Este roteiro foi concebido no formato do extinto programa "Você decide", da TV Globo. Eu o encaminhei na época à produção do programa, mas não obtive resposta, como acontece na maioria dessas tentativas. Apesar disso, fiquei satisfeito com o resultado e o guardei. Talvez o tranforme um dia num num roteiro para filme, ou um romance, quem sabe. Por enquanto fica aqui, à espera de um leitor interessado em roteiros.
Sob o Olhar das Estrelas
CENA 01
Plano médio
PRAIA DESERTA, Á NOITE. UM CASAL OBSERVA AS ESTRELAS, ATRAVÈS DE UMA LUNETA. A MULHER ESTÀ ABORRECIDA E QUER IR EMBORA.
Letícia -Pô, Daniel! Até quando você vai querer ficar aqui, olhando pra cima?
Daniel -Só mais um pouco, tá?
Letícia -Nós já estamos aqui há três horas. Você não cansa disso?
Daniel -Eu pensei que estivesse gostando.
Letícia -Uma vez ou outra até que é divertido. Mas você só pensa nisso. Afinal de contas, por que você tem tanto interesse em disco-voador?
Daniel -Porque uma coisa muito estranha aconteceu comigo, anos atrás.
Letícia -Que coisa?
Daniel -Quando eu era criança – tinha uns quatro ou cinco anos – fiquei perdido no mato que existia atrás do orfanato onde eu morava. Era final de tarde, e eu não conseguia achar a trilha que me levaria de volta. Quando a noite chegou, eu fiquei apavorado e comecei a chorar. Então surgiram algumas bolas de luzes, não sei de onde. Eram coloridas e pulsavam suavemente, como se quisesse me acalmar. Aí, surgiram vozes em minha cabeça. Elas falavam que me levariam para casa. As vozes foram conversando comigo o tempo todo. Diziam que eram visitantes de outro mundo, e um dia voltariam para levar-me para um passeio pelas estrelas. Eu nunca esqueci disso, mas às vezes acho que foi tudo um sonho.
Letícia -deve ter sido. Que coisa mais arrepiante! Agora, podemos ir embora?
Daniel -Só mais pouquinho.
Letícia -E eu pesando que a gente ia namorar...
Daniel -Mas a gente tá namorando, não tá?
Letícia -De que jeito? Com você grudado nessa coisa, olhando pro céu?
Daniel -Espere um pouco. Nós já vamos.
Letícia -De jeito nenhum! Se você não quer ir embora, eu vou sozinha. Cansei desta besteira!
CORTE. PLANO ABERTO. LETÍCIA VOLTA PARA O CARRO, FURIOSA. CORTE.
PLANO MÉDIO. DANIEL FECHA O TRIPÉ DA LUNETA E SAI CORRENDO ATRÁS DELA.
Daniel -Ei! Espere aí! Pô, que saco!
Letícia -Vá pro diabo!
Daniel -Tá bom, Tá bom! Desculpe, vai.
Letícia -Só depois que você guardar essa porcaria.
Daniel -Tá certo!...Pronto! Não vamos mais brigar, tá bem?
Letícia -Tá.
Daniel -Então, entra no carro.
CORTE
CENA 02
PLANO FECHADO. LETÍCIA JÁ DENTRO DO CARRO
Letícia -Vamos embora?
Daniel -Ainda... Não!
Letícia -Hum! Pra que essa boca tão grande, seu lobo?
Daniel -Adivinha, Chapeuzinho.
Letícia -Uau!
DANIEL E LETÍCIA SE BEIJAM. FADE OUT.
CENA 03
EXTERIOR DO CARRO. PLANO ABERTO NO CÉU ESTRELADO. UM RISCO LUMINOSO CORTA O CÉU.
CENA 04
PLANO ABERTO
RUA DE UM BAIRRO RESIDENCIAL, PELA MANHÃ. CORTE.
CENA 05
PLANO MÉDIO.
INTERIOR DE UMA RESIDÊNCIA. LETÍCIA TOMA CAFÉ COM A MÃE, QUE A INTERPELA SOBRE O SEU CASAMENTO.
Dona Aurora -Então... Já marcaram a data?
Letícia -que data, mãe?
Dona Aurora -Como que data? A do seu casamento é claro.
Letícia -Não deu tempo.
Dona Aurora -Não deu tempo? O que vocês estavam fazendo?
Letícia (Suspirando) -Vendo estrelas, literalmente.
Dona Aurora -Daniel continua com aquela mania de caçar disco-voador?
Letícia -Infelizmente!
Dona Aurora -Ô, minha filha. Você não poderia ter se apaixonado por um homem normal? Tinha que ser aquele lunático?
Letícia -mamãe!
Dona Aurora -Tô falando alguma mentira? Você vive correndo atrás de Daniel o tempo todo. E o que ele faz? Sai por aí, procurando disco-voador. Tenha a santa paciência!
Letícia -Chega, mamãe!É melhor eu ir trabalhar.
Dona Aurora -Tá certo. Eu não falo mais nada. Você nunca me ouve, mesmo.
Letícia -Tchau.
CORTE. PLANO FECHADO EM DONA AURORA
Dona Aurora -Vai com Deus.
CORTE
CENA 06
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DE UMA REPARTIÇÃO, NA HORA DO CAFEZINHO. ALGUMAS PESSOAS CONVERSAM EM UM PEQUENO GRUPO. DANIEL ENTRA NA SALA.
Fábio -Chegou o caçador de ET.
Andrade -Como é que é Daniel? Já conseguiu um contato de 3o grau com algum “drag-queen” marciana?
Daniel -Para isso, eu não preciso sair desse escritório.
Prudêncio -Calma, Daniel. Foi apenas uma brincadeira.
Daniel -Eles que cuidem de suas vidinhas medíocres e me deixem em paz.
Fabio -Otário!
Prudêncio -Venha Daniel.
PRUDÊNCIO LEVA DANIEL PARA SUA SALA. CORTE
CENA 07
PLANO MÉDIO. SALA DE PRUDÊNCIO
Daniel -Por que esses imbecis insistem em fazer de mim o alvo de suas piadinhas idiotas?
Prudêncio -Ah! Não leve isso a sério. Foi apenas uma brincadeira.
Daniel -Brincadeiras freqüentes que me agridem.
Prudêncio -Desculpe lhe falar assim, Daniel. Mas, infelizmente, você mesmo tem procurado essa situação, com essa obsessão por discos-voadores. Prá não falar de outras manias estranhas.
Daniel -Minhas manias não prejudicam ninguém. Por que não me deixam em paz?
Prudêncio -Porque você é diferente, talvez. As pessoas têm dificuldade de aceitar qualquer comportamento que não lhes pareça “normal”.
Daniel -Que absurdo!
Prudêncio -Talvez, mas você pode evitar esses aborrecimentos deixando de se expor abertamente. Evite atitudes que possam parecer estranhas. Afinal, ninguém precisa saber o que você faz nos momentos de folgas.
Daniel -Tá certo. Bom... Até mais tarde.
Prudêncio -Até.
CENA 08
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DE TRABALHO DE LETÍCIA. ELA TENTA SE CONCENTRAR NO SERVIÇO, MAS NÃO CONSEGUE. ESTÁ PREOCUPADA COM A SITUAÇÃO INDEFINIDA DO SEU CASAMENTO. O TELEFONE TOCA.
Letícia -Alô?
Daniel -Oi, querida.
Letícia -Oi... O que você quer?
Daniel -Puxa! Cheguei a ficar com a orelha gelada. Você está bem?
