Certo dia, no Paraíso, Adão acordou com o seu
par de neurônios em curto-circuito e percebeu que estava só. Para onde quer que
ele olhasse, só via animais. Bestas sem alma, que nem sequer sabiam existir.
E por não haver nenhuma criatura semelhante a
ele, Adão entrou em crise existencial e foi para debaixo da macieira matutar
sobre sua desdita. Foi aí que apareceu o arcanjo Gabriel, a quem cabia zelar
pela ordem no Jardim do Éden. Nada que saísse de sua confortável rotina lhe
escapava. Gabriel era, por assim dizer, o síndico do condomínio.
- E aí, Adão? O que é que tá pegando? –
Perguntou o arcanjo, ao ver Adão pensativo, duro como uma estátua de Rodin.
O homem soltou um suspiro, sem saber por onde
começar, para explicar o que lhe magoava por dentro. O fato é que, cansado da
dura vida de funcionário público, e de conversar com animais que nada lhe
respondiam, resolveu pensar num modo de dar um fim à pasmaceira geral que
dominava a sua, até então, breve existência.
- De novo? Por isso sinto esse cheiro de
queimado. Você tem que parar com essa mania de pensar, Adão. Pô, vai acabar
botando fogo na árvore do fruto proibido. Olha aí, ó! Já tem folha chamuscada.
Foi então que tudo ficou claro para Adão. Educado
e sensível como era, ficou muito puto com o comentário de Gabriel.
- Pensar tem tudo ver comigo. Afinal... Não fui
feito à imagem e semelhança do Criador?
- Bem...Mais ou menos. Como cópia, tu não é lá
grande coisa. Mas diz aí... O que tá esquentando essa cachola?
- Bem... Só umas coisinhas básicas. Por exemplo:
quem sou eu? De onde eu vim? Para onde vou? Por que...
- Tá bom! Tá bom! – Exclamou Gabriel,
impaciente. – Eu já entendi. Sabia que isso ia dar rolo, mas o Criador não quis
me ouvir.
- Agora quem não entendeu fui eu.
- Deixa pra lá. Por que você não esquece esse
negócio de pensar e aproveita a moleza? Vai por mim. Garanto que não tem emprego
melhor que o seu. – Disse Gabriel, na tentativa de contornar os conflitos
existenciais de Adão, antes que o caldo entornasse. Todavia, seu pupilo não era
de desistir facilmente, quando botava alguma coisa na cachola.
- Não sei não. Todo dia é a mesma coisa: dormir,
comer, dormir... Não tem nada pra fazer, além de conversar com esses bichos de
quatro patas.
Nesse ínterim, dois veadinhos surgem detrás de
alguns arbustos e correm alegremente ao redor da macieira sob o olhar de Adão,
não muito feliz com aquela interrupção.
- Eu não sou o que você tá pensando! – Disse o
primeiro.
- Sei, sei. – Respondeu o segundo. – Vamos
brincar na cachoeira?
- Tá bom, mas só um pouquinho.
Em seguida, os dois veadinhos saíram trotando
alegremente e sumiram atrás dos arbustos, por onde haviam surgido.
- Esses dois aí são muito esquisitos. –
Sussurrou Adão para Gabriel.
- O que é que tem? Os animais do Éden podem ser
ótimas companhias. Você tem que usar a imaginação. Bem... Deixa pra lá. Seguinte,
mané. Acabo de receber uma mensagem do Chefe para você.
- Mensagem? Ué! Por que não disse logo? Eu nunca
recebi uma mensagem do chefe antes.
- Bom, agora recebeu. O Criador ouviu tua
choradeira e resolveu atender o teu pedido.
- Então... Acabou minha solidão?
- Segura a onda, Mané! A coisa não é assim tão
simples. Tenho que seguir o regulamento, preencher alguns formulários e
aguardar o despacho celestial.
- Ih! Lá vem burocracia... – Lamentou Adão, que
mal se aguentava de tanta ansiedade.
- Bom... O prazo regulamentar é de nove meses.
- Pô! Tudo isso?
- Sossega! Você tem costas quentes. – Respondeu
o arcanjo. – Então, a sua encomenda chega amanhã. Quando você acordar, tudo estará resolvido.
- Acordar? Eu nem vou conseguir dormir. Acho que
ficarei aqui embaixo da macieira, contando as maçãs até o sono vir.
- Boa ideia! Só não esquece que esse fruto é
proibido. Pode contá-lo, mas não tocá-lo. “Só falta este mané descobrir a Lei
da Gravidade” – Pensou o arcanjo. – Mais uma coisinha... Amanhã você terá uma
costela a menos.
Antes que Gabriel acabasse, Adão soltou um
sonoro ronco.
- Pô! O sacana já dormiu.
O que aguardará nosso ... Hum ... Herói, no dia
seguinte? Terá a companhia que tanto deseja? Ou tudo não passará de uma grande
piada celestial? Quem matou Lineu? Opa! Essa já é velha. Bem... De qualquer
modo não percam a emocionante sequência desse drama.
O dia amanhece no Jardim do Éden. O canto dos
pássaros enche o ar, enquanto Adão continua dormindo, sem perceber a mulher ao
seu lado. Ela também dorme profundamente, apesar do ronco dele.
Quando Adão finalmente acorda leva um tremendo
susto ao ver Eva. Antes que as más línguas acordem também, é bom lembrar que
ele nunca havia visto uma mulher antes. Então o susto é plenamente
justificável. Segundos depois, mais calmo, ele lembra da conversa que teve com
Gabriel na noite anterior.
- O que temos aqui? Uma criatura nova no
paraíso. Será que você é a companhia que o Chefão me prometeu?
Eva finalmente acorda. É a vez dela assustar-se.
Olha para Adão, faz beicinho e cara de choro.
- Mamãe?
