo que contive o ardor de minha assistente. Foi com muito pesar
também, devo dizer. Todavia, não tinha como pensar em sacanagem com a barata
por perto. O resultado sempre seria desastroso e não faria nenhum bem ao meu
ego.
Contrariada,
Analú fez todo o percurso de volta calada, enquanto eu imaginava mil maneiras
para despedir Kafka da função de Grilo Falante e, talvez, deste plano
existencial.
No
dia seguinte, Analú permaneceu calada e disposta a fazer com que eu me sentisse
o último dos moicanos. Suspirei aliviado quando sai para resolver alguns
assuntos no banco. Não há quem aguente o mau humor das mulheres, então aproveitei
o pretexto para passar o resto do dia afastado do escritório.
À
noite encontrei com minha cliente conforme combinado. Era a vez da Loura
confirmar a suposta traição do marido, uma tarefa que se mostrou muito fácil.
Pontual como um relógio suíço, ele apareceu no estacionamento da faculdade onde
lecionava, com a mesma aluna da noite anterior. Eles pareciam manter um caso há
algum tempo e não algo ocasional.
-
Miserável! Traidor! – Explodiu a Loura.
A
reação dela quase derrubou minha tese de que os dois agiam de comum acordo, mas
depois compreendi que o marido havia extrapolado o acordo que mantinham. Um
caso permanente não estava dentro das condições que ambos haviam estabelecido e
a Loura logo compreendeu isso. Estava tão furiosa que tive dificuldade em
acalmá-la. Só tive êxito quando ela resolveu dar o troco ali mesmo, naquele
momento, e me elegeu como seu instrumento de vingança.
Era
a segunda vez que uma mulher pulava no meu colo em pouco mais de vinte e quatro
horas. Considerando minha vida amorosa nos últimos seis meses, esse fato era um
tanto inusitado, mas quem sou eu para reclamar? Disfarçadamente olhei para o
volante do meu velho fusca e, desta vez, não havia sinal de Kafka.
Foi
uma noite longa, e quando lembrei de Analú, decidi me sentir culpado só no dia
seguinte. Fazia muito tempo que o meu ego andava na ponta do dedão do pé e a
vingança da Loura me fez um bem danado.
Depois
daquele árduo trabalho de campo, cheguei no escritório só no fim da tarde.
Assim mesmo, por conta do compromisso com meu outro cliente, o marido da Loura.
Felizmente, Analú já havia ido embora. Eu ainda não estava preparado para
enfrentar seu olhar e minha consciência pesada ao mesmo tempo.
O
homem chegou pontualmente ao meu escritório. Ele estava ansioso, como da outra
vez. Por motivos óbvios, desta feita eu não conclui que a ansiedade se devia à suposta
traição da mulher. Ele apenas queria ver as fotos e mal continha o impulso de
arrebatar o envelope de minhas mãos.
-
Creio que isso encerra nosso contrato, não? – Perguntei, mirando-lhe nos olhos.
Ele
fitou-me de volta com uma expressão curiosa. Parecia não ter pensado naquela
possiblidade.
-
Na verdade, eu esperava contar com seus serviços por mais algum tempo. – Disse
sem pestanejar.
-
Outro caso?
-
Não exatamente. Quero que o senhor continue seguindo minha mulher. Há muito
mais a investigar.
-
Entendo. Espero que o senhor entenda também que esse serviço pode ser muito dispendioso.
-
Compreendo. Mas estou certo que chegaremos a um acordo que lhe seja
satisfatório. Mande o contrato para o meu escritório. Os relatórios devem ser
mandados para o mesmo endereço.
Ele
deixou um cartão em cima da mesa e saiu sem se preocupar em se despedir. Nesse
momento senti inveja daquele sujeito. Ele nem mesmo quis saber de valores, e eu
aqui, sempre vigiando meus trocados. Bem, pelo menos eu havia conseguido meu
primeiro cliente fixo e, se o instinto não me falha, a Loura também iria querer
continuar contando com meus serviços também. Pelo menos enquanto eles estiverem
se divertindo com aquele jogo.