Letícia -Desculpe. Estou um pouco aborrecida, hoje.
Daniel -Que tal nós almoçarmos juntos?
Letícia -Olha Daniel... Acho que nós precisamos conversar, mas esse convite não chegou numa boa hora.
Daniel -Meu dia também não está sendo fácil. Eu gostaria de ver você.
Letícia -Está bem. No mesmo lugar?
Daniel -Sim. Ás 12h30min, está bem?
Letícia -Tá.
Daniel -Um beijo.
Letícia -Outro.
CENA 09
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DA REPARTIÇÃO ONDE DANIEL TRABALHA. OS COLEGAS, COM OS QUAIS ELE DISCUTIU, VOLTAM A TECER COMENTÁRIOS JOCOSOS A SEU RESPEITO.
Prudêncio -Alguém viu o Daniel?
Fábio -Deve estar longe... Talvez no mundo da lua.
Andrade -Ou em algum lugar, onde o homem jamais esteve.
Prudêncio -É melhor pararem com isso, antes que a coisa engrosse.
Fábio -Ora, o que você quer? O sujeito é todo esquisito, não se mistura com ninguém...
Andrade -Ainda por cima quer dar uma de gostoso!
Prudêncio -Deixem-no em paz. Ele pode ser estranho, mas não faz mal a ninguém.
Fábio -Lembram daquela vez em que foi apresentada a planta do novo prédio? Ele corrigiu um erro do engenheiro na frente de todo mundo.
Andrade -Como é que um sujeito, que tem apenas o segundo-grau, pode entender de cálculo estrutural?
Fábio -Muito estranho...
Andrade -Outro dia, ele estava lendo um livro. Eu fique curioso e perguntei qual era o titulo.
Prudêncio -E daí? Muita gente gosta de ler.
Andrade -Só que era um tratado de física quântica.
Prudêncio -Isso não tem nada demais. Muita gente aprende matemática apenas porque possui uma aptidão natural para isso. Por que não física?
Andrade -Talvez você não veja nada de estranho nisso, mas o livro era em alemão.
Fábio -Muito estranho... Agora eu lembro que, outro dia, ele me deu uma caneta quando eu estava no telefone e precisei fazer uma anotação.
Prudêncio -E o que tem isso?
Fábio -Eu não pedi a caneta apenas pensei nela.
Prudêncio -Vocês estão com a imaginação muito fértil. Daqui a pouco vão começar a dizer que o coitado tem orelhas pontudas.
Andrade -Não vai demorar muito para a Enterprise vir buscar o sujeito.
Fábio -Isso é absolutamente ilógico.
Prudêncio -Chega de conversa mole! Vão trabalhar, ou desintegro vocês.
FÁBIO E ANDRADE VÃO PARA SUAS MESAS. A CENA FINALIZA COM A EXPRESSÃO PENSATIVA DE PRUDÊNCIO EM CLOSE.
CENA 10
PLANO MÉDIO. FACHADA DE UM RESTAURANTE
CENA 11
PLANO MÉDIO. INTERIOR DO RESTAURANTE. DANIEL E LETÍCIA CONVERSAM, DURANTE O ALMOÇO.
Letícia -Você parecia um pouco ansioso, no telefone. Aconteceu uma coisa?
Daniel -Tive um aborrecimento no escritório. Esqueça... Não foi nada.
Letícia -O que aconteceu?
Daniel -Nada. Alguns colegas se achavam no direito de fazer piadas a meu respeito e eu cometi o erro de ficar irritado. Só isso.
Letícia -Está tudo bem, mesmo?
Daniel -Sim. Vamos esquecer o assunto. O tempo é curto e eu quero aproveitá-lo com você.
Letícia -Pelo menos isso.
Daniel -Agora é você que parece aborrecida.
FADE OUT
CENA 12
PLANO ABERTO. NOITE DE CÉU ESTRELADO. UMA ESTRELA CADENTE DEIXA UM EFÊMERO RASTRO LUMINOSO.
CENA 13
PLANO MÉDIO. INTERIOR DE UM BAR DE SINUCA. UM GARÇOM PASSA COM UMA BANDEJA ENTRE OS FREQUENTADORES. CLOSE EM UMA MESA DE SINUCA DURANTE UMA TACADA. DANIEL E PRUDÊNCIO CONVERSAM, ENQUANTO JOGAM.
Prudêncio -E então... Você já pensou a respeito do que eu lhe falei?
Daniel -Sim... Acho que você tem razão. As pessoas têm uma tendência rejeitar qualquer atitude que não corresponda ao padrão de comportamento considerado normal.
Prudêncio -E o que pretende fazer a respeito?
Daniel -Eu nunca tive a intenção de provocar polêmicas, ou incomodar as pessoas com o meu modo de ser. Jamais pensei que estivesse agredindo os outros por ser um...
Prudêncio -Excêntrico!
Daniel -(...) Um pouco diferente. Vou procurar conter algumas atitudes, principalmente em público. Em outras palavras... Vou esforçar-me para, pelo menos, parecer um sujeito “normal”.
Prudêncio -Sem dúvida, é uma atitude prudente. Ela vai lhe evitar aborrecimentos desnecessários. Agora... Quero ver você sair dessa.
PRUDÊNCIO DÄ UMA SINUCA EM DANIEL. ELE OBSERVA POR UM MOMENTO, DEPOIS DÁ UMA TACADA PERFEITA, TABELANDO NOS CANTOS DA MESA.
Prudêncio -Como fez isso?
Daniel -Raciocínio espacial.
Prudêncio -Acho que você precisa compreender melhor o que significa “normal”.
Daniel -Qualquer um pode fazer isso... Eu acho.
Prudêncio -É... Qualquer um, que seja o Rui Chapéu, ou um maluco como você. Não acredito, perdi de novo!
Daniel -Acontece. Vamos tomar uma cerveja prá esquecer a mágoa.
Prudêncio -É melhor mesmo. Garçom!
O GARÇOM TRAZ A CERVEJA E ELES BRINDAM.
Prudêncio -Sabe de uma coisa? Até que, para um lunático, você é um cara legal.
Daniel -Será que isso foi um elogio?
Prudêncio -Sim, mas não vai ficar mal acostumado. Agora me diz como é que um sujeito com tanto potencial, se limita a ser um funcionário público medíocre e se envolve numa atividade maluca de caçar OVNIS nas horas vagas?
Daniel -É uma longa história.
Prudêncio -Temos a noite toda.
Daniel -Outro dia. Hoje eu estou treinando para ser um cara normal, esqueceu?
Prudêncio -Está bem. Mas você fica me devendo, OK?
ANTES QUE DANIEL RESPONDA, SUA ATENÇÀO É DESVIADA PARA O NOTICIÁRIO DA TELEVISÃO, SUSPENSA NA PAREDE ATRÁS DO BALCÃO.
Locutor TV -Um disco-voador apareceu ontem em uma praia de Florianópolis. As imagens que estamos mostrando foram feitas por um turista que estava hospedado no hotel que fica próximo ao local onde o OVNI foi visto. Várias pessoas testemunharam o acontecimento.
Testemunha (inserida no noticiário): Eu vi quando ele apareceu de repente em cima do morro, passou por cima do hotel e sumiu atrás das dunas.
Daniel -Acho que vou conhecer Florianópolis.
Prudêncio -Você vai atrás dessa história maluca?
Daniel -Preciso tirar isso a limpo.
Prudêncio -Quando você vai?
Daniel -Agora. Se dirigir a noite inteira e dormir pela manhã, estarei lá à noite.