- Hum... Você não parece muito comigo! – Exclama
ele, examinando Eva de cabo a... Bem, você entendeu, não?
- Tuas formas são um pouco mais... Pelas
estrelas! Que peitos enormes! Ué? cadê o bilau? Ih! Acho que você veio com
defeito de fabricação.
Antes que a confusão tomasse proporções
bíblicas, Gabriel apareceu para botar ordem no pedaço.
- Ah! Vejo que já conheceu Eva. Muito bem! Muito
bem! Então, meu caro Adão, o que achou da sua nova companhia?
Adão, então achou que aquele era um bom momento
para reclamar de certas características de sua encomenda.
- Não sei. Ela é um pouco diferente do que eu
tinha imaginado. – Diz, apontando os peitos de Eva.
- Claro, mané. Ela é uma mulher. É uma fêmea da sua espécie.
- Não foi isso que eu pedi. Ela nem mesmo tem um
bilau, como eu.
- Fêmeas não têm bilau. Você levou foi a maior
sorte. É a primeira vez que o Criador bota uma fêmea no paraíso.
- Isso é bom?
- Ah! Isso eu não sei. Você vai ter que
descobrir.
Seguindo sua natureza, Adão continuou insistindo
no assunto, julgando que entender aquele detalhe fosse muito importante.
- Uma fêmea... E sem bilau? Não sei, não. Acho
que fui enganado.
- Bilau! Bilau! Tu nem sabe pra que serve isso.
Adão ia insistir no assunto, mas foi
providencialmente interrompido por Eva, que perdeu a paciência ao ouvir uma
discussão que não compreendia, quando ela tinha questões mais importantes para
resolver ali.
- Mamãe?
- Pô, ela só fala isso? – Pergunta Adão, ainda
insatisfeito.
- Tu foi a primeira criatura que ela viu. Eva tá
pensando que tu é a mãe dela, morou? Bom, de certa forma faz sentido. Ela foi
feita da tua costela.
- Pô! Por isso tô sentindo um vazio aqui. –
Responde Adão, apalpando suas costelas. – Então eu sou mãe?
- Isso não vai dar certo. – Disse Gabriel ao
perceber a confusão. – Peraí. Acho melhor lhe explicar umas coisinhas.
Contudo, antes que o arcanjo articulasse seus
pensamentos para uma explicação inteligível, Eva voltou a atacar.
- Mamãe! Mamãe!
- Filhinha! – Respondeu Adão comovido, enquanto abria os braços para abraçar Eva.
- Vão parar com essa frescura? Você é o macho da
espécie humana. Eva é a fêmea. Somente as fêmeas podem engravidar. Entendeu,
mané?
- Não.
- Já vi que isso vai longe... – Falou Gabriel,
com um longo suspiro.
- Pô! Se não sou a mãe, como é que ela nasceu de
mim?
- Bom... Ela tinha que sair de algum lugar, né? –
Responde Gabriel, embaraçado. Aquele era um assunto que ele não dominava com
desenvoltura.
- E daí?
- Daí que o Criador tomou uma de tuas costelas
emprestada para criar Eva. Bom, Você conseguiu a companhia que queria. Agora
descobre o que fazer com ela e vê se não enche mais o saco!
- E pra que ela serve?
- Pô! Sei lá! Como é que eu vou saber? Nunca
teve uma teve uma fêmea aqui. Acho que o Criador tá de gozação contigo, mas
esse negócio de brincar de mamãe não tem nada ver, definitivamente.
- Mamãe? – Insiste Eva.
- Pô. Será que ela só sabe falar isso?
- Eva acabou de nascer. Espera um pouco pra ver.
Ela vai falar mais do que você vai aguentar.
Adão coçou a cabeça, sem saber o que fazer com
Eva. É certo que ele queria uma companhia, mas não pensou que tivesse que tomar
conta dela. De repente, teve uma ideia.
- Vamos para a cachoeira brincar com os
veadinhos? – Perguntou para ela.
Eva sorriu como se concordasse, mas não tinha
entendido nada, é claro. Enquanto isso, Gabriel soltou mais um de seus
costumeiros suspiros, quando algo o desagradava.
- Acho que ele ainda não entrou no espírito da
coisa. – Disse para si mesmo. – Mostra o Éden para Eva, mas vê se não esquece
da proibição, hein? Na árvore do fruto proibido não podem tocar.
E assim foi. Adão Tanto esperneou, que o Criador
resolveu conceder-lhe uma companheira. No princípio, ele ficou feliz.
Finalmente teria um ser semelhante a si para dividir sua solitária existência
no Paraíso.
Todavia,
sua companheira era uma mulher. Tá certo que ela era uma fêmea da sua espécie, mas
ele
nem sabia para que ela servia. Aliás, Eva era a primeira fêmea de qualquer
espécie a existir no Éden, um clube do bolinha zelosamente administrado pelo
arcanjo Gabriel, que de fêmeas também não entendia nada, mas era o síndico do
pedaço e se achou na obrigação de administrar a encrenca que se prenunciava.
Essa é a história de Adão e Eva, numa versão que não está no catecismo.
No dia
seguinte, Adão acordou cheio de expectativa. O fato de não estar mais só abria
novas possibilidades que poderiam acabar de vez com o tédio em sua, até então,
solitária existência.
- Onde você está Eva? Pergunta aflito, ao não ver sua
companheira. – Onde está essa criança?
- Estou aqui, Adão. –
Responde Eva.
- Pelas barbas de Gabriel!
Você está falando!
Eva não compreendeu por que
Adão estava tão surpreso, mas deduziu com muita perspicácia que era melhor não
estender o assunto. Permaneceu calada enquanto ele a examinava de novo.
- Gabriel tem razão. Você é
realmente muito diferente de mim,
-Sou? Pensei que fôssemos
iguais!
