Thursday, June 18, 2015

O Caso da Loura Traída - Parte 5


A sequência de fotos, embora não mostrasse nada explícito, atestava o adultério de forma inquestionável. Pensei que seria suficiente para o cliente, contudo Analú convenceu-me a esperar pelo melhor, segundo ela. Não tardou para que o casal chegasse às vias de fato, de pé, entre os carros estacionados.
Confesso que fiquei desconfortável em permitir que minha assistente “dimenor” presenciasse aquilo. Analú, por sua vez, não perdeu tempo em questionamentos morais e ficou bem animadinha. Pegou a câmera de minha mão e ajeitou-se no meu colo em busca de um ângulo melhor da minha janela. A danadinha conseguiu fotografar os momentos mais quentes, enquanto se remexia sem parar.

Seus movimentos, é claro, não demoraram a acordar meus próprios demônios da luxúria. Ela logo percebeu isso e aconchegou-se um pouco mais. Infelizmente, o casal havia terminado o intercurso amoroso deles e veio em nossa direção. Um carro do lado do meu lampejou as lanternas e emitiu o som característico de alarme e trava sendo desativados. Eu não precisava ser um gênio para deduzir que havia estacionado o meu fusca do lado do carro do sujeito que estava com a loura.
- Ih! Estão vindo para cá! – Disse Analú desnecessariamente.


Eu teria simplesmente me encolhido no banco, se ela não estivesse no meu colo naquele momento. Mas Analú resolveu aquela situação facilmente. Virou-se para mim e enlaçou meu pescoço, antes de beijar-me com a sofreguidão de uma mulher apaixonada. Com efeito, ela não era mais uma garotinha. Se eu ainda tinha algum escrúpulo, ele estava correndo um sério perigo naquele momento.
Sem conseguir mais me controlar, deslizei a mão pelas coxas de Analú. Aquelas coxas que eu já havia acariciado vezes sem conta em meus devaneios sacanas. Puxa! Quando senti sua pele arrepiar, percebei que nenhuma fantasia era melhor do que aquilo. Contudo, ainda não seria dessa vez que os meus sonhos seriam realizados. Entre um beijo e outro, eu percebi um movimento sobre o volante do fusca. Era Kafka. A maldita barata me olhava com a costumeira expressão repressora, o que me atingiu direto no centro nervoso do meu complexo de culpa.