A
disposição da Loura para continuar o jogo foi confirmada no dia seguinte. Ela
já estava no meu escritório quando cheguei e isso adiou as coisas entre mim e
Analú. Isso me foi conveniente, pois deu-me tempo de tomar algumas providências.
Olhei
a mulher bem nos olhos. Ela era durona e sustentou o olhar, como se nada
tivesse acontecido entre nós na noite anterior. Então, para fugir daquele
impasse, fingi consultar algumas anotações sobre o caso.
-
Este caso está encerrado. – Disse-lhe. – Por que deseja continuar as
investigações?
Ela
me fitou demoradamente, como se estivesse me estudando. Depois um leve sorriso,
quase irônico, estampou sua face.
- O
senhor sabe, não sabe?
-
Talvez. Mas imagino que os ricos tenham muitas outras possibilidades de
diversão menos dispendiosas.
- A
questão financeira é irrelevante para nós. O mais importante é a qualidade da
diversão. Neste caso, a qualidade do serviço prestado.
Ela
disse isso cruzando casualmente as pernas. Sharon Stone teria ficado
ruborizada, mas como ela não estava presente, coube à mim essa parte. Apesar
disso, consegui manter algo da velha fleuma e levantei-me para apertar a mão
que me estendia.
-
Espero que não se importe quando eu desejar acompanha-lo. – Ela disse.
-
Não vejo nenhum inconveniente nisso. Terei muito prazer em contar com sua
companhia.
-
Disso eu tenho certeza.
Ela
se despediu e saiu da minha sala, deixando-me com um suave resíduo do seu
Chanel nº 5 e um tanto embasbacado com o rumo dos acontecimentos. Então contei até
três e Analú entrou na sala.
- O
que é isso? – Ela me perguntou, segurando um embrulho cuidadosamente atado por
um laço de fita.
-
Seu presente de aniversário. O que mais podia ser?
-
Você lembrou! – Exclamou, enquanto destruía o pacote cuidadosamente elaborado.
– Nossa! Um colar e um par de brincos. Você está ficando esbanjador.
-
Você ainda não viu nada. Hoje vamos almoçar fora.
Ela
riu.
-
Na padaria?
-
Não. Nada de padaria. Desta vez vamos num restaurante bacana. Gostou da
surpresa?
Ela
não se fez de rogada e pulou no meu colo. O abraço apertado logo produziu o
efeito óbvio e tive que esperar alguns minutos para me levantar, depois que ela
voltou para sua sala. Disfarçadamente olhei para a fresta de Kafka e vi suas
anteninhas vibrando como nunca.
Duas
horas depois, eu e Analú saímos do escritório e caminhamos pela calçada,
felizes como dois adolescentes. Na verdade só havia ela de adolescente, mas
quem se importa?
De
repente ela me parou.
-
Estamos indo para o lado errado. Seu carro não tá estacionado em frente à
padaria?
- O
fusca? Tá sim.
-
Vamos à pé? Como é que vou caminhar com este salto? – Ela perguntou enquanto
erguia o sapato de salto agulha. Eu adorava quando ela o usava, mas não tinha
ideia de como conseguia se equilibrar naquilo.
-
Hoje vamos usar outro carro. – Disse-lhe, enquanto me detinha diante de um Audi
preto. – Este aqui.
-
Jura? Caramba! Tá ficando “classudo”, hein?
-
Você merece Baby. – Falei com a minha
velha imitação de Humphrey Bogart, mas ela não percebeu. Ela também não sabia
que carros usados importados podiam ser comprados por preço de banana. Difícil
era manter, mas que se dane! De repente me ocorreu que poderia haver mais
clientes daquele tipo nos clubes de suingue.
Analú
deslizou facilmente suas longas pernas pelos bancos de couro do Audi, como se
nunca tivesse feito outra coisa na vida. Enquanto arrancava meu novo carro,
fiquei imaginando Kafka esperando sentada no volante do fusca. Hoje eu não
queria me sentir culpado. Entretanto, já dava tratos à bola para encontrar uma
maneira de fugir da Loura sem perder o contrato.
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