A conversa estava se estendendo mais que o habitual. Isso era um indício seguro de que algo incomum estava acontecendo. Sua mulher não costumava demorar-se em conversas telefônicas. Geralmente era lacônica e preferia usar frases curtas e objetivas, um hábito desenvolvido no banco onde trabalhava. Eficiência era uma busca permanente em sua trajetória profissional. Uma obsessão que havia se traduzido em sucessivas promoções na sua carreira, além de um afastamento progressivo entre eles. Ao contrário dela, ele optou por abandonar uma promissora carreira na advocacia, para dedicar-se a um vago projeto literário.A demora naquela conversa telefônica indicava algum elemento fora da zona de previsibilidade em que Luciana costumava gerir sua vida. Situações atípicas a irritavam, a menos que se referissem aos sobressaltos do mercado financeiro. Esse era um jogo que ela adorava.Desta feita, entretanto, o seu tom de voz ligeiramente acima do normal denotava uma irritação controlada. Isso significava problemas. E se Luciana tinha problemas, ele teria mais problemas além do habitual na relação fria que mantinham. Assim apurou os ouvidos e preparou-se para uma possível tempestade.
— Mamãe, eu não tenho condições para
acomodar uma adolescente aqui em casa... Não dá. Ouça mãe! Você não está me
ouvindo, como sempre. Eu...
A conversa estava ficando
interessante. A mãe de Ana era a única pessoa que ele conhecia capaz de
sobrepor-se à prepotência natural de sua mulher. De que adolescente estavam
falando?
— A Tia Clarissa terá que arrumar
outra solução. Eu nem conheço direito a Letícia. Há anos que não a vejo.
Ele se lembrava de Letícia. Era uma
menina magricela e tímida, filha da tia de sua mulher, que morava no interior.
Tinha conhecido a menina por ocasião do seu casamento com Luciana. A cerimônia havia
reunido parentes distantes, que há muito não se viam. Foi uma bela festa, que
prenunciava anos de tranquila felicidade. Não foram tantos anos assim, mas no
começo era bom. Enfim, tudo acaba um dia, costumava pensar desde quando se deu
conta de que algo entre eles havia desandado. Apesar disso, continuaram juntos,.
por algum motivo que ele ainda não havia desvendado.
Letícia tinha cinco ou seis anos na
ocasião. Lembrava do seu olhar meigo e sonhador, e do modo como devorava os
livros que ele lhe presenteava, por ocasião do natal na casa da sogra. No
começo ele lia para ela. Gostava disso e imaginava o momento que pudesse contar
histórias para o próprio filho. Entretanto, Luciana logo se mostrou pouco
inclinada à maternidade. Em consequência, ele logo esqueceu de suas
pretensões paternais. Talvez por isso continuasse a dar atenção à pequena
Letícia. Depois, a menina aprendeu a ler e passou a se trancar no quarto com os
livros que ganhava dele, o que lhe enchia de satisfação ao ver o gosto pela
leitura se desenvolver na mente da garotinha.
Apesar da resistência de Luciana ao pedido de sua mãe,
ficou combinado de que Letícia viria morar com eles por algum tempo, em razão da
necessidade de continuar seus estudos. Assim, alguns dias depois, quando ele já
havia esquecido o assunto daquela conversa, a prima de Luciana chegou no início
da noite.
Ele estava tão absorvido no texto que
escrevia, que não notou a campainha da porta tocando.
— Você poderia pelo menos abrir a
porta. — Disse Luciana atravessando a sala com passos pesados, mal dissimulando
a irritação.
O ruído da chave girando na fechadura
pôs fim à sua concentração. Resignado, ele ergueu os olhos para a sala através
da porta entreaberta. Havia lembrado que eles estavam esperando a chegada de
Letícia. Estava curioso para saber em que a presença dela iria alterar a rotina
da Casa.
— Você chegou, finalmente. — Ouviu
Luciana dizer, saudando a recém-chegada.
Seu tom de voz era frio, mas isso não
pareceu afetar a garota. Ela sorriu e entrou com a desenvoltura insolente de
uma adolescente atrevida.
— Como vai, Luciana?
Sua voz era suave e sem afetação. Ele
gostou daquela primeira impressão auditiva. A garota seria um páreo duro para
sua mulher. Isso lhe prenunciava dias muito interessantes por vir, além de
tirar de cima de si o peso de aguentar sozinho o mau humor habitual da mulher.
— Eu estou bem. E você? Espero que
tenha feito uma boa viagem.
— A viagem foi chata e cansativa, mas
tudo bem.