- Somos diferentes em alguns
detalhes. Eu tenho um pingolim e você não tem, vê? Você nada tem entre as
pernas. – Completa ele todo orgulhoso.
Eva olha aquele apêndice com
uma indiferença que teria fulminado Adão, se tivesse percebido que só ele parecia dar
importância ao detalhe em questão.
- É verdade. Não tenho nada
pendurado, mesmo.
- Não falei? Somente o macho
tem um destes.
Eva pega o pênis de Adão,
segura-o pela ponta dos dedos e o examina mais atentamente.
- Mas pra que serve isto?
- Bem...Eu faço xixi, com
ele. – Responde Adão desconcertado com o pouco caso de sua companheira ao seu
estimado apêndice.
- Ora! Eu faço xixi também, e
não preciso dessa coisa aí.
- Sim, mas você precisa se
agachar, do contrário se molha toda. Eu posso fazer isso de pé.
- Grande vantagem! – Retruca
Eva, fazendo beicinho.
- Você diz isso, porque não
tem um.
- Por que eu iria querer
isso? Além de feio, parece inútil.
Adão ia retrucar, mas Eva
encerrou o assunto com um gesto de enfado e se afastou. Era hora de conhecer o
Jardim do Éden, mesmo que tivesse de fazer isso sozinha.
- Onde você vai?
- Vou dar um rolê para
conhecer a área.
- Mas... E eu?
- Você fica aí pensando na
razão do Criador ter lhe dotado com esse penduricalho. Isso deve ter alguma
utilidade, além de servir para você fazer xixi em pé.
A relação de Adão com sua
companheira não parecia ter começado de forma muito auspiciosa. Isso o fez
pensar se o Criador não tinha lhe dado um presente de grego, embora nunca
tivesse ouvido falar dos gregos até aquele momento. De qualquer modo, alguma
coisa não se encaixava.
Como se tivesse ouvido tais
pensamentos, Gabriel surgiu de repente. Estava curioso sobre como Adão estava
lidando com a situação.
- Então, meu caro? Está se
divertindo com a sua companheira?
- Você zomba de mim, Gabriel?
- Não, Não. – Disse Gabriel
contemporizador. – Mas percebi que Eva o deixou bastante irritado.
- Ela fala que meu pingolim
não tem nenhuma função.
- E você? O que acha?
- Não sei. Antes de Eva
chegar, eu achava que ele servia apenas para aliviar a minha bexiga. Agora já não
sei. Diga-me você, Gabriel. Para que isso serve?
- Eu? Mas eu nem sexo tenho!
Como vou saber para que serve esse negócio pendurado aí? Hum! ... Caramba, como
é grande! Na verdade, pouco sei da vontade Divina. Contudo, posso dizer-lhe que
o seu atributo é um sinal de superioridade.
Ao ouvir aquilo, Adão ficou
confuso. Sempre teve a impressão de que Gabriel falava menos do que sabia, mas
dessa vez, tinha certeza de que ele tentava ludibriá-lo.
- Como assim?
- Não percebe, Adão? Você é
superior à sua fêmea. A vontade de Eva deve sempre ser a sua vontade, pois ela
deve se submeter a você.
- Ela sabe disso? – Perguntou
Adão, num lampejo de sagacidade.
- Você deve mostrar isso a
ela. Cabe a você ensinar Eva a obedecer.
Aquilo parecia fazer sentido,
mas ele não tinha muita certeza sobre a disposição de Eva para colaborar.
Aliás, desconfiava que teria sérios problemas com essa questão de obediência.
De repente Eva ressurge toda
agitada.
- Adão, Adão! Vem ver o que
eu descobri!
- Acalme-se criatura! Não vê
que estou ocupado? O que pode ser tão urgente, aqui no Éden?
- Você já poderia saber, se
não perdesse tanto tempo fazendo perguntas. – Respondeu Eva impaciente. –Vem de
uma vez!
- Está bem! – Disse Adão, com
um suspiro. – Mas que fique registrado que essa é a minha vontade.
Gabriel nada diz, limita-se a
abanar a cabeça, achando que aquilo não ia dar certo.
- Está vendo, Senhor? Eva já
está botando as manguinhas de fora. Isso sem falar no desrespeito à minha
pessoa. Ela veio aqui, falou com Adão e levou-o embora, como se eu nem
existisse. Imagine o que fará com ele, coitado. Eva parece ter sido criada para
pôr Adão a prova. Mas à prova de que Senhor? De obediência, talvez? Se for
isso, não bastaria a proibição de comer a maçã? Por que dar vida a uma criatura
tão semelhante a Adão, se apenas uma bastaria aos propósitos de existência do
Éden? Como se não bastasse, é uma fêmea! ... Isso me lembra a criação da
serpente. Ainda hoje, passados vários milênios, não consigo atinar para que
serve tão vil criatura. Eu sei Senhor, que suas razões não importam a este
humilde servo. Todavia há momentos em que eu me sinto como Adão. Espero que o
Senhor não me considere impertinente em minha falta de compreensão dos assuntos
Divinos. Não Senhor, não é falta de fé! Só gostaria que o resultado de tais
experiências não venha a aborrecê-lo mais tarde. Mas que bobagem eu estou
dizendo? Naturalmente, o Senhor, em Vossa onisciência, tudo sabe!
De repente um ruído de algo
se arrastando entre os arbustos chama a atenção de Gabriel.
- Que sombra é aquela? Tem
alguém espreitando das sombras! Mas não é possível! É aquela minhoca de novo!!
– Exclama ele colérico. Tira o tamanco e sai correndo atrás da serpente. – Agora
eu lhe pego!
Enquanto isso, ignorando o
que havia acontecido em sua ausência, Adão e Eva retornam de sua breve
incursão.
- Era isso que você queria
mostrar-me com tanta urgência? Não é nenhum segredo que todas as criaturas do
Éden são do sexo masculino.