Prudêncio -Mas... E o seu trabalho?
Daniel -Eu vou faltar amanhã. Não tem outro jeito. Agora preciso ir. Garçom?
Prudêncio -Deixe isso comigo. Eu acho uma loucura, mas se tem que ir...
Daniel -Obrigado.
DANIEL SAI APRESSADO. PLANO FECHADO EM PRUDÊNCIO.
Prudêncio -Que loucura!
CORTE
CENA 14
PLANO MÉDIO. INTERIOR DA CASA DE LETÍCIA. ELA CONVERSA COM MÃE NA SALA SOBRE A DISPOSIÇÃO DE DANIEL EM, FINALMENTE, ASSUMIR O COMPROMISSO DE CASAMENTO.
Dona Aurora -Ah! Minha filha. Eu só acredito vendo!
Letícia -Bem... Daqui as duas semanas nós vamos ver se ele estava falando sério.
Dona Aurora -Pois sim! Quando chegar o dia, ele vai atrás de um disco-voador e você fica aí, a ver navios.
Letícia -Não é tão ruim assim.
Dona Aurora -Claro que não...!Vocês, jovens, não têm nenhuma preocupação em fazer as coisas direito. No meu tempo, não tinha essa história de amizade colorida. Tinha que casar direitinho. No padre e no papel.
Letícia -Tá bom, mamãe.
A CENA FINALIZA COM CLOSE NO ROSTO DE LETICIA.
CENA 15
PLANO MÉDIO. TARDE DA NOITE. DANIEL CHEGA AO HOTEL MENCIONADO NA REPORTAGEM SOBRE O APARECIMENTO DO DISCO-VOADOR. AO REGISTRAR-SE ENCONTRA PAULO BOTELHO, UM COMPANHEIRO EVENTUAL EM SUAS AVENTURAS COMO CAÇADOR DE OVNIS.
Paulo -Eu sabia que ia encontrar você aqui!
Daniel -Paulo! Como vai você?
Paulo -Vou bem, mas espero ficar melhor, se o ETs resolverem aparecer de novo.
Daniel -Você já está aqui há muito tempo?
Paulo -Cheguei há algumas horas atrás. Rapaz!Você teve muita sorte em conseguir um apartamento vago. O hotel está lotado.
Daniel -Parece que muita gente acabou tendo a mesma idéia.
Paulo -Sim, esse tipo de coisa sempre desperta certo fascínio nas pessoas. Menos para você, não é?
Daniel -Como assim?
Paulo -Você é diferente. As pessoas que estão aqui são do mesmo tipo das que sempre encontramos nessas ocasiões: histéricos, curiosos, alguns pesquisadores sérios, um punhado de malucos e, outros que precisam de um pretexto para fugir de suas vidinhas enfadonhas. Você não se enquadra em nenhuma dessas categorias.
Daniel -Ora! Eu sou um pesquisador, como você.
Paulo -Não, você é mais do que isso.
Daniel -O que você quer dizer?
Paulo -Para você, o assunto é vital. Há algo de estranho em você.
Daniel -Não compreendo.
Paulo -Eu também não. Por favor, não se aborreça. O que percebo é algo intuitivo e não consigo descrever com palavras. Agora chega de conversa mole! Vou deixá-lo instalar-se e, depois, vamos até o ponto de observação que escolhi.
Daniel -Está bem.
Paulo -Perfeito! Encontramo-nos aqui em uma hora.
CENA 16
PLANO MÉDIO. CINCO HORAS DA MANHÃ. DANIEL E PAULO ESTÃO NO ALTO DE UMA DUNA, NA PRAIA DA JOAQUINA.
Daniel -O dia já está clareando.
Paulo -Ë... Parece que passamos a noite acordados de graça.
Daniel -Não é a primeira vez. Já somos calejados demais para ficarmos decepcionados.
Paulo -Ë verdade. Mais desta vez, eu tenho a impressão que fizemos papel de otários.
Daniel -Do que você está falando?
Paulo -De algo que me ocorreu já no início da noite. Não falei nada a você porque não tinha certeza.
Daniel -Desembucha de uma vez.
Paulo -Logo depois que eu cheguei ao hotel tentei encontrar algumas das pessoas que haviam presenciado a aparição do disco-voador.
Daniel -E daí?
Paulo -Daí que não encontrei ninguém. Nem mesmo entre os funcionários do hotel. Ninguém sabia de nada. Não é estranho?
Daniel -Você acha que foi tudo uma armação?
Paulo -É possível. A imagem na televisão estava tremida e desfocada.
Daniel -É verdade. Além disso, não havia nenhum ponto de referência que permitisse ter uma noção das dimensões do disco. Eu estava tão ansioso, que não parei para pensar sobre as imagens que estava vendo.
Paulo -Mas quem faria uma coisa dessas?
Daniel -É uma boa pergunta. Agora que pensamos nisso, estou achando muito conveniente a aparição de um disco-voador numa região turística, fora da temporada.
Paulo -Faz sentido. Se foi uma fraude, resta saber como ela foi feita.
Daniel -Qualquer adolescente poderia fazer isso, com uma maquete e uma câmara.
Paulo -Mas... E as testemunhas?
Daniel -Considerando que elas desapareceram, suas declarações eram tão falsas quanto as imagens que vimos.
Paulo -Que filhos da mãe!
Daniel -Não adianta esquentar com isso. Vamos dormir que é melhor.
Paulo -Tá certo. Vamos levar essa tralha de volta ao hotel e cair na cama.
DANIEL E PAULO COMEÇAM A DESCER AS DUNAS, ENQUANTO O BRILHO DIFUSO DO SOL NASCENDO ILUMINAVA ALGO FLUTUANDO NA CURVA DO HORIZONTE QUE APARECIA SOBRE SEUS OMBROS.
FADE OUT
CENA 17
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DA REPARTIÇÃO ONDE DANIEL TRABALHA. O TELEFONE TOCA NA MESA DE PRUDÊNCIO. É LETÍCIA, PROCURANDO POR DANIEL.
Letícia -Prudêncio?
Prudêncio -Pois não?
Letícia -Prudêncio, é Letícia.
Prudêncio -Oi, Letícia. Como vai você?
Letícia -Vou bem, obrigada. Eu estou tentando falar com Daniel, mas o ramal de sua sala não está atendendo.
Prudêncio -Daniel não veio trabalhar. Ele viajou para Florianópolis.
Letícia -Para Florianópolis? O que ele foi fazer lá?
Prudêncio -Você viu o noticiário, ontem à noite?
Letícia -Vi... Não me diga que ele foi atrás de outro disco-voador?
Prudêncio -Foi.
Letícia -Eu pedi prá você não me dizer... Puxa! Ele não se preocupou, nem ao menos, em me avisar.
Prudêncio -Nós estávamos no bar, jogando bilhar, quando a notícia saiu na televisão. Mal ouviu, Daniel saiu correndo.
Letícia -Eu pensei que essa loucura estivesse no fim.
Prudêncio -Talvez esteja. Apesar da ansiedade, ele parecia diferente.
Letícia -Com assim?
Prudêncio -Daniel parecia cansado dos aborrecimentos causado por essa sua mania por ufologia.
Letícia -Espero que você esteja certo, porque eu também já não estou agüentando mais. Desculpe incomodar você.
Prudêncio -Não foi incômodo nenhum.
Letícia -Obrigada. Tchau!
Prudêncio -Até logo.
FÁBIO ENTRA NA SALA DE PRUDÊNCIO, FURIOSO COM A DEMORA DE DANIEL EM APRESENTAR UM RELATÓRIO.