— Ótimo. Infelizmente não tenho tempo
para conversar com você agora. Já estava de saída para um compromisso, mas o
Miguel está em casa e lhe fará companhia até eu voltar. Você se lembra do meu
marido, não lembra?
— O “tio” Miguel? Claro! Ainda tenho
os livros que ele me deu.
Ao ouvir seu nome ele se levantou e
saiu relutante do seu pequeno escritório. Não queria interromper seu trabalho,
mas aquela era uma ocasião especial.
— Oi Letícia. Estávamos esperando
você. — Disse ele amistoso, procurando
disfarçar a surpresa ao ver a linda garota que ela havia se tornado.
— “Tio” Miguel! Que bom ver você,
finalmente.
Ela largou a bolsa de viagem e o
abraçou de um modo tão carinhoso e desprendido, que o deixou embaraçado. Ele
não era seu tio de verdade, mas ela se acostumara a tratá-lo assim, quando
criança. Desde então, muitos anos haviam se passado e a garota que estava ali,
em nada lembrava a menina magricela e desajeitada que conhecera. De minissaia
jeans e camiseta regata que mal continham os seios exuberantes, ela parecia ter
saltado direto das páginas de Nabokov, para invadir sua enfadonha existência.
“Uau!” Exclamou o diabinho escondido em sua mente suja.
— Bem, vejo que vocês ainda se lembram
um do outro. — Observou Luciana, com uma ponta de ironia. — Então essa é a
minha deixa. Mais tarde conversamos, está bem? Agora tenho que correr.
— Claro. Tá tudo bem. — Respondeu
Letícia.
— Até mais tarde. — Disse Luciana,
fechando a porta atrás de si.
— Ela parece estressada, ou é minha
impressão?
— Hoje ela está num bom dia. — Ele
respondeu, enquanto pegava sua bagagem. — Venha, vou lhe mostrar o seu quarto.
— Não queria incomodar.
— Não é incômodo nenhum, Além do mais,
vai ser bom ter... Outra pessoa aqui. — Ele falou, quase engasgando no fim da
frase. “Diabos!”
— Que bom! Estou muito feliz por estar
aqui.
Seu entusiasmo juvenil o encantava,
mas preferiu não demonstrar isso abertamente. Instintivamente sentiu que lidar
com Letícia sob o mesmo teto seria como caminhar em terreno desconhecido. O
diabinho dava cambalhotas lá no fundo de sua mente.
— Bem, este é o seu quarto. — Disse
ele, abrindo uma porta.
Ela entrou e sentou-se na cama.
— Gostou?
— É lindo. — Respondeu, balançando-se
sobre o colchão. O movimento fez-lhe os seios oscilarem levemente.
“Ai, ai”. Gemeu Miguel, desviando o olhar.
— Não é uma suíte, mas o banheiro fica
ao lado.
— Ah! Que bom. Estou louca para tomar
um banho.
“Imagine ela só de meia
soquete”. Disse-lhe o
diabinho, em sua mente.
— Fique à vontade. Depois que você
tiver tomado banho e arrumado suas coisas eu farei algo para comermos. Está com
fome?
— Estou faminta.
A resposta dela parecia carregada de
volúpia. Essa percepção o fez achar que sua imaginação estava começando a
exagerar. Precisava conter o seu diabinho, antes que acabasse por ceder à tentação que já se imiscuía em sua mente.
Uma hora depois, ela entrou em seu
escritório. Desta feita a camiseta regata foi substituída por outra alguns
números acima. No lugar da minissaia, ela usava uma bermuda comprida. A roupa
escondia sua silhueta e ele pensou, tristonho, que era melhor assim. Todavia, no
fundo de sua mente, o diabinho lamentava ter sido privado daquela doce tentação
anterior.
— Você trabalha em casa? — Ela
perguntou olhando a confusão de livros e anotações por sobre a mesa.
— Sim. — Ele respondeu lacônico. A
pergunta dela o fez pensar que sua mulher dificilmente classificaria aquilo
como trabalho. Ele mesmo tinha dificuldade em considerar-se um escritor. Quando
muito, costumava declarar-se como redator freelancer.
— O que você está fazendo? — Perguntou
ela novamente, ignorando a relutância dele em falar sobre seu trabalho.
— No momento estou pesquisando
informações para um livro. — Ele respondeu, enquanto ajustava o volume do blues
que tocava em seu computador.
Ela arregalou os olhos ao lembrar-se.
— É mesmo! Um dia mamãe me disse que
você era escritor. Você tem algum livro publicado? — Ela perguntou olhando ao
redor.