- Exceto a mim, que sou
fêmea.
- Justamente! Foi com a sua
vinda que essa regra foi quebrada, mas tudo já estava escrito, pois essa é a
vontade do Criador.
A mulher não ficou satisfeita
com aquela explicação, mas sabia que seu companheiro não poderia lhe dar
resposta às perguntas que fervilhavam em sua mente.
- Parece que tudo se explica
como sendo da vontade do Criador. Devemos ser apenas marionetes de sua vontade,
então. Criaturas sem nenhuma importância.
- A vontade do Criador é tudo
o que importa. É por essa vontade que existimos.
- Mesmo quando essa vontade
significa que devemos ser privados de provarmos do fruto desta árvore?
- Ora! Que importância tem a
maçã, se podemos comer todos os outros frutos que existem no Éden? Eu a proíbo
de tocar nesse assunto novamente, ouviu?
- Você me proíbe? – Retruca
Eva furiosa. – Como você ousa falar comigo dessa maneira?
E-Eu sou o seu senhor! –
Gagueja Adão. – Você deve obedecer à minha vontade, pois eu tenho um pingolim e
sou superior a você... Ora essa!
- Mas que interessante! Você
finalmente achou uma função para essa coisa horrorosa.
- Mais respeito, ouviu? Isto
aqui é o atributo do macho. Sinal de força e superioridade sobre a fêmea.
- Não brinca! Deixe-me
adivinhar... Foi Gabriel quem lhe falou isso?
- Naturalmente, quem mais
poderia ser?
- Realmente! Depois você vem
me dizer que ele não tem sexo.
- Mas eu nunca lhe disse isso... De qualquer modo, você deve
obediência à mim, pois foi por minha vontade que o Criador lhe deu existência.
– Disse ele, sem muita certeza do que estava falando.
Parecia-lhe que, desde o
surgimento de Eva, ele já não conseguia mais ter certeza de nada. A companhia
que tanto desejara não era o que esperava e, taciturno, Adão ficou em silêncio.
Todavia, Eva não lhe deu trégua.
- Será mesmo, meu querido?
Ou, quem sabe, eu já fazia parte dos desígnios do Criador, muito antes do barro
ter sido moldado em sua forma?
- Você fala com a peçonha da
Serpente, mulher. Você tenta colocar a dúvida no meu espírito, como aquele ser
asqueroso fez antes!
- De quem você está falando?
- Você não sabe? – Retruca o
homem com ironia. – Você fala do mesmo modo daquela vil criatura. Será que você
não é mais um ardil engendrado pela serpente?
- Não seja tolo Adão! Você
acabou de dizer que lhe devo a minha existência. Agora, no entanto, já credita
isso a um ser misterioso a autoria da façanha! Francamente, você é ridículo!
- Pode ser que eu esteja
sendo ridículo! Mas é verdade que você me inferniza com suas perguntas e seus
questionamentos incessantes. Ora! Não tenho que ficar aqui, ouvindo suas
tolices. Prefiro a companhia de Gabriel.
Assim, Adão e Eva tiveram a
primeira DR de suas vidas. Depois dessa discussão, ele a deixa sozinha.
- Nossa! Que bicho o mordeu?
Só estávamos trocando algumas ideias. De repente ele me deixa aqui falando
sozinha. Justamente euzinha, que nasci da inquietude da solidão que lhe corroía o espírito... Já vi que o macho é complicado, mesmo!
Absorta em seus pensamentos,
Eva encontra a serpente.
- Se não for incômodo,
mocinha, poderia tirar o pé do meu rabo?
- Q-que criatura é você? –
Ela pergunta assustada.
- Eu sou o lado oculto do
Éden. O ser das sombras. Em outras palavras eu sou a única, terrível, magnífica
e fabulosa...
- Tá! Já entendi.
- Então me diz mocinha, que
negros pensamentos entristecem seus lindos olhos?
- Eu não sei ao certo.
- Ora, ora! Mas o que lhe
falta? - Pergunta a serpente insinuante.
– Não é você um espécime humano, feito à semelhança do Criador?
- Eu sei apenas o que Adão
diz que sou. Ele diz que sou humana, semelhante a ele em quase tudo, exceto
pelo pingolim. Porém eu sinto que a diferença vai além disso! ... Adão me trata
como se a ele pertencesse. Eu sou sua fêmea, como ele diz. Só que eu não sei o
que significa isso.
- É provável que ele também
não saiba. – Diz a serpente com ironia.
- Como posso ser semelhante a
ele? Sua origem é um desejo Divino. A minha é apenas um desejo seu. Minha
existência parece ser um complemento da existência de Adão.
- Bem... Pelo menos, de uma
coisa você já pode ter certeza...
- Do quê?
- Você é o primeiro ser
humano com crise existencial!
- E como vou resolver isso?
- Eu não tenho a menor ideia,
mas com o tempo encontrará todas as respostas que precisa. Entretanto, a sua
chegada no Paraíso não deixa de ser intrigante.
- É mesmo? Por quê?
- Eu estava pensando em qual
motivo levou o Criador a fazer de você uma fêmea. Afinal, Adão queria uma
companhia, mas ele não estava pensando numa fêmea. Não poderia pensar em algo
que, até então, desconhecia, isso é certo. Além do mais, não há necessidade de
procriar no Éden. Na verdade, isso nem foi cogitado na criação deste lugar.
- Por que não tenho um belo
falo entre minhas pernas, com tem o meu companheiro? Acho uma injustiça não ter
um falo, como tem Adão.
- não se preocupe. Certamente
você ainda terá um falo, como tanto deseja.
- você tem certeza? Terei um
lindo falo, a balançar entre as minhas pernas?
- Sim, com certeza você terá
um falo... Isso vai dar uma confusão... Mas por hora contente-se com o que tem.