Fábio -Assim não dá, Prudêncio!
Prudêncio -Assim não dá o quê?
Fábio -Eu preciso fazer a conciliação dos relatórios de atividades e ainda não recebi o de Daniel. Onde está aquele maluco?
Prudêncio -Ele não pode vir devido a um problema pessoal. Mas sei que o seu relatório já esta pronto. Verificou na mesa dele?
Fábio -Já. Lá não tem nada.
Prudêncio -Talvez ele não tenha imprimido. Deixe-me verificar o arquivo no computador.
PRUDÊNCIO CONSULTA O ARQUIVO DE DANIEL NO COMPUTADOR.
Prudêncio -Aqui está, prontinho como eu falei. Agora é só você voltar à sua sala e imprimir.
Fábio -Eu?
Prudêncio -Você está vendo alguma impressora aqui?
Fábio -Desse jeito, vou acabar fazendo o relatório dele.
Prudêncio -Eventualmente, isso pode acontecer. O que há com você? Não é a primeira vez que cobrimos a ausência de um colega.
Fábio -Ausência motivada por doença, problemas familiares. Motivo de extrema necessidade. Não por delírio de origem extraterrestre.
Prudêncio -Não exagere. Daniel não costuma faltar, e seu trabalho é limpo e bem feito.
Fábio -Está bem! Não está mais aqui, quem falou.
Prudêncio -Ötimo!
FÁBIO SAI DA SALA DE PRUDÊNCIO
.
CENA 18.
PLANO MÉDIO. AMBIENTE DE ESCRITÓRIO. LETÍCIA ESTÁ PASSANDO INSTRUÇÕES PARA UMA COLEGA.
Letícia -Estes dados já estão revisados e prontos para serem digitados.
Ana -Está bem. Você já fez aquelas alterações que o cliente pediu?
Letícia -Já. Estão escritas em caneta vermelha.
Ana -Tá certo. Vou providenciar.
O TELEFONE TOCA.
Letícia -Espere um instante. Alô?
Daniel -Lê, é você?
Letícia -Daniel? Onde você está?
Daniel -Em Florianópolis. Eu...
Letícia -Eu já sei. Você foi atrás daquela história que saiu no noticiário.
Daniel -Fui. Desculpe não ter avisado você.
Letícia -Podia ter me telefonado, pelo menos.
Daniel -Eu liguei para sua casa, mas ninguém atendeu ao telefone.
Letícia -Está bem. Conseguiu ver alguma coisa?
Daniel -Não. A história toda era uma fraude.
Letícia -Quando você volta?
Daniel -Amanhã à noite estarei aí. Agora preciso ir. Um beijo.
Letícia -Outro
.
LETÍCIA PÕE O FONE NO GANCHO E SE VOLTA PARA A COLEGA DE TRABALHO.
Letícia: - Onde a gente tava mesmo?
Colega: -Nas alterações.
Letícia: -Ah! É mesmo.
CORTE.
CENA 19
PLANO MÉDIO. INTERIOR DE UM QUARTO DE HOTEL. PAULO ENTRA NO APARTAMENTO DE DANIEL.
Paulo -Você tinha razão. Tem uma maquete escondida no almoxarifado.
Daniel -Como você descobriu?
Paulo -Do modo usual. Subornei um funcionário que está em processo de demissão.
Daniel -Precisamos tirar uma foto.
Paulo -Já tirei. Sempre carrego uma dessas maquininhas digitais comigo.
Daniel -Então só falta avisar a imprensa.
Paulo -Ë isso aí!
CENA 20
PLANO MÉDIO.LETÍCIA CHEGA EM SUA CASA NA HORA DO JANTAR. QUANDO ELA ABRE A PORTA, SUA MÃE A CHAMA, AGITADA.
Dona Aurora -Letícia, venha aqui, depressa!
Letícia -O que foi?
Dona Aurora -O seu noivo maluco está na televisão.
Letícia -O quê?
Dona Aurora -Schh...
Locutor da tv -A fraude foi descoberta por Daniel Paiva e Paulo Botelho, da Associação brasileira de Ufologia. Segundo os pesquisadores, para produzir as imagens de um disco-voador, o gerente do hotel utilizou uma maquete suspensa por um fio de nylon atado à postes fixados no cume de duas dunas de areia. O movimento do OVNI foi simulado pela diferença de nível entre cada ponto onde o fio estava atado, o qual não era percebido em razão da escuridão e da distância, como demonstra esta simulação.
Dona Aurora -Desta vez, pelo menos, o seu noivo lunático fez alguma coisa de útil, com a sua mania.
Letícia -Dá um tempo, mamãe. Isso deve ter sido uma grande decepção para ele.
Dona Aurora -Para mim, também. Eu estava torcendo que aparecesse uma nave espacial e carregasse aquele doido para bem longe de você.
Letícia -Como você está ficando venenosa, hein?
Dona Aurora -Pudera! Você já está ficando parecida com ele. Fico imaginando os netos que vou ter: criaturinhas verdes com antenas, flutuando pela casa.
A CENA FINALIZA COM UM CLOSE NO ROSTO ABORRECIDO DE LETÍCIA.
CENA 21
PLANO ABERTO. NOITE ESTRELADA. EM UM LOCAL DESRTO, UM OBJETO LUMINOSO CORTA A ESCURIDÃO DA NOITE, FAZ ALGUMAS EVOLUÇÕES E DEPOIS DESAPARECE RAPIDAMENTE.
CENA 22
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DA REPARTIÇÃO ONDE TRABALHA DANIEL. OS COLEGAS DELE COMENTAM O SEU APARECIMENTO NO NOTÍCIÁRIO.
Andrade -O caçador de ET virou uma celebridade.
Fábio -Depois dessa, acho que aquele boçal vai acabar se tornando mais um funcionário fantasma aqui dentro.
Andrade -Ou vai arrumar para ficar à disposição de algum departamento de assuntos esotéricos.
PRUDÊNCIO SE APROXIMA.
Fábio -Perigo. Criatura hostil se aproximando.
Prudêncio -Muito engraçado! As meninas estão precisando de algum estímulo especial para trabalhar?
Andrade -Já que tocou no assunto, nós gostaríamos de ver aquele nosso outro colega trabalhando, também.
Fábio -Ë... Seria tão inspirador!
Andrade -A menos, é claro, que ele esteja ocupado demais para isso.
Prudêncio - ‘‘Aquele nosso outro colega’’ vai ter suas faltas descontadas no salário. Além disso, poderá pegar uma suspensão, se o fato se repetir. Exatamente a mesma punição que vocês terão, caso não sentem em suas mesas.
FÁBIO E ANDRADE RESPONDE EM CÔRO: Imediatamente, amo e senhor!
CORTE
CENA 23
PLANO MÉDIO. DANIEL CHEGA À CASA DE LETÍCIA APÓS RETORNAR DE FLORIANÓPOLIS.
Daniel -Oi! Lembra de mim?
Letícia -Vagamente... O senhor é um vendedor de enciclopédia?
Daniel -Não, sou da agência de acompanhantes. Acho que bati no apartamento errado.
Letícia -Entra, seu bobo!
DONA AURORA ENTRA NA SALA
Dona Aurora -Ora, ora! Mas que surpresa encantadora! O noivo aparece. O que aconteceu? Ficou sem gasolina em marte?
Letícia -Mamãe!
Daniel -Minha querida sogra! Tão doce e gentil, quando um elefante com caxumba. Estava com saudades de você.