- Eles já foram. – Eu disse, enquanto empurrava Analú do meu colo.
- Ai! – Ela exclamou com desagrado. – E daí? Já tiramos as fotos, não tiramos?
- Já, sim.
- Então... – Retrucou ela com reticências, e vindo para cima de mim de novo. – Tá na hora do recreio.
Foi com muito custo que contive o ardor de minha assistente. Foi com muito pesar também, devo dizer. Todavia, não tinha como pensar em sacanagem com a barata por perto. O resultado sempre seria desastroso e não faria nenhum bem ao meu ego.
Contrariada, Analú fez todo o percurso de volta calada, enquanto eu imaginava mil maneiras para despedir Kafka da função de Grilo Falante e, talvez, deste plano existencial.
No dia seguinte, Analú permaneceu calada e disposta a fazer com que eu me sentisse o último dos moicanos. Suspirei aliviado quando sai para resolver alguns assuntos no banco. Não há quem aguente o mau humor das mulheres, então aproveitei o pretexto para passar o resto do dia afastado do escritório.
À noite encontrei com minha cliente conforme combinado. Era a vez da Loura confirmar a suposta traição do marido, uma tarefa que se mostrou muito fácil. Pontual como um relógio suíço, ele apareceu no estacionamento da faculdade onde lecionava, com a mesma aluna da noite anterior. Eles pareciam manter um caso há algum tempo e não algo ocasional.
- Miserável! Traidor! – Explodiu a Loura.
A reação dela quase derrubou minha tese de que os dois agiam de comum acordo, mas depois compreendi que o marido havia extrapolado o acordo que mantinham. Um caso permanente não estava dentro das condições que ambos haviam estabelecido e a Loura logo compreendeu isso. Estava tão furiosa que tive dificuldade em acalmá-la. Só tive êxito quando ela resolveu dar o troco ali mesmo, naquele momento, e me elegeu como seu instrumento de vingança.
Era a segunda vez que uma mulher pulava no meu colo em pouco mais de vinte e quatro horas. Considerando minha vida amorosa nos últimos seis meses, esse fato era um tanto inusitado, mas quem sou eu para reclamar? Disfarçadamente olhei para o volante do meu velho fusca e, desta vez, não havia sinal de Kafka.
Foi uma noite longa, e quando lembrei de Analú, decidi me sentir culpado só no dia seguinte. Fazia muito tempo que o meu ego andava na ponta do dedão do pé e a vingança da Loura me fez um bem danado.
Depois daquele árduo trabalho de campo, cheguei no escritório só no fim da tarde. Assim mesmo, por conta do compromisso com meu outro cliente, o marido da Loura. Felizmente, Analú já havia ido embora. Eu ainda não estava preparado para enfrentar seu olhar e minha consciência pesada ao mesmo tempo.
O homem chegou pontualmente ao meu escritório. Ele estava ansioso, como da outra vez. Por motivos óbvios, desta feita eu não conclui que a ansiedade se devia à suposta traição da mulher. Ele apenas queria ver as fotos e mal continha o impulso de arrebatar o envelope de minhas mãos.
- Creio que isso encerra nosso contrato, não? – Perguntei, mirando-lhe nos olhos.
Ele fitou-me de volta com uma expressão curiosa. Parecia não ter pensado naquela possiblidade.
- Na verdade, eu esperava contar com seus serviços por mais algum tempo. – Disse sem pestanejar.
- Outro caso?
- Não exatamente. Quero que o senhor continue seguindo minha mulher. Há muito mais a investigar.
- Entendo. Espero que o senhor entenda também que esse serviço pode ser muito dispendioso.
- Compreendo. Mas estou certo que chegaremos a um acordo que lhe seja satisfatório. Mande o contrato para o meu escritório. Os relatórios devem ser mandados para o mesmo endereço.
Ele deixou um cartão em cima da mesa e saiu sem se preocupar em se despedir. Nesse momento senti inveja daquele sujeito. Ele nem mesmo quis saber de valores, e eu aqui, sempre vigiando meus trocados. Bem, pelo menos eu havia conseguido meu primeiro cliente fixo e, se o instinto não me falha, a Loura também iria querer continuar contando com meus serviços também. Pelo menos enquanto eles estiverem se divertindo com aquele jogo.
A disposição da Loura para continuar o jogo foi confirmada no dia seguinte. Ela já estava no meu escritório quando cheguei e isso adiou as coisas entre mim e Analú. Isso me foi conveniente, pois deu-me tempo de tomar algumas providências.
Olhei a mulher bem nos olhos. Ela era durona e sustentou o olhar, como se nada tivesse acontecido entre nós na noite anterior. Então, para fugir daquele impasse, fingi consultar algumas anotações sobre o caso.
- Este caso está encerrado. – Disse-lhe. – Por que deseja continuar as investigações?
Ela me fitou demoradamente, como se estivesse me estudando. Depois um leve sorriso, quase irônico, estampou sua face.
- O senhor sabe, não sabe?
- Talvez. Mas imagino que os ricos tenham muitas outras possibilidades de diversão menos dispendiosas.
- A questão financeira é irrelevante para nós. O mais importante é a qualidade da diversão. Neste caso, a qualidade do serviço prestado.
Ela disse isso cruzando casualmente as pernas. Sharon Stone teria ficado ruborizada, mas como ela não estava presente, coube à mim essa parte. Apesar disso, consegui manter algo da velha fleuma e levantei-me para apertar a mão que me estendia.
- Espero que não se importe quando eu desejar acompanha-lo. – Ela disse.
- Não vejo nenhum inconveniente nisso. Terei muito prazer em contar com sua companhia.
- Disso eu tenho certeza.
Ela se despediu e saiu da minha sala, deixando-me com um suave resíduo do seu Chanel nº 5 e um tanto embasbacado com o rumo dos acontecimentos. Então contei até três e Analú entrou na sala.
- O que é isso? – Ela me perguntou, segurando um embrulho cuidadosamente atado por um laço de fita.
- Seu presente de aniversário. O que mais podia ser?
- Você lembrou! – Exclamou, enquanto destruía o pacote cuidadosamente elaborado. – Nossa! Um colar e um par de brincos. Você está ficando esbanjador.
- Você ainda não viu nada. Hoje vamos almoçar fora.
Ela riu.
- Na padaria?
- Não. Nada de padaria. Desta vez vamos num restaurante bacana. Gostou da surpresa?
Ela não se fez de rogada e pulou no meu colo. O abraço apertado logo produziu o efeito óbvio e tive que esperar alguns minutos para me levantar, depois que ela voltou para sua sala. Disfarçadamente olhei para a fresta de Kafka e vi suas anteninhas vibrando como nunca.
Duas horas depois, eu e Analú saímos do escritório e caminhamos pela calçada, felizes como dois adolescentes. Na verdade só havia ela de adolescente, mas quem se importa?
De repente ela me parou.
- Estamos indo para o lado errado. Seu carro não tá estacionado em frente à padaria?
- O fusca? Tá sim.
- Vamos à pé? Como é que vou caminhar com este salto? – Ela perguntou enquanto erguia o sapato de salto agulha. Eu adorava quando ela o usava, mas não tinha ideia de como conseguia se equilibrar naquilo.
- Hoje vamos usar outro carro. – Disse-lhe, enquanto me detinha diante de um Audi preto. – Este aqui.
- Jura? Caramba! Tá ficando “classudo”, hein?
- Você merece Baby. – Falei com a minha velha imitação de Humphrey Bogart, mas ela não percebeu. Ela também não sabia que carros usados importados podiam ser comprados por preço de banana. Difícil era manter, mas que se dane! De repente me ocorreu que poderia haver mais clientes daquele tipo nos clubes de suingue.
Analú deslizou facilmente suas longas pernas pelos bancos de couro do Audi, como se nunca tivesse feito outra coisa na vida. Enquanto arrancava meu novo carro, fiquei imaginando Kafka esperando sentada no volante do fusca. Hoje eu não queria me sentir culpado. Entretanto, já dava tratos à bola para encontrar uma maneira de fugir da Loura sem perder o contrato.

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