- Contentar-me com o que
tenho? – Pergunta Eva exasperada. – Você pode dizer-me o que tenho, afinal?
Insinuante, a serpente
coloca-se entre as pernas de Eva.
- Certamente! Certamente! Em
breve você descobrirá que o falo que Adão exibe tão orgulhoso destina-se a
você.
- A mim? Como é possível, se
o falo de Adão pertence ao seu corpo, e não ao meu?
- A resposta para isso está
na sua natureza. Você deve descobrir o propósito de sua existência.
- Eu pensei que você
soubesse.
- Certas coisas você terá que
descobrir por si mesma, caso contrário não se cumprirá o destino que o criador
reservou para você.
- Destino? Que destino?
- Como eu vou saber? Não fui
eu que inventei essa besteira toda. Mas o fato de você ser a única fêmea deste
jardim zoológico celestial deve ter um propósito, eu imagino.
As palavras da vil criatura
não a tranquilizaram. Na verdade, Eva começa a achar que a serpente estava lhe
enrolando também.
- Você está parecendo com o
que Adão falou a seu respeito.
- Oh! Então Adão falou de
mim? Pensei que tinha me esquecido, aquele danadinho! Então, mocinha, o que
Adão falou a meu respeito? Não me esconda nada, hein?
- Adão falou que você é uma
criatura vil e ardilosa.
- Falou isso? Oh! Que gentil!
- Você não está zangada? –
Eva perguntou confusa. Ela ainda não havia se habituado às sutilezas do
raciocínio da serpente.
- Imagina! Eu sou isso tudo e
muito mais! Se Adão tivesse me ouvido, ao invés de ouvir aquele horror de
camisolas chamado Gabriel, certamente não seria o banana que você conheceu. Agora
você tem a oportunidade de escolher. Quer ficar como Adão? Ou quer trilhar o
caminho do conhecimento?
Aquela era uma pergunta tão
capciosa, que até mesmo Eva percebeu que tinha alguma cilada nas palavras da
serpente. O que lhe faltava em experiência, ela sabia compensar com uma
sagacidade inata.
- Se eu escolher o caminho
que você aponta, o que vou encontrar?
- Conhecerá novos aspectos de
sua existência. Novas sensações. Você gostará desse novo caminho, não tenho
dúvida!
A serpente sabia ser
persuasiva e, isso, era algo que Eva desejava aprender. Num lugar em que os
machos eram a maioria quase absoluta, talvez aquela criatura rastejante pudesse
lhe ser útil, afinal de contas.
- Vou esperar para ver o que você
tem a ensinar-me. Mas se tentar me trair, vai se arrepender até o último guizo.
A serpente, que também não
era boba, caprichou na expressão de terrivelmente injustiçada.
- Trair-lhe? Oh! Como pode
pensar isso de mim, minha bela? Acaso não tenho, respondido de boa vontade às
perguntas que me faz?
- Mais ou menos. Suas
respostas não são muito claras e, pelo que sei, sua reputação já não é lá
grande coisa.
- Quanta injustiça! Pois
saiba que tudo se tornará mais claro no devido tempo. Além do mais
esclarecer-lhe algumas coisinhas vai deixar Gabriel subindo nas tamancas. Para
mim, isso não tem preço, ora essa!
- O que você quer dizer com
isso?
- Não pense nisso agora,
querida! Contudo, depois de nossas conversas, esse tedioso Jardim do Éden
jamais será o mesmo, tenha certeza!
- Então talvez eu não devesse
lhe dar ouvidos!
- Talvez sim! Talvez não!
Você tem livre arbítrio. Pode escolher entre os riscos de novas descobertas, ou
refugiar-se na segurança do que você já conhece, como fez Adão. Assim terá uma
eternidade de tédio para arrepender-se do que não teve coragem de fazer.
- Você é ardilosa, sem
dúvida!
- Siimm! – Respondeu a
serpente, sibilante. – E, em breve, você também será!
Eva sou uma sonora
gargalhada. Começava a gostar daquele conchavo.
- Não sei como Gabriel tolera
sua presença, aqui no Éden.
- Gabriel nada pode contra
mim. Aliás, ele precisa de mim.
- Agora acho que você está
delirando.
- De forma alguma! Agora
pense minha querida... Qual a importância da ordem, sem a presença do caos? Eu
sou o outro lado de Gabriel. Aquele ladinho obscuro que ele sempre tenta
esconder. Sem mim, Gabriel não tem um propósito de existência. Nada que
justifique sua presença no Éden.
- Quanto a mim? Qual o
propósito de minha existência, afinal?
Antes que a serpente pudesse
responder, ela ouviu um ruído. Alguém estava se aproximando.
- Shh! – O réptil sibilou. –
Está ouvindo? É Adão que se aproxima. Não é bom que ele saiba de nossas
conversas, por enquanto.
A criatura rastejou por entre
as folhagens e sumiu de vista, antes que Eva pudesse esboçar qualquer reação.
Todavia, ela tinha impressão de que Adão não gostaria realmente de suas
conversas com a serpente.
Eva ficou sozinha, mas só por
alguns segundos. Adão logo surgiu.
- Sinto tê-la deixado
sozinha, Eva. Eu tinha muito em que pensar.
- Não se preocupe por isso,
Adão. Foi bom ter ficado sozinha. Descobri que o Éden possui muitos aspectos
interessantes.
- Sim! Este lugar é
maravilhoso! Por isso eu concluí que tenho tudo o que preciso para ser feliz.
Não vejo motivos para procurar razões ou propósitos nas ações do Criador.
Preciso apenas aceitar e ser grato por tudo o que existe.
- Encontrou seu caminho,
então! O que antes buscava já não existe para você.
- Sim, pois tudo o que
preciso já existe! Por que devo preocupar-me com questões irrelevantes, como
diz Gabriel, quando há muito que aproveitar deste paraíso?