Letícia -Nós vimos o que aconteceu pela televisão. Você deve estar muito decepcionado.
Dona Aurora -Pois sim! Lunáticos não se decepcionam.
Letícia -mamãe! Por favor.
Dona Aurora -Está bem. Não esta aqui quem falou. Já fui!
DONA AURORA SAI DA SALA.
Letícia -O que aconteceu em Florianópolis?
Daniel -Aquilo que você viu na televisão. Um golpe publicitário do hotel, querendo movimentar a baixa temporada. De certa forma, eu já esperava algo assim. Seria bom demais se fosse verdade.
Letícia -Você parece estar desistindo.
Daniel -Estou começando a concordar com os que me consideram um maluco
Letícia -Isso é bobagem. Você sempre foi um pesquisador sério e respeitado. Um tanto obsessivo, mas isso não faz de você um maluco.
Daniel -De qualquer modo, eu acho que já estou pagando um preço muito alto por um sonho. Foram muitos anos de dedicação, investigando indícios, historias... Sem conseguir comprovar, uma única vez, que não estamos sozinhos no universo. Ou que tenhamos recebido, em algum momento, a visita de sêres de outro planeta.
Letícia -O que você pretende fazer, agora?
Daniel -Quanto a isso, ainda não sei. Quanto à minha vida, acho que andei ausente dela por tempo demais. Ë hora de pensar naquela casinha, que você tanto sonha.
Letícia -Bem vindo ao mundo real, mas você esqueceu outra parte do meu sonho.
Daniel -Que parte?
Letícia -As crianças.
Daniel -Não esqueci, não. Não verdade, tenho pensado muito nelas... ultimamente.
DANIEL AGARRA LETÍCIA
Letícia -Não me olhe assim... Pára seu maluco! Mamãe vai nos ouvir...
Daniel -E daí? Ela já está bem grandinha.
DANIEL E LETÍCIA SE BEIJAM, ENQUANTO LÁ FORA, UM OVNI PAIRA SILENCIOSAMENTE A GRANDE ALTURA, SOBRE O PRÉDIO DO APARTAMENTO DELA.
CORTE
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CENA 24
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DA REPARTIÇÃO ONDE DANIEL TRABALHA. PRUDÊNCIO LHE DÁ UMA ADVERTÊNCIA PELOS DIAS EM QUE FALTOU AO TRABALHO.
Prudêncio -Eu sinto muito, mais tenho que seguir o regulamento. Não posso aceitar como justificativa o motivo de sua viagem à Florianópolis.
Daniel - Está tudo bem. Eu não pediria que me tratasse de modo diferente.
Prudêncio - Eu sei que não. Você é um funcionário exemplar, mas muito visado por seus colegas de trabalho. Procure evitar situações de confronto, principalmente agora, que existe um cargo de chefia vago, com a aposentadoria do Menezes.
Daniel -Eu estou sendo cogitado para o cargo?
Prudêncio -Sim. Você e Fábio. Bem... Creio que é melhor você voltar ao trabalho.
Daniel -Sim. Desculpe os aborrecimentos que lhe causei e obrigado por tudo.
Prudêncio -Tolice. Isso faz parte do meu trabalho.
Daniel - Mesmo assim obrigado.
DANIEL SAI DA SALA DE PRUDÊNCIO. CORTE.
CENA 25
PLANO MÉDIO. NOITE. APARTAMENTO DE LETÍCIA. ELA PREPARA O VESTIDO DE NOIVA, COM AJUDA DE DONA AURORA.
Dona Aurora -Espero que este trabalho todo compense.
Letícia -Por mim, não teria essa bobagem de “casar de branco”. Era só juntar as escovas de dente.
Dona Aurora -O mal de vocês é que não respeitam a tradição. Acham que sabem tudo e depois não compreendem porque algo não deu certo.
Letícia -Você é muito implicante. Acha que tá sempre certa...
Dona Aurora -E não estou sempre?
Letícia -Não, mamãe. Você pensa que está sempre certa, o que não é a mesma coisa.
Dona Aurora -Tá certo. Não vou discutir com você. Ë melhor terminar logo com isso e ir dormir, que o dia será cheio amanhã.
Letícia -Ë bom mesmo. Já tenho muito em que pensar.
Dona Aurora -Por falar nisso... o noivo não vem aqui, hoje?
Letícia -Tava demorando, né mãe? Ele tem algumas coisas para fazer e não virá.
Dona Aurora -Ah, Bom! Eu só perguntei por perguntar. Não precisa ficar toda espetada.
Letícia -Sei... Conheço você.
A CENA FINALIZA COM UM CLOSE EM DONA AURORA, QUE SE FAZ DE DESENTENDIDA.
CENA 26
PLANO MÉDIO. PRAIA DESERTA NA MESMA NOITE. DANIEL CONTEMPLA AS ESTRELAS. ELE NÃO USA A LUNETA. SUA ATITUDE É DE DESPEDIDA. ELE FALA CONSIGO MESMO.
TRANSIÇÃO PARA PLANO FECHADO NO ROSTO DE DANIEL.
Daniel -Como se despede de um sonho? Eu vivi tanto por isso e agora não sei o que fazer. Toda a minha vida foi em função desse sonho, e nem mesmo sei do que se trata. Apenas essa obsessão em ficar olhando para as estrelas a espera de um chamado que jamais virá. Que sonho louco tenho tido! O sonho de toda uma vida!
PLANO MÉDIO, SEGUINDO O OLHAR DO PERSONAGEM. DANIEL FIXA O OLHAR NA CONSTELAÇÃO DO CRUZEIRO DO SUL E PERCEBE QUE UMA ESTRELA PARECE MOVIMENTAR-SE E MUDAR DE TAMANHO. ELE ESFREGA OS OLHOS SEM ACREDITAR, ATÉ QUE A ESTRELA TOMA UMA FORMA QUE LEMBRA UM PRATO E SE APROXIMA SILENCIOSAMENTE DIANTE DELE. DANIEL FICA DE PÉ, OBSERVANDO O OVNI PAIRAR SOBRE ELE. SEU CORAÇÃO BATE FORTE E UMA ESTRANHA EMOÇÃO TOMA CONTA DE SI.
PLANO FECHADO
Daniel -Eles vieram, afinal!
PLANO MÉDIO
DE REPENTE, SEM QUE ELE PUDESSE ESBOÇAR QUALQUER REAÇÃO, É BANHADO POR UM FACHO DE LUZ E DESAPARECE.
CENA 27
Homem -Você está bem?
Daniel -S-sim. Você fala minha língua!
Homem -Sim, e muitas outras. Bem... Vejamos... Eu me chamo Jan, e minha companheira é Sybil. Somos de Trix, um planeta localizado em uma galáxia ainda desconhecida pelos astrônomos deste planeta.
Sybil -Você parece desapontado com nosso aspecto físico.
Jan -Creio que ele esperava encontrar alguma criatura de pele escamosa e aspecto grotesco, estou certo?
Daniel -Bem... Na verdade, vocês não correspondem à imagem que fazemos de um ser de outro planeta.
Sybil -No universo existem muitos planetas cujos habitantes se parecem com a imagem popularizada em suas obras de ficção. Contudo, criaturas humanóides são mais comuns.
Jan -Sim. Estamos em quase todos os quadrantes do universo, com civilizações em diversos estágios de desenvolvimento. Alguns planetas, como a terra, encontram-se no limiar de uma nova era, ou a caminho da destruição. Nossa missão é avaliar a situação.
Daniel -Eu sempre soube que vocês viriam.
