Lembranças
da primeira vez
Agora
eu estou aqui, no lugar onde acontecimentos dessa natureza costumam nos levar;
a mesa do bar. Olho para o copo com uma certa repulsa. Eu gosto de um bom
vinho, costumo apreciar até mesmo um conhaque, em algumas ocasiões. Todavia,
nunca fui um bebedor inveterado. Nunca gostei da sensação de ficar bêbado,
embora nela tenha me refugiado algumas vezes. Que atire a primeira pedra quem
nunca tomou um porre e meteu o pé na jaca, mas acho que estou me dispersando. Voltemos
ao motivo principal desta escrita: o fim do amor!
Para
começar, acho que devo dizer que minha relação com as mulheres sempre foi
complicada. Eu sempre tive uma predileção especial por amores impossíveis, a
começar pela minha professora de inglês da quinta série. Esse foi um amor não
correspondido, infelizmente. O fato de ela ter, na época, mais que o dobro da
minha idade foi um mero detalhe. O que me magoou de fato foi saber que já era
casada. Muito bem casada, na verdade. Eu não tinha a menor chance.
Minha segunda paixão foi mais próxima de
minhas possibilidades. Também era mais velha que eu, mas não muito. Ela tinha
lá seus 13 anos, e era irmã do meu melhor amigo. Bem, isso de melhor amigo
também era exagero, mas o fato do sujeito ter um monte de irmãs bonitas o
tornava candidato a ser o melhor amigo de todo mundo. Não lembro do nome dele,
só do apelido: Iquinho. Isso me leva a pensar que ele talvez se chamasse
Henrique, mas não posso afirmar com certeza. De qualquer modo, esse detalhe não
é importante para compreender o que vou contar.
A
irmã de Iquinho, a qual me refiro agora, era Jandira. Digo era, porque nunca
mais a vi, desde a época em que se passaram os fatos que estou a relembrar.
Minha memória afetiva tem uma característica especial: ela alcança períodos
remotos da minha vida e resgata lembranças que a maioria esquece. Isso tanto
pode ser bom, como muito ruim para as pessoas envolvidas. Por isso, tomei a
liberdade de trocar os nomes e mudar algumas referências.
Como
já disse, meu melhor amigo na época tinha muitas irmãs. Eram todas bonitas, mas
Jandira era especial, e ela sabia disso. Quero dizer, ela sabia que era bonita. E
por saber disso, caprichava ainda mais nos trejeitos de sedução. Ainda lembro
bem de seu olhar felino e cheio daquela malícia ainda ingênua, mas que já
prometiam o céu e o inferno para mim. Jandira percebia o efeito que me causava,
é claro. Até se divertia com meu jeito atrapalhado, mas na maioria das vezes era gentil e
atenciosa com meu pobre coração. Pena que eu não era o único que comia na sua
mãozinha delicada e graciosa.
Eu
era o menor dos moleques que frequentavam a casa de Iquinho. Íamos lá todos os
dias depois da aula. Quando não estávamos lá, imaginávamos pretextos para
voltar. Todos sabiam o motivo disso, mas por um acordo tácito nunca falávamos a
respeito. Quando chegávamos, as meninas já estavam encarapitadas em cima do
muro, no lado que dava para um terreno baldio. O arsenal de brincadeiras era
imenso, e duravam até o anoitecer, quando devíamos voltar para casa. Essa era uma
lei não escrita de nossos pais, mas devia ser obedecida sem discussão.
A
maioria das brincadeiras eram ingênuas e próprias da infância, mas algumas nem
tanto e já prenunciavam a confusão de hormônios que estava por vir, armada na
excitação do pecado e da culpa por transgredirmos as fronteiras do que era
proibido. Algo que, a partir de certo momento, se tornaria cada vez mais
frequente.
Um
dia cheguei na casa do Iquinho e dei de cara com uma fila de garotos, que ia
até o quarto de banho deles. Antes de continuar, preciso explicar que o tal
“quarto de banho” ficava conjugado com a privada e a área de serviço, do lado
externo da casa. Era uma construção tosca, feita em madeira bruta e cheia de
frestas.
A
fila era para ver as irmãs de Iquinho tomando banho. Ele estava cobrando ingresso pelo privilégio de alguns segundos com o olho grudado numa
fresta que oferecia uma vista privilegiada. Mais que depressa entrei na fila,
já emocionado com a possibilidade de ver uma garota pelada ao vivo. Eu ainda
era virgem nessa área, por assim dizer. Nem mesmo irmã eu tinha.
Quando
chegou minha vez, era Jandira que tomava banho. Justo ela! Coisas do destino,
sei lá... O fato é que eu estava vendo minha pequena deusa nuinha em pelo. Na
época, as garotas não se depilavam como hoje, não. Nada de bigodinho de Hitler
na área de lazer. Elas se apresentavam ao natural, mais para Fidel de Castro do
que para o líder nazista, e Jandira era pródiga nesse quesito. Aliás, tudo nela
era de uma generosidade ímpar, desde aquela boca carnuda cheia de promessas,
aos belos seios que desafiavam a lei da gravidade. Ora, vejam só... Depois de
trinta anos ainda lembro dos detalhes!
Quis
o destino que a primeira garota nua que eu viria na vida fosse Jandira. Fiquei
apaixonado, é claro. À visão daquele
monumento, daquele meio sorriso cheio de malícia deixou-me quase sem fôlego.
Teria sido uma ilusão, ou ela sabia que era eu que estava ali? Nunca soube com
certeza, mas ela tinha consciência de que estava sendo observada, isso tinha.
Ninguém, nem mesmo uma mulher demoraria tanto num banho de bacia.
Eu
ficaria ali, grudado naquela fresta o dia todo, mas tinha mais gente na fila.
Logo o empurra-empurra degenerou em pancadaria e atraiu a atenção da mãe de
Iquinho, que distribuiu vassouradas para todo lado e acabou com a festa. Depois
disso, fomos proibidos de voltar lá e o grupo se dispersou.
Logo desses acontecimentos, as aulas acabaram e fui passar as férias na casa dos
meus avós, em outra cidade. Quando voltei, soube que a família de Jandira havia
mudado de endereço e isso encheu o meu coração com um terrível sentimento de
perda. Achei que nunca mais fosse vê-la, mas estava enganado.
Algum
tempo depois, quando voltei da escola encontrei Jandira em minha casa. Estava
fazendo o almoço e me recebeu com o sorriso mais luminoso que eu já tinha
visto. Depois eu soube que minha mãe a contratou para ajudá-la nos afazeres
domésticos durante sua gravidez. Eu nem sabia que minha mãe estava grávida, mas
não me surpreendi. Isso já havia acontecido antes e se tornaria um estado
recorrente na vida dela.
De
tanto ver Jandira em minha casa, foi quase natural que nossa amizade se
tornasse mais cúmplice. Eu nunca tinha tido coragem de me declarar para ela,
mas as brincadeiras se tornaram paulatinamente mais safadas e frequentes.
Certo
dia, eu estava deitado em minha cama lendo o último gibi do Batman, enquanto
Jandira dava conta da louça do almoço. Eu podia ouvir o ruído dos seus afazeres
na pia da cozinha, mas logo esqueci dela, entretido com a história. Depois,
quando os barulhos cessaram, ela entrou no meu quarto e sentou-se na cama ao
meu lado, com uma revista de fotonovelas nas mãos. Logo recostou-se no meu
travesseiro para se acomodar melhor. Com o movimento a saia subiu alguns
centímetros. Aparentemente ela não se deu conta, mas isso foi o suficiente para
atiçar meus diabinhos da sacanagem.
Logo
a mão boba estava passeando por suas coxas. Como Jandira não esboçou nenhuma resistência,
a tal da mão boba se tornou mais atrevida e começou a explorar mares nunca
dantes navegados, com perdão de Camões. Infelizmente, para alcançar o tesouro
guardado sob sua calcinha, eu tive que me contorcer e ficar numa posição
desconfortável. Mas tudo bem. Como já dizia meu falecido pai: “tudo pela arte”.
Quando
Jandira sentiu minha mão deslizar sobre sua púbis, entreabriu as pernas numa
aceitação tácita do que estava por vir. Essa reação acabou com qualquer
resquício de insegurança que eu pudesse ter arranquei-lhe um gemido, logo abafado pela revista colocada entre os dentes.
Ainda fiquei algum tempo ali, deslizando meus dedos molhados e explorando cada
detalhe de sua anatomia. Alguns minutos
depois eu senti um desconforto no cotovelo e fiz menção de retirar a mão,
mas ela segurou meu braço.
-
Continua. – Disse baixinho. – Só mais um pouquinho.
Que
eu me lembre, Jandira atingiu o orgasmo pelo menos mais duas vezes. Em cada uma
delas eu quis retirar a mão, mas ela impediu. Isso me acarretou uma lesão no
cotovelo que me acompanha até hoje. Esse foi o resultado de minha primeira
transa, mas não me arrependo. Faria tudo de novo. Jandira mereceu cada gemido
de prazer que eu lhe proporcionei. Pena que ela foi embora logo depois disso,
por conta de uma discussão com sua empregadora. Eu nunca mais a vi, desde então.
Esse
foi o desfecho de minha paixão por Jandira. Ela sumiu no mundo e agora estou
aqui, a filosofar sobre o fim do amor. Não que lamente o término desse último
relacionamento. Nada disso. Não carrego muitas lembranças da última mulher que
passou em minha vida. Pelo menos não como as lembranças que tenho de
Jandira. Ela foi única, ou pelo menos é
dessa forma que meu coração de menino ainda lembra dela.
Há
muito tempo não pensava nela e não esperava o que aconteceu quando olhei para
porta e vi uma mulher entrar. A mulher que entrou no bar estava sozinha, mas
não foi isso que me chamou a atenção. Acredite ou não, caro leitor, mas ela
tinha o jeito de olhar de Jandira.
Quando
nossos olhos se cruzaram eu tive a certeza de que não estava sonhando. Era
mesmo Jandira. Pode acontecer uma coisa dessa? Tanto pode, que ela sorriu
quando me reconheceu e veio em minha direção. Seu andar cadenciado ainda era o
mesmo, como seu sorriso, que o tempo também não conseguiu mudar.
-
Oi! Lembra de mim?
-
Jandira! – Respondi, correspondendo ao seu sorriso. Convidei-a a para sentar-se
e chamei o garçom. Eu gosto de minha própria companhia. Sou um egocêntrico
contumaz, mas ter a lembrança dela materializada na minha frente era muito
melhor.
-
Você lembra de mim, que bom! – Disse ela sentando-se. – Não costumo sair
sozinha, mas não aguentava ficar mais um minuto sozinha.
Eu
olhei para ela, sem saber se devia perguntar sobre o que havia acontecido, mas
ela resolveu isso de forma franca e graciosa.
-
Fim de caso. Não tenho nada para lamentar, mas não gosto da solidão.
O
garçom trouxe nossas bebidas e eu propus um brinde ao nosso reencontro.
-
Um brinde especial ao destino, com suas coincidências inacreditáveis. – Eu
disse, querendo ser misterioso.
-
Coincidências inacreditáveis?
-
Sim. Acredite ou não, eu estava pensando em você quando entrou pela porta.
-
Jura? Puxa! Eu também pensava em você, quando entrei.
Aquilo
era demais para o meu coração de menino. Atarantado, olhei para o copo tentando
disfarçar meu embaraço. O líquido âmbar
ainda oscilava quando eu traguei o seu conteúdo todo
de uma só vez. Esse gesto impensado encheu meu estômago de borboletas.
Borboletas, não! Mariposas! E das grandes, segundo eu conseguia sentir no meu
maltratado estômago. Mal tive tempo de pedir licença e correr para o banheiro e
colocar os bofes para fora.
Jandira
apareceu logo depois e se enfiou no banheiro dos homens, sem nenhum constrangimento.
-
Você está bem?
-
Sim. Foi apenas um mal-estar causado por um estômago vazio e uma velha úlcera.
– Respondi, conduzindo-a para fora dali, antes que fôssemos expulsos do bar.
-
Você devia comer alguma coisa.
Seguindo
sua sugestão, encontrei no cardápio do bar algumas opções de sopa que vieram a
calhar. Eu estava envergonhado daquele vexame, mas ela pareceu não se importar.
-
Então, você também estava pensando em mim? – Perguntei.
Ela
sorriu antes de responder.
-
Sim. Não parece incrível? Quanto tempo faz que não nos vemos?
-
Você não gostaria de fazer essa conta, acredite.
Ela
riu de novo. Riu com aquela boca carnuda e cheia de promessas libidinosas que
nunca se cumpriram.
-
Tem razão. O importante que você também estava lembrando de mim.
-
Como poderia esquecer? Você foi responsável por minha primeira dor de cotovelo.
Ela
me olhou com uma expressão de pesar engraçada, mas não muito sincera.
-
Coitadinho. Eu maltratei você?
-
Só meu cotovelo. – Respondi, curioso para saber se ela lembraria.
As
lembranças daquele dia estavam nítidas em minha memória, mas talvez Jandira não
lembrasse de nada. Mas ela lembrou. Não que tenha lembrado de repente.
Acho que isso ocorreu aos poucos, e culminou com uma sonora gargalhada.
-
Menino! Agora lembro. – Disse, e riu de
novo. – Puxa! Eu era muito má, não era?
-
Um pouco, talvez. Mas as lembranças que tenho de você são as melhores que tenho
comigo.
Ela
pegou minha mão e sorriu novamente. Os cantos da boca carnuda tremeram
ligeiramente.
- O
que posso fazer para me redimir?
Foi
impossível disfarçar a expressão que me ocorreu e ela gargalhou com vontade.
Sempre é bom fazer uma mulher rir.
-
Vamos, seu sacana. – Ela disse, antes de levantar-se.
-
Para onde?
-
Meu apartamento. Vamos continuar o que começamos anos atrás, mas desta vez não
vamos maltratar seu cotovelo, não se preocupe.
Eu chamei
o garçom para fechar a conta. Enquanto esperava, senti minha velha lesão no
cotovelo direito dar sinal, mas nada disse. Desta vez o braço esquerdo teria
que fazer sua parte no sacrifício.
Com
isso, encontrei a resposta para a pergunta que fiz no começo desta conversa. O
amor nunca acaba. Apenas muda de um objeto de desejo para outro. O que temos
que fazer é lamber as feridas e esperar. Algo inacreditável pode acontecer.
1 comment:
Muito bom Gilmar. Gostei muitíssimo do conto. Mas a minha parte favorita é aquela em que a mãe da Jandira saí distribuindo vassouradas. Dei imã boa gargalhada ;)
Abraços!
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