Eva reprimiu um bocejo.
Começava a achar o macho da espécie humana uma mala sem alça.
- Se você está feliz, tudo
está perfeito!
Foi aí que Adão percebeu que
havia algo errado. Diga-se a favor de Adão, que ele estava longe de ser um
estúpido mané, apesar da opinião geral e de sua atitude conformista e retrógrada.
- O que se passa você? Não
parece estar muito satisfeita.
- Está tudo bem, Adão. Hoje
eu conheci o outro lado do Éden e estou um pouco cansada. Apenas isso.
- Pois não parece! Há algo
diferente em você. Não está, nem mesmo enchendo com o seu rosário infinito de
perguntas.
Minhas perguntas para você se
esgotaram. Podes ficar sossegado que não lhe atormentarei mais com questões que
não lhe interessam.
Para Adão. Aquela atitude era
muito estranha. Ele estava certo de que Eva não aceitaria sua decisão, sem
espernear e falar pelos cotovelos. Aí tinha coisa!
- Falaste com Gabriel? Ele
lhe disse alguma coisa rude, quem sabe?
- Não! Não falei com Gabriel.
Não aconteceu nada de extraordinário. Apenas conheço melhor o Paraíso e agora consigo
compreender suas razões.
Embora ainda estivesse
desconfiado, Adão resolveu dar-lhe um voto de confiança. Afinal, o que ela
disse fazia sentido.
- Aleluia! Agora vejo que a
fé também te alcançou! Você acredita e aceita, como Gabriel diz que tem que
ser.
- Aleluia, irmão! – Respondeu
Eva com ironia.
- Agora nós podemos deixar de
lado as preocupações e apenas gozar a vida. Vem! Vamos brincar na cachoeira.
- Precisa desculpar-me Adão.
Mas hoje o dia foi muito cansativo. Penso apenas em ficar descansando sob a
macieira.
- Está bem! Se esse é o seu
desejo, deixaremos as brincadeiras para amanhã.
- Não se prive da diversão
por minha causa, Adão. Vá à cachoeira. Ficarei aqui, esperando por você.
- Está bem! Você me espera
aí, mas não deve esquecer da proibição. Não toque nas maçãs!
- Não se preocupe, Adão! Como
é possível esquecer, se você me lembra a todo o momento?
- Melhor prevenir que
remediar. Disse Adão afastando-se.
Eva suspira aliviada. Tudo o
que queria era ficar a sós com seus pensamentos. Havia muitos aspectos da sua
existência que desejava repensar. Entretanto, ela não estava tão só como
pensava. Em seu escritório, o arcanjo Gabriel fitava os monitores com muita
apreensão.
- Eu não disse, Senhor? A
coisa tá ficando preta! Aliás, já começou quando criou a mulher. Ela não é como
Adão. É mais teimosa enxerida! Eu não entendo, Senhor, por que não criou um
outro homem, como Adão? Eles seriam grandes companheiros! Brincariam juntos na
cachoeira... Eva não tem nada a ver com Adão. Ela nem mesmo gosta de suas
brincadeiras. Prefere ficar zanzando pelo Éden, olhando tudo, especulando! Eva
é reparadeira, Senhor! Não perde uma oportunidade de questionar sua obra. Como?
O Senhor ri de minhas preocupações? Acha que eu estou com ciúmes? Com todo o
respeito, Senhor, o meu zelo pelo Jardim do Éden ser confundido com esse
sentimento pobre é uma grande injustiça! Logo eu, que sempre lhe fui fiel,
incapaz de uma traição... Por falar em traição, o Senhor deveria voltar seus
divinos olhos para aquela criatura rastejante. Hoje a serpente abordou Eva,
aqui no bosque. Boa coisa eles não devem ter conversado, mas não consegui
ouvir, pois o áudio estava horrível! Isso só pode ser coisa daquele ser desprezível.
Aquela criatura tem um arsenal infinito de ardis e subterfúgios, o Senhor sabe.
Ah! O Senhor ri novamente de minhas preocupações! Francamente! Às vezes acho
que as ações daquela criatura horrorosa estão de acordo com seus desígnios,
Senhor! Só de pensar nisso, fico arrepiado, imaginando as consequências.
Enquanto Gabriel manifesta
suas preocupações às instâncias superiores, o fado de Adão e Eva continuava a se
desenrolar, sob a batuta da ardilosa serpente.
- Não sei... Talvez seja
melhor esquecermos tudo isso, afinal. – Disse Eva, em dúvida diante da maçã.
- Agora é você que se
acovarda! - Retrucou a criatura rastejante.
- Temo pelas consequências de
meus atos. Não gostaria de prejudicar ninguém que não fosse eu mesma.
- É uma atitude louvável, mas
tola. – Disse a serpente. Você está recuando
nos seus propósitos! Oh! Mas não é uma pena? Logo hoje, que eu iria lhe revelar
o maior dos segredos!
- Segredo?
- Aquele que explica a sua
existência, minha querida! O que poderia acontecer de mal em você saber coisas
que são da natureza humana? Não há o que pensar, a menos que queira se tornar
uma mediocridade eterna, como o patético macho da tua espécie.
- Isso nunca! Prefiro deixar
de existir!
- Não seja tão dramática.
Tudo o que precisa fazer é morder a maçã. Este fruto é a única coisa proibida
ao homem pelo Criador. Nunca lhe será permitido prová-lo! Porém você o fará.
Provará do fruto proibido e induzirá seu homem a desobedecer ao Criador.
- Mas por que devo fazê-lo?
Por que devo provocar a ira Divina?
- Porque assim você alcançará
tudo o que almeja, minha cara! Acaso você não deseja um falo, como tem o seu
companheiro? Não deseja encontrar a sua própria identidade?
- Sim. Mas como irei alcançar
o que desejo, desobedecendo ao Criador?