Sybil -Há algum tempo enviamos uma sonda robótica para procurar você.
Daniel -As luzes! As vozes que eu ouvia quando era criança. Tudo parecia ter sido Um sonho, mas era real. Por quê? O que seres de outro planeta estariam interessados numa criança da Terra?
Sybil -Não foi para submetê-lo a alguma experiência macabra, Como você deve estar imaginando. O motivo, na verdade, é bastante óbvio. Pelo menos para nós.
CORTE PARA ROSTO DE DANIEL, COM EXPRESSÃO INTERROGATIVA.
PLANO MÉDIO
Jan -Você é um dos nossos.
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL. A EXPRESSÃO É DE SURPRESA E INCREDULIDADE
Daniel -Um de vocês? Como assim?
CORTE PARA O ROSTO DE SYBIL
Sybil -Quando você era pouco mais que um bebê, seus pais estavam em missão neste quadrante da galáxia. Houve um acidente e a nave caiu neste planeta.
PLANO MÉDIO
Daniel -Um acidente?
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL. VEM À SUA MENTE FRAGMENTOS DE MEMÓRIA, COM IMAGENS DO INTERIOR DE UMA NAVE PREPARANDO UM POUSO FORÇADO.
PLANO MÉDIO
Jan -Sim. Você foi o único sobrevivente. A sonda era o meio mais rápido de garantir sua sobrevivência, pois só esse artefato poderia viajar com segurança através de um buraco de minhoca e vencer a enorme distância que separa Trix do planeta Terra, a tempo de encontrá-lo com vida.
Sybil -A sonda foi sua babá, vamos dizer assim, até você ser encontrado por humanos deste planeta.
Jan -Infelizmente a sonda parou de funcionar logo depois de você ser encontrado e, então, perdemos o principal instrumento para localizá-lo.
Sybil -Agora nós estamos aqui. Viemos buscá-lo.
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL, QUE ABANA A CABEÇA, INCRÉDULO.
Daniel: -Isso é inacreditável. Não sei o que pensar.
CORTE PARA O ROSTO DE JAN
Jan -Sei que é difícil de acreditar, mas você não é deste mundo.
CORTE PARA O ROSTO DE SYBIL
Sybil -Em algum momento de sua vida deve ter percebido que é diferente das pessoas que conhece.
Daniel -Sim. Eu sempre me senti um estranho no ninho. Por isso uma sensação incômoda de não pertencer a lugar nenhum sempre me acompanhou. Agora compreendo.
PLANO MÉDIO
Jan -Você sempre soube que nós viríamos buscá-lo. Este é o momento pelo qual você esperou a vida toda.
Daniel -Sim. Agora entendo minha obsessão por disco-voador. Mas... Para isso, teria que abandonar tudo? Minha vida na terra?
Sybil -Sim, de certa forma. Você voltará à terra, quando estiver preparado para sua missão. Viajar pelas estrelas sempre foi o seu sonho, não foi? Agora você pode torná-lo realidade.
Daniel -Não posso decidir uma coisa dessas assim. Preciso pensar.
Jan -A próxima janela para retornarmos à Trix é daqui a três dias, pelo seu calendário. Você tem esse prazo para decidir.
Daniel -Isso é uma loucura!
Jan -Na verdade você não tem muita escolha. A espécie humana deste planeta está sendo observada há muito tempo. A decisão ainda não foi tomada, mas provavelmente iniciaremos o processo de extinção dos homens da Terra antes de partirmos.
CORTE. CLOSE NO ROSTO DE DANIEL, QUE EXPRESSA O CHOQUE DAQUELA NOTÍCIA.
CORTE.
CENA 28
LETÍCIA ESTÁ DORMINDO E SONHA COM DANIEL. NÃO É UM SONHO BOM. ELES ESTÃO SE SEPARANDO POR ALGUM MOTIVO QUE ELA NÃO CONSEGUE COMPREENDER. IMAGENS SURGEM EM SUA MENTE. DANIEL PARECE DEIXÁ-LA E IR EM DIREÇÃO À UMA LUZ. LETÍCIA SE DESESPERA E FALA DURANTE O SONO
.
Letícia -Não!Não vá. Por favor... não me deixe.
A LUZ ENVOLVE DANIEL E ELA NÃO CONSEGUE MAIS VÊ-LO.
Letícia (Gritando, com efeito de eco) -Não!
LETÍCIA ACORDA SUANDO FRIO, ASSUSTADA.
Letícia -Mas que droga!
ELA OLHA PARA O RELÓGIO. SÃO 3:30H. AINDA IMPRESSIONADA COM O SONHO, ELA TENTA A VOLTAR A DORMIR.
FADE OUT
CENA 29
FADE IN
PLANO MÉDIO.MANHÃ DO DIA SEGUITE. DONA AURORA PREPARA O CAFÉ. LETÍCIA CHEGA NA COZINHA AINDA BOCEJANDO.
Letícia -Bom dia.
Dona Aurora -Bom dia. Nossa! Você tá parecendo uma alma penada.
Letícia (Bocejando) -Que noite horrorosa.
Dona Aurora -O que aconteceu? Não conseguiu dormir?
Letícia -Tive um pesadelo e perdi o sono de madrugada.
A CAMPAINHA DA PORTA TOCA E DONA AURORA VAI ATENDER.
Dona Aurora -Quem será o estrupício que bate na casa dos outros há essa hora? Ah! Ë o noivo.
DANIEL ENTRA TRAZENDO UM BUQUÊ DE FLORES.
Daniel -Oi, sogrinha. Não é hora de você voltar pro caixão? Já amanheceu.
Dona Aurora -Ainda falta o seu pescoço.
Letícia -Oi, amor. O que você tá fazendo aqui, tão cedo? Isso é para mim?
DANIEL ENTREGA O BUQUÊ DE FLORES PARA LETÍCIA
Letícia -Puxa! São lindas. Obrigada. Tem algum motivo especial?
Daniel -Tem. Amo você. Mas eu vim conversar algumas coisas.
Letícia -Também tenho novidades para você.
Dona Aurora (interrompendo) -Vocês viram a notícia da aparição de um disco-voador?
Letícia (contrafeita) – Disco-voador? Você viu isso, Daniel?
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL, QUE EXPRESSA PREOCUPAÇÃO.
Daniel -Não percebi.
PLANO MÉDIO
Dona Aurora -Tá no jornal da manhã. Apareceu na praia ontem à noite. Parece que os aliens vieram buscar você, afinal.
Letícia -Mamãe!
CLOSE EM DONA AURORA, QUE FAZ UM MUXOXO SAI DA COZINHA.
PLANO MÉDIO.
Letícia (Falando com Daniel) -Você não viu?
Daniel (Desconversando) – Não. Fui dormir cedo.
Letícia (Feliz) -Puxa! Você tá realmente mudado. Então, o que você queria me contar?
Daniel -Você primeiro.
Letícia -Isso não é justo. Agora fiquei curiosa.
Daniel (Imitando um índio) -Não é justo para quem, cara pálida? Você me interrompeu e sua mãe fez o resto, se metendo na conversa com outro assunto.
VOZ DE DONA AURORA, VINDA DA SALA
-Eu ouvi isso!
Letícia -Tá bom. Vem cá. Isso é confidencial.
DANIEL SE APROXIMA DE LETÍCIA. PLANO FECHADO. ELA SUSSURRA EM SEU OUVIDO.
Letícia -Vamos ter um bebê.
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL, QUE TENTA DISFARÇAR O CHOQUE PROVOCADO PELA NOTÍCIA.
