Friday, November 12, 2010

Abdução em Floripa

Nos redutos mais tradicionais de Florianópolis, costuma-se dizer que o maior sonho do manezinho é um dia ver a ilha romper sua ligação com o continente e sair mar adentro, deixando para trás o restante do Brasil com todas as suas contradições.
E de tanto sonhar com isso, o manezinho acabou chamando a atenção dos deuses. E não sei se por generosidade ou ironia, ou ainda por um imenso tédio celestial, seu desejo um dia foi atendido. E como era vontade dos deuses, a ilha não apenas se desgarrou do continente, como também de todo o planeta.
Foi num dia quente do mês de março – Um sábado, para ser mais exato – logo depois de mais uma caótica temporada turística, que o céu da ilha escureceu. Em pleno meio-dia, o sol havia desaparecido por trás de um imenso objeto, que flutuava sereno sobre a cabeça dos atônitos ilhéus.

  É o final dos tempos. Bradou um pregador, de Bíblia em punho, já rouco de tanto pregar em vão, aos frequentadores dos bares do mercado público. Arrependei-vos, patifes!
Tásh tolo? Isso é outro apagão. Acho que a prefeitura não pagou a conta da Lush. Retrucou um bêbado, já com o olhar mortiço pelos eflúvios etílicos.
Lush? Mas "t’amos" no meio do dia. Observou o engraxate, com a esperteza nata do ilhéu. Tem uma coisa no céu.
Mas que droga! O meu celular parou de funcionar. Reclamou a lourinha adolescente, coçando o piercing do umbigo sem perceber o que estava acontecendo.
Mais adiante, o mesmo constatou a mulata sestrosa. Desistindo de falar com o namorado, ela maldisse e companhia telefônica e voltou para o pagode, que já rolava bastante animado no vão do mercado. Na Avenida Paulo Fontes, um grupo de curiosos olhava para o céu. Alguns transeuntes se esforçavam por ignorar os olhares erguidos, pensando que fosse alguma pegadinha. Todavia, não tardou para que percebessem o inusitado acontecimento e, atônitos, também olharam para cima. E por ser um sábado, a maior parte dessa multidão era de frequentadores dos bares do mercado, seguidos dos garçons brandindo as contas, convenientemente esquecidas na confusão que se formou.
Por certo, toda a ilha estava em polvorosa, mas para não corrermos o risco de nos dispersar, vamo-nos ater ao que aconteceu nas imediações do Mercado Público.
Gradativamente, uma suave luz esverdeada, projetada pelo estranho objeto, substituiu a penumbra. A claridade permitiu que a multidão pudesse enxergar mais adiante de seus narizes, e alguns se regozijaram com o que viram.
Olha lá! As pontes sumiram. Constatou um aposentado, que momento antes estava discutindo política no Box 32 com um destacado membro da esquerda festiva da ilha.
Fora da ilha está escuro como breu. Constatou Musguito, simpatizante do partidão e seu habitual parceiro de copo nessas discussões.
De repente, um facho de luz azul projetou-se do objeto e aproximou-se deles. Da luz intensa formou-se uma imagem tremulante. A imagem se firmou e, aos poucos, tornou-se uma figura sólida, de aspecto humanoide. Sua forma se assemelhava aos alienígenas descritos nos relatos dos ufólogos de plantão. De estatura mediana para os padrões humanos, ele tinha a cabeça grande e lisa. Era totalmente careca. Seus olhos negros também eram desproporcionais, desprovidos de pupilas e sobrancelhas. A boca era pequena, quase inexistente. O nariz, levemente adunco, lembraria traços semitas, se fosse possível compará-lo a um ser humano. Além do traje que envolvia todo o seu corpo, ele não usava qualquer outro tipo de proteção, demonstrando que respirava oxigênio, ou o gás carbônico que emanava da multidão embasbacada.
Saudações, terráqueos. Disse o extraterrestre, numa voz fina e metálica. Minha missão é comunicar-lhes que esta ilha com todos os seus habitantes está sendo transportada para o zoológico espacial do planeta Seilah, onde ficará exposta à visitação de turistas de todos os quadrantes da Galáxia de Andrômeda.
O silêncio foi rompido e um murmúrio percorreu a multidão. Alguns, indignados, ensaiavam discurso de protesto contra aquele absurdo que feria a dignidade humana. Outros se preocupavam com o que havia ficado para trás.
E agora? Como vou acompanhar o Big-Brother?
Tinha também aqueles vislumbravam tirar alguma vantagem, com as possibilidades que adviriam daquela situação.
Não vou mais pagar aluguel. Disse um, que morava na ilha e o seu senhorio no continente.
Não vou ver mais a cara da minha sogra. Disse outro.