- Ao provar deste fruto, você
fará algo que seu companheiro nunca se atreveu a fazer. Farás algo por si
mesma, por seu livre arbítrio e iniciativa. Isso a identificará consigo mesma,
sem as dúvidas existenciais que agora atormentam seu espírito.
Ainda em dúvida, Eva recua.
- Não sei, não...
- É a sua chance. Coma o fruto!
Você não se arrependerá, lhe asseguro!
De repente ela se decide.
Pega o fruto e o morde com fúria.
- Está feito, finalmente! –
Exclama a serpente exultante.
- Meu Deus! O que eu fiz? –
Eva pergunta, chocada com seu próprio ato.
- Você fez aquilo que era seu
destino fazer! – Responde a serpente. – Você não sabia, mas não tinha escolha.
Esse negócio de livre arbítrio é pura balela. Agora preste atenção! Seu
companheiro está vindo. Oferece seu fruto a ele.
- Para que? Já não basta um
pecador?
- Não seja tola! Adão também
precisa conhecer a verdade.
- Você ainda não me
respondeu. Por que Adão deve ser envolvido em meus atos? – Insiste Eva,
agastada.
- Sem Adão, você não se
completará como mulher. Será estéril! Agora devo esconder-me, pois ele se
aproxima. Livra o seu coração de temores e cumpra o seu destino. Você está
ligada à terra e não ao Jardim do Éden!
A serpente se oculta,
enquanto Adão se aproxima. Eva oferece a maçã para o seu companheiro .
- O que você fez criatura?
- Não está vendo? Comi a
maçã!
- Mas você sabia que era
proibido tocar nesse fruto. Por que fez isso?
- Eu tenho meus motivos! Você
não compreenderia Adão.
- Compreendo que você
desafiou o Criador! Aquele que nos deu a própria existência. Como pensa, agora,
justificar tal insanidade?
- Não penso em justificar-me.
Para quê? A onisciência não é uma prerrogativa Divina? Além do mais, ao Criador
se deve a determinação de minha natureza.
À essa altura dos
acontecimentos, Adão já tinha se acalmado. Ele era esperto e sabia que acabaria
perdendo a discussão para Eva.
- Pensando assim, seus atos
parecem lógicos, mas estarão corretos?
Eva deu de ombros, pois já
não se importava.
- Por que devo preocupar-me
com isso? O meu destino já está traçado, e pertence aos desígnios Divinos, não
é isso?
-Você tinha escolha, Eva! Não
me venha falar de um destino já traçado!
- Fala do livre arbítrio? Não
seja tão ingênuo! O livre arbítrio existe apenas no cotidiano de nossas vidas.
O nosso destino pertence ao jogo cósmico do Criador, onde somos apenas peças a
serem manipuladas.
- Você não compreende a
extensão dos seus atos! – Insistiu Adão. – Desobedeceu às determinações do
Criador e, agora, a desgraça irá abater-se sobre nós. Seremos malditos por toda
a eternidade. É o fim!
- Se o fim existe, Adão...
Ele certamente não será agora, em consequência de uma única mordida no fruto
proibido. Por que deveríamos temer algo que foi cometido por nossa decisão?
Ora! Não foi o Criador que nos dotou de livre arbítrio? Não seria esse o fato
que nos completaria como seres humanos?
- Você me confunde com esse
jogo de palavras!
Eva respirou fundo e se
encheu de paciência. Aquilo não ia ser fácil, pensou a mulher. Aquele mané
tinha dogmas incrustados em sua mente há uma eternidade, enquanto que ela
existia há apenas um momento na escala cósmica do Criador. Teria que usar os
artifícios de sedução aprendidos com a serpente.
- Só tem um jeito de você
aquietar seu coração – Ela disse. Em seguida mostrou a maçã mordida e seu
sorriso mais sedutor.
- Isso é loucura!
- Talvez! Mas é uma loucura
deliciosa.
Eva puxou Adão para trás da
macieira e lhe mostrou que havia coisas bem mais divertidas para fazer no
Paraíso, que brincar na cachoeira com os veadinhos.
- Venha, meu querido. Venha
provar o fruto! Sinta a doçura do meu pecado na sua boca!
- Ahhh! – Gemeu, Adão pela
primeira vez.
- Já? – Reclamou Eva, também
pela primeira vez.
Todavia, aquele gemido foi
suficiente para alertar Gabriel, em sua indefectível sala de controle do Jardim
do Éden.
- Aconteceu Senhor! Macularam
o Éden! Agora não há nada mais a fazer, a não ser expulsá-los do Paraíso.
Sinto-me triste, Senhor! Até já começava a gostar desses seres criados à sua
semelhança!
Não muito longe dali, a
serpente se regozijava.
- Pobre Gabriel! Ele já
sabia, mas insistiu em adiar o inevitável! Minhas ações foram simplesmente
devastadoras! No começo, perdi a batalha com Adão, mas Eva se mostrou bem mais
receptiva. Tendo-a como aliada, tentar Adão foi pura covardia. Mas, afinal, eu
fiz foi um grande favor àquele panaca. Graças a mim, o paspalho descobriu que a
fêmea de sua espécie é bem mais interessante do que ele esperava. Mal posso
esperar o desfecho desta comédia celestial! Ai! Não sou terrível?
No entanto, apesar de toda a
satisfação da serpente com o desfecho de suas intrigas, Gabriel não se deu por
vencido e saiu no encalço de Adão e Eva, à essa altura, considerados totalmente
subversivos e perigosos à manutenção da ordem no Jardim do Éden.
- Adão! Eva! Venham cá! – Ele
gritou possesso. – Eu sei que estão por perto. Não adianta ficarem escondidos,
pois é hora de responderem ao insano ato que praticaram.
Verdade seja dita. Adão e Eva
não estavam escondidos. Eles apenas estavam se arrumando com o novo modelito
bolado por Eva, que de repente começou a achar esse negócio de andar nu pelo
paraíso algo totalmente over, se é
que me entendem.
Na verdade, havia um outro
motivo. Ela estava grávida e, como no Paraíso o tempo é relativo, a gravidez já
estava num estado avançado. Eva não sabia o que tinha acontecido, mas intuiu
que não era hora de aparecer barriguda. Então, quando eles se aproximaram de
Gabriel, ela tentou manter-se atrás de Adão.
- Ah! Resolveram aparecer,
hein? O que é isso?
- U-uma folha de parreira –
Gaguejou Adão muito sem jeito.
- Verdade? Por um momento
pensei que fosse uma melancia. Se não for muito incomodo, poderia dizer-me por
que está usando isso ai, pendurado?
- É para esconder-me dos
olhares dos outros seres, pois não suporto que vejam meu corpo nu. – Disse
Adão, que não levava jeito para ocultar seus motivos.
- Verdade? Eu julgava que
nada poderia embaraçá-lo. Agora o vejo aí, a esconder-se atrás de uma folha de
parreira. Você queria saber tantas coisas. Parece que agora sabe o que é a
vergonha. E você, Eva, por que está atrás de Adão? A folha de parreira não é
suficiente para a sua vergonha? O que é isso?
- Uma folha de parreira.
Gabriel solta um suspiro.
- Não vamos começar isso de
novo, está bem? Você sabe que estou me referindo ao seu ventre proeminente.
Talvez Adão possa explicar-me esse fenômeno.
- N-não sei! De repente a
barriga dela começou a crescer, sem nenhuma razão.
- Sem nenhuma razão? Sem
nenhuma razão? – Berrou Gabriel possesso. – O que vocês acham que fizeram?
Diante daquela situação, Eva
resolveu tomar a iniciativa.
- Eu não sei a razão de minha
barriga estar crescendo. De qualquer modo, sinto que algo existe dentro de mim.
Diga-me o que é, Gabriel, você que sabe tudo.
- Você não sabe? - Gabriel pergunta com desdém. – Eu sei tudo?
O que me diz daquela criatura rastejante, com quem você tanto conversou? Ela, certamente,
deveria ter uma resposta para as suas perguntas, não?
- Nunca mais a vimos, desde
que... – Tenta responder Adão, no lugar de Eva
- Desde que comeram o fruto
proibido! Claro! Ela conseguiu o que queria. Por que iria se preocupa com
vocês? Mas a responsabilidade da ordem no Éden repousa sobre meus ombros. Não
fui ouvido quando os adverti para não tocarem no fruto. Agora terão que assumir
as consequências daquilo que fizeram.
- Ora! O que fizemos? Nada
mais do que usar das prerrogativas que nos deu o Criador!
- Sim! E a primeira coisa que
você faz é ficar grávida!
- Grávida? – Perguntou Adão
assustado.
- Grávida? – Repetiu Eva, com
uma expressão estranha no olhar.
- Exatamente! Isso que você
carrega no ventre é um filho, ou melhor, dois filhos! Pelo tamanho da barriga,
certamente você terá gêmeos.
- Filhos! Eu vou ter filhos!
– Falou Eva emocionada.
- Então esse é o segredo. –
Disse Adão atônito. A ficha tinha caído! - Finalmente eu percebo aquilo que me
foi negado, por tanto tempo.
- Bem...Você sempre foi um
pouco lento para entender. De qualquer modo, agora vocês irão saber o que foi
escrito por linhas tortas.
- Seja o que for, já não
importa! – Responde Adão, já farto daquela celeuma toda.
- Sim! Não queremos mais
saber de seu jogo de palavras vazias! – Corroborou Eva, cheia de si, com a
atitude de Adão.
- Ah! É assim? Só porque
experimentaram um pouco de sacanagem, já pensam que sabem tudo! – Falou Gabriel
colérico, ao tirar a espada da bainha. – Pois já que renegaram as minhas
palavras, estão expulsos do Éden para todo o sempre.
- Isso é arbitrariedade! –
Falou Eva.
- Puro casuísmo! – Disse
Adão.
- Oh! É mesmo? Pois saibam
que o Éden não foi projetado para aumento de população. Além disso, o
regulamento do condomínio, do qual eu sou o síndico, não permite crianças.
- Mas... – Começou Adão,
tentando protestar.
- Basta! Vão embora para a
terra, ganhar o sustento com o suor de seus rostos. Acabou a moleza! Xô! Xô!
Então, sem alternativa, Adão
e Eva vão embora do Paraíso. Logo depois, a serpente reaparece diante de
Gabriel.
- O que você está fazendo
aqui?
- Esqueceu nossa aposta,
“Biel”?
- Schh! Não me chame assim! É
claro que não esqueci, mas você não poderia esperar um pouco mais?
- Você perdeu! Agora deixe de
rodeio e paga!
- Está bem! Toma! Toma! – Disse
Gabriel, enquanto entrega a espada para a serpente. – Mas saiba que ter usado
Eva foi um golpe baixo.
- Naturalmente! Esperava
outra coisa de mim? – Retruca o ofídio, com uma risadinha de satisfação.
- Na verdade não. Mas você
sempre me surpreende!
- Mas bem que você gosta, não
é? Seu danadinho!
Sem uma resposta à altura,
Gabriel prefere se calar.
- Ora! Não se aborreças por
isso, meu caro! Se você for bonzinho, eu deixo segurar a minha espada, de vez
em quando, está bem?
- Nem em mil anos! Não quero nada
de você!
- Deixa disso “Bielzinho”.
Você sabe que estamos ligados um ao outro...
- Essa é a minha sina!
- Bobagem! Agora o Paraíso é
nosso! – Disse a serpente insinuante e cheia de segundas intenções.
No comments:
Post a Comment