Daniel -Tem certeza? Isto é, o bebê estava nos nossos planos, é claro. Mas nós sempre nos prevenimos até decidirmos, e você nunca falou nada sobre gravidez.
CORTE PARA O ROSTO DE LETÍCIA
Letícia (Insegura)
-Sim, exceto aquele dia na praia, lembra? Foi tudo tão repentino, que nós não lembramos de nenhuma prevenção (...) Você não gostou da notícia, não é?
PLANO MÉDIO
Daniel -Não, não. Apenas me pegou de surpresa. Mas o nosso filho será muito bem vindo. É que eu... Bem. Deixa prá lá.
Letícia -Fala. Agora você tá me deixando aflita.
Daniel -Nada, não. Eu queria dizer que tinha um apartamento para a gente ver. Agora temos que considerar uma terceira pessoa nos nossos planos, enxoval de bebê, essas coisas.
Letícia -Tem certeza? Não quero que você se sinta obrigado a nada.
Daniel -Claro que sim. Unir minha vida à sua sempre foi o meu maior sonho.
Letícia -Você quer dizer... O segundo maior sonho, não é? O primeiro sempre serão as estrelas.
Daniel -E a mais brilhante delas é você.
Letícia -Tá bom. Agora chega de enrolar. O que você queria me falar? Parecia muito importante.
Daniel -Deixa prá lá. Eu queria que fôssemos ver um apartamento, mas agora ele ficou pequeno demais. Temos que procurar outra coisa. Gostou das flores?
Letícia -Adorei! Vamos nos ver à noite?
Daniel (Beijando Letícia) Sim. Mas agora tenho que ir trabalhar. Até à noite.
DANIEL SAI. CORTE PARA CLOSE EM LETÍCIA.
Letícia -Tem alguma coisa estranha acontecendo.
PLANO MÉDIO. DONA AURORA SURGE NOVAMENTE NA COZINHA.
Dona Aurora -Disse alguma coisa?
CORTE PARA O ROSTO DE LETÍCIA
Letícia -Nada não. Só pensei alto.
CORTE
CENA 30
PLANO MÉDIO. DANIEL ENTRA NA REPARTIÇÃO ONDE TRABALHA. FÁBIO RECEBEU A NOTÍCIA DE QUE VAI OCUPAR A CHEFIA QUE ESTAVA VAGA E APROVEITA PARA PROVOCÁ-LO.
Fábio -Além de faltar com freqüência, parece que o caçador de ET está se acostumando a chegar atrasado.
Daniel -Um dia que chego atrasado não caracteriza um hábito, como é seu costume.
Fábio -Pode ser em sua opinião. Mas parece que não é o que acha a diretoria. Quem acabou ganhando aquela chefia que você estava esperando fui eu.
Daniel -É mesmo? Parabéns! Fico feliz em saber que você conseguiu algo importante para a sua vida.
Fábio -E você? O que é importante para você?
Daniel -Você não compreenderia.
Fábio -Por que não?
Daniel -Você olha apenas para o que está na altura dos seus olhos. Experimente contemplar as estrelas.
Fábio -Você é doido.
Daniel -Eu disse que você não compreenderia.
Fábio -Talvez esse disco-voador que apareceu tenha vindo realmente buscar você, hein?
Daniel -Talvez...
PRUDÊNCIO ENTRA NA SALA
Fábio -Salve mestre Yoda.
Prudêncio -Muito engraçado. Daniel, você poderia vir à minha sala?
DANIEL ACOMPANHA PRUDÊNCIO ATÉ SUA SALA.
CENA 31
PLANO MÉDIO. PRUDÊNCIO FECHA A PORTA ATRÁS DE SI.
Prudêncio -Você já sabe da novidade, não?
Daniel -Sim. O Fábio fez questão de anunciar, assim que cheguei.
Prudêncio -Minha preferência era para você, mas fui voto vencido.
Daniel -Eu compreendo. Está tudo bem.
Prudêncio -Eu sei que você tem uma forma peculiar de ver a vida e não liga para isso, mas talvez seja a hora de rever algumas coisas. Principalmente se está pensando seriamente em constituir família, percebe?
Daniel -Existem coisas que você não sabe. Coisas que tornam essas questões irrelevantes.
Prudêncio -Por exemplo?
Daniel -É difícil falar sobre isso. Você não compreenderia. Nenhum ser humano normal compreenderia. Até havia tomado algumas atitudes no sentido que você esta me sugerindo, mas aconteceram algumas coisas que emperram minhas decisões. Sabe, é como se eu fosse uma corda num cabo de guerra.
Prudêncio -Conflitos de interesse?
Daniel -Algo parecido. Neste momento, tudo o que sei é que isso tem que terminar. Vou pôr um fim nessa situação ambígua nos próximos dias, seja como for.
Prudêncio -Espero que você tome a decisão correta. Letícia é uma boa moça, gosta de você e não merece sofrer por isso.
Daniel -Eu sei. Ela é o que mais vai pesar nas minhas decisões.
Prudêncio -Ótimo. Fico feliz por isso. Agora, mudando de assunto, eu o chamei aqui porque tenho um recado para você.
Daniel -Recado?
Prudêncio -Sim. Um tal de Paulo Botelho ligou para cá querendo falar com você.
Daniel -Paulo? Devia ter imaginado que ele entraria em contato.
Prudêncio -Ele está no hotel Colúmbia e deixou o telefone.
PRUDÊNCIO PROCURA ENTRE OS DOCUMENTOS DE SUA MESA E PASSA UM PEDAÇO DE PAPEL PARA DANIEL
.
Daniel -Não tinha me dado conta, mas o Paulo é a pessoa que eu queria encontrar nesse momento.
Prudêncio -Muito bem. Tá aí a oportunidade. Ele aguarda o seu telefonema.
Daniel -Obrigado meu amigo. Em breve você saberá de tudo, de uma forma ou de outra.
Prudêncio -Tá bom. Enquanto isso não acontece, vamos ao trabalho.
Daniel -Sim.
DANIEL DIRIGE-SE PARA A PORTA. ANTES DE FECHÁ-LA SE VOLTA PARA PRUDÊNCIO.
Daniel -Você é um bom amigo. Obrigado por tudo.
CORTE.
CENA 32
PLANO MÉDIO. DANIEL ENCONTRA-SE COM PAULO BOTELHO NA HORA DO ALMOÇO, NO RESTAURANTE DO HOTEL. APERTAM-SE AS MÃOS EM PÉ.
Paulo -Grande Daniel. Como você está?
Daniel -Bem. É um prazer revê-lo. Imagino que você tenha vindo aqui para conferir a história do disco-voador, não é?
Paulo -Sim, sem dúvida. Tenho sempre a esperança de que não seja uma farsa.
Daniel -Não é.
Paulo -Como é?
Daniel -Vamos sentar, caso contrário você vai cair.
Paulo -Então você realmente conseguiu ver alguma coisa concreta?
Daniel -Mais que isso. Eu estive com eles.
Paulo -Eles quem?
Daniel -Os ETs, aliens, seja lá como for que você queira chamá-los.
Paulo -Caraca! Você bebeu? Fumou um?
Daniel -Sabia que seria inacreditável, mas não bebi, nem tomei ou fiz uso de qualquer outra coisa. Aconteceu mesmo. Foi real.
Paulo -Tá bem. Desculpe-me. Conte-me como foi.
DANIEL CONTA EM DETALHES SUA ABDUÇÃO E A INCRÍVEL HISTÓRIA DE SUA ORIGEM EXTRATERRESTRE (IMAGEM SEM SOM).
FADE OUT.
CENA 33
PLANO MÉDIO. FADE IN
FÁBIO ALMOÇA COM ANDRADE E COMENTA A ESTRANHA REAÇÃO DE DANIEL À NOTÍCIA DE SUA PROMOÇÃO.
Fábio -É incrível, mas ele parecia não se importar. Não entendo como alguém pode ser tão desinteressado da carreira.
Andrade -Acho que Daniel não é realmente deste mundo. Prá mim o sujeito é totalmente pirado.
Fábio -Não sei se ele é realmente maluco, mas que hoje parecia um pouco mais estranho do que o habitual, lá isso parecia. O olhar dele, cara... Era um olhar de quem estava se despedindo, imagina só.
Andrade -Agora é você que tá se deixando levar pela imaginação. O sujeito apenas tem uma concepção de vida diferente. Talvez seja um desses monges budistas, um comunista, sei lá.
Fábio -Acho que tem mais coisa aí...
Andrade -Só falta você falar que o comportamento dele tem haver com o disco-voador que dizem ter aparecido na praia ontem à noite.
Fábio -Poderia ser não é? O disco foi visto por muita gente.
Andrade -Bobagem! Essa aparição pode ter sido mais um golpe publicitário, como aquele de Florianópolis. Aliás, não me surpreenderia se o Daniel estivesse envolvido com isso.
Fábio -Não exagere. Tá certo que ele é meio pancada, mas o Daniel é o sujeito mais íntegro que já conheci.
Andrade -Pode ser para você, mas todo mundo guarda um esqueleto no armário. Ele não é melhor que ninguém, pode crer.
CORTE PARA O ROSTO DE FÁBIO COM EXPRESSÃO DE DÚVIDA. CORTE.
CENA 34
PLANO MÉDIO. LETÍCIA ESTÁ SENTADA NUM BANCO DE PRAÇA LENDO UM LIVRO NA HORA DO ALMOÇO. ALGUMAS CRIANÇAS SE APROXIMAM BRINCANDO.
CORTE PARA O ROSTO DE LETÍCIA, QUE APRESENTA OLHA AS CRIANÇAS COM UMA EXPRESSÃO SONHADORA E, AO MESMO TEMPO, TRISTE.
FADE OUT
CENA 35
FADE IN
PLANO ABERTO.FACHADA DO HOTEL ONDE PAULO BOTELHO ESTÁ HOSPEDADO.
CORTE PARA O RESTAURANTE ONDE ELES ESTÃO ALMOÇANDO.
CENA 36
CLOSE EM PAULO BOTELHO.
Paulo -Isso é inacreditável. Nem sei o que pensar.
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL
Daniel -Na verdade você está pensando que eu pirei de vez, não é?
PLANO MÉDIO
Paulo -Realmente, se não lhe conhecesse há tanto tempo, poderia pensar isso, sim. Mas sempre soube que você tinha algo estranho, que me fugia à compreensão. Agora, nem em meus maiores delírios de imaginação poderia pensar que o caçador de ETs é, na verdade um deles. Isso é demais.
Daniel -Você ainda não acredita e eu não o culpo por isso. É realmente inacreditável e, até eu duvidaria da minha sanidade, mas posso provar o que digo.
Paulo -Pode? Como?
DANIEL MOSTRA UM PEQUENO APARELHO PARA PAULO
Daniel -Com isso.
Paulo -O que é isso?
Daniel -É um comunicador. Ele atua numa freqüência que não pode ser captada por nenhum aparelho da Terra, segundo me disseram.
Paulo -Fantástico! Gostaria de ver isso.
Daniel -Acho melhor irmos para um lugar discreto, então. Ainda não usei isto e não sei o efeito que pode causar.
Paulo -Você acha que isso pode ser perigoso?
Daniel -Acho que não, mas também não gostaria que o Darth Vader aparecesse aqui numa imagem holográfica.
Paulo -Bom, pelo menos você ainda mantém o bom humor. Vamos para a minha suíte. Lá estaremos livres de olhares curiosos.
Daniel -Está bem.
AMBOS SE LEVATAM. CORTE.
CENA 37
PLANO MÉDIO. APARTAMENTO DE PAULO BOTELHO.
Paulo -Pronto. Creio que aqui não corremos o risco de causar nenhuma confusão.
DANIEL ACIONA O APARELHO E UMA LUZ SUAVE SE PROJETA DELE. A LUZ TREMULA E FORMA A IMAGEM TRIDIMENSIONAL DE SYBIL.
Sybil -Fico feliz que tenha nos chamado, Daniel. Já tomou sua decisão?
Daniel -Ainda não. Surgiram novos fatores que tenho que considerar. Minha... Minha namorada está grávida e isso muda tudo.
Sybil -Compreendo seu dilema, mas tem que tomar uma decisão logo.
Daniel -Não poderia levá-la comigo?
Sybil -Infelizmente não podemos levar um passageiro extra. Se você pretende unir-se à mulher, terá que desistir daquilo que esperou a vida inteira.
Daniel -Então, talvez ela possa esperar minha volta.
Sybil -Você sabe que isso não é possível, Daniel. O tempo passa mais lentamente, quando se viaja a velocidade próxima da luz, em dobra espacial. Para você, se passarão alguns anos, mas para ela terão se passado décadas. Provavelmente, ela terá esgotado seu tempo de vida, quando você retornar. Sinto muito.
Daniel -Então só me resta decidir...
Sybil -Você deve fazer isso o quanto antes. Seu tempo está se esgotando.
Daniel -Eu sei. Voltarei a chamar, assim que tiver tomado uma decisão.
Sybil -Está bem.
A IMAGEM TREMULA E SE DESVANECE.
Paulo -Caraca! Se eu não tivesse visto, não acreditaria.
Daniel -Nem eu. Mas isso não é tudo.
Paulo -Tem mais?
Daniel -Eles me disseram que estão analisando a ação do homem na Terra. É possível que isso não seja uma boa notícia.
Paulo -Como assim?
Daniel -Falaram que a humanidade pode ser extinta.
Paulo -Isso não é um prognóstico muito animador.
Daniel -Nem é definitivo, se entendi bem. Também não sei quando ocorrerá. Como não voltaram a falar sobre isso, creio que o tempo para eles funciona em outra escala, espero.
Paulo -Eu também, mas se a coisa engrossar me avisa. Vou parar de pagar as contas e comprar uma passagem pro Havaí.
Daniel -Você não parece muito preocupado com a possibilidade de extinção da humanidade.
Paulo -Se tivesse esse poder, meu caro... Eu mesmo faria isso.
CORTE
CENA 38
INTERIOR DA NAVE. AO FINAL DA COMUNICAÇÃO, JAN APROXIMA-SE DE SYBIL.
Jan -Daniel já tomou a decisão?
Sybil -Ainda não. Receio que isso seja muito difícil para ele.
Jan -Espere que ele resolva vir conosco. Daniel tem um grande potencial, que já está se manifestando. O planeta Terra já não é lugar para ele, agora.
Sybil -Ele já tem consciência disso. Mas esse fato não diminui a dificuldade de abrir mão de sua vida na Terra.
Jan -A decisão é realmente difícil. Este é o mundo que ele conhece. Seus laços afetivos estão aqui.
Sybil -Sim, e agora mais ainda, com um filho a caminho.
Jan -Ele ainda tem 48 horas para pensar e decidir se vem conosco. Vamos aguardar.
Sybil -Sim. Não podemos interferir na sua escolha.
CORTE
CENA 39
APARTAMENTO