Pelo menos não vai ter mais gaúchos e argentinos vindo para cá.
Eu sou gaúcho! Disse um sujeito, atrás do gaiato. Alguma coisa contra, tchê?
Si! Que tienes contra nosostros? Falou um indignado Hermano, que estava ao seu lado.
Ih! Foi mal. Disse o ilhéu, recuando.
O extraterrestre levantou novamente o braço e pediu silêncio. Ia falar novamente.
Apesar desse incômodo, asseguro-lhes que todos serão muito bem tratados. Além disso não precisarão mais trabalhar, pois todas as suas necessidades serão supridas.
Isso não parece de todo mal. Sussurrou Musguito, um ocioso em tempo integral.
E para provar que nossas intenções são pacíficas Continuou o ET. Vamos libertar agora aqueles que abduzimos no passado.
Novamente o facho de luz azul surgiu. Diante da multidão incrédula, figuras conhecidas, e há muito tempo, desaparecidas, começaram a surgir.
Olha lá! Não é o Franklin Cascaes? Perguntou o aposentado.
Ué! Ele não tinha morrido?
Morreu. Eu fui ao velório dele. Tava mortinho da silva. Ih! O Hassis também veio. Olha lá o Luiz Henrique e o Beto Stodieck. Que loucura!
Aquele eu conheço. É o Seixa Neto. E o de trás é o Celso Pamplona, não acredito! Até o Rômulo Coutinho de Azevedo. Esse é médico. Eu fiz acupuntura com ele.
E assim, manezinhos ilustres, que viveram em diferentes épocas, foram aparecendo. Os últimos a surgirem foram Cruz e Souza e Victor Meireles, mas esses, ninguém reconheceu.
Não tô entendendo. Todo esse pessoal morreu faz tempo. Disse o aposentado.
Não. Respondeu uma voz fina e metálica. Sem que ele percebesse, o extraterrestre estava diante de si e parecia ter ouvido o que ele havia falado.
Apenas foram convidados a conhecer as estrelas.
Magnífico! Exclamou Musguito, já se vendo em algum lugar, onde nenhum homem jamais esteve.
O extraterrestre o olhou como se o notasse pela primeira vez.
O que significa isso tudo? Perguntou o aposentado, refazendo-se do susto.
- Após convivermos com esses seres notáveis, decidimos levar a ilha e todos os seus habitantes para o nosso planeta. Em nenhum outro lugar do universo existem criaturas tão peculiares e interessantes.
Todos os habitantes? Perguntou Musguito, com uma ideia a lhe ecoar na cabeça.
Todos os que estivessem aqui no momento da partida.
Isso quer dizer que muitos habitantes podem ter ficado de fora. Constatou o aposentado, sem entender onde ele queria chegar.
O ET apenas observava curioso.
Isso quer dizer que o Bornhausen deve ter ficado de fora. Concluiu Musguito, feliz com a ideia.
Não ficou não. Respondeu o aposentado. Ele tá lá na Praia Brava, aproveitando o recesso do Congresso Nacional. Quem ficou de fora foi o Guga. Ele tá nos EUA fazendo tratamento médico.
Perdemos o Guga e ficamos com o Bornhausen. Era bom demais pra ser verdade. Lamentou-se o coração esquerdista de Musguito.
Mas o Amim ficou de fora, não ficou? Perguntou o aposentado, que nutria certa antipatia pelo ex-governador, por motivos que agora não veem ao caso.
Bem... Começou a responder o ET, parecendo um tanto constrangido. 
Ficou? Reforçou Musguito, ansioso.
Bom... Pra falar a verdade... O Amim é um dos nossos. Pronto, falei!
Musguito e o aposentado iam fazer mais perguntas, mas desistiram.
Faz sentido. Disse o aposentado, após um momento de silêncio.
É... Pode ser. Concordou Musguito, relutante. Concordar com alguma coisa não fazia parte de sua atitude habitual. “Vamu” tomar uma?
Acho melhor. Concordou, o aposentado, mais que depressa. Sua expressão, no entanto, indicava que alguma coisa ainda o incomodava.
O que foi? Perguntou Musguito, que conhecia bem as expressões do velho.
Acabei de lembrar que tá acontecendo um congresso do partido do Amim, aqui na cidade. A cúpula do Partido tá todinha lá no Costão do Santinho.
E daí? – Perguntou Musguito já impaciente, sob o olhar curioso do extraterrestre, que acompanhava a conversa. Atento, ele até já esquecido de suas funções protocolares.
Daí que o Maluf deve ter vindo também.
Xi! Acho que logo vamos estar de volta. Retrucou Musguito, dando de ombros.
Sim. Concordou o aposentado. Aquela raposa felpuda logo vai dar um jeito de superfaturar a Via Láctea.
Melhor voltar para o bar.
Então, eles pediram licença ao extraterrestre e viraram-lhe as costas. Foram para o bar do Goiano, deixando-o a imaginar o que seria superfaturar a Via Láctea.

1 comment:

Anonymous said...

Bem criativo, já pensou ter esse contato tão em primeiro grau com um et?

Aceita parcerias?