— Só um — Respondeu ele pegando um
livro da pequena estante que mantinha no escritório. — Este aqui.
Ela pegou o livro e olhou a capa.
— Poemas e Blues. Do que se trata?
— É um romance. Fala do relacionamento
entre um homem adulto e uma adolescente. Não é uma leitura muito adequada para
você.
Ela não fez caso de sua observação e
folheou o livro.
— Como em Lolita?
A menção ao livro de Nabokov o
surpreendeu. Achava que só adultos consumiam aquele tipo de literatura.
— Mais ou menos. Não é tão trágico e
melancólico. O que escrevo está longe de ser uma obra prima, mas acho que é uma
leitura divertida.
Ela arregalou os olhos numa expressão
cômica e maliciosa.
— Hum... Tem sacanagem?
— Acho que sim.
— Vou ler. — Disse Letícia, sem pedir
sua permissão.
Ele deu de ombros. Já havia advertido
sobre o conteúdo do livro, mas não pretendia se tornar um chato para ela.
— Está bem, mas não conte nada à
Luciana. Eu ficaria em apuros se ela descobrisse.
Letícia riu. Estava agradecida por ele
não tentar tratá-la como criança.
— Bom... Agora que já exercitei meu
lado corruptor de menores, vou alimentá-la. Vamos para a cozinha.
Meia hora depois ele se surpreendia ao
vê-la atacar uma pizza enorme com grande desenvoltura.
— O que você quer beber? — Perguntou
abrindo a geladeira. – Tem suco de laranja e Coca.
— Não tem vinho?
— Tem meia garrafa de Cabernet. —
Respondeu Miguel, achando que ela recusaria. Vinho seco não era o preferido de
Luciana e ele costumava beber sozinho. Também não deveria agradar ao paladar de
uma adolescente.
— Ótimo! É o meu preferido.
Aquela garota não cansava de lhe
surpreender. Pegou duas taças e estendeu uma para ela. Letícia levantou a sua e
propôs um brinde.
- À que vamos brindar? Ele perguntou.
- A nós. Que essa noite sempre se
repita. – Disse ela erguendo sua taça. Tinha uma voz aveludada e um olhar cheio
de promessas.
Estaria ele imaginando coisas? “Vai fundo pamonha” Disse-lhe o diabinho.
— A nós.
Ela esvaziou a taça de uma vez. Uma
gota de vinho deslizou pelos lábios carnudos e uma língua rosada a recolheu
antes que caísse.
— Tem mais?
Ele lhe serviu outra taça, enquanto
ela dava cabo da pizza em seu prato.
— Você estava mesmo com fome. — Disse
Miguel, ainda tentando refazer-se da perturbação que sentia.
— Você é que quase não comeu.
— Tenho que me cuidar. Na minha idade,
a gente só cresce para os lados.
— Que nada. Você ainda é um gatão, do
jeito que eu lembrava.
Ele riu surpreendido com aquela
revelação.
— Você pensava em mim?
— Muitas vezes. Você era o meu príncipe
encantado, sabia? Depois não apareceu mais e partiu meu coração.
— Desculpe. — Respondeu Miguel
constrangido.
Ela riu. Ergueu os braços num longo
bocejo, como uma gata feliz. Os seios se ergueram com o movimento e marcaram
sua silhueta. Aflito, Miguel sentiu que Letícia percebeu seu olhar, mas isso
não pareceu incomodá-la. Ela baixou os braços lentamente, deixando evidentes os
mamilos intumescidos sob a malha da camiseta. “Que delícia! Você não vai fazer nada, seu bundão?” Provocou o
diabinho.
— Acho que você está com sono. — Ele
conseguiu dizer.
— Foi um dia duro. Doze horas
sacolejando naquele ônibus. Ela respondeu, contendo outro bocejo com a mão.
Ele recusou a ajuda dela para arrumar
a cozinha. Letícia agradeceu a gentileza e levantou-se depois de outro bocejo.
— Nossa, acho que estou mesmo cansada.
— Vá dormir. Você se sentirá outra
amanhã.
— Vou sim. Boa noite.
Ela saiu da cozinha, enquanto ele lutava com o
diabinho que queria fixar os olhos no belo traseiro dela. Era inútil resistir,
Letícia tinha um andar felino e transparecia sensualidade em cada movimento que
fazia. Ele suspirou, mas conseguiu desviar o olhar. Não era bom, já na sua
idade, ficar imaginando sacanagens com uma garota que era pouco mais que uma
menina. O problema era aquele diabinho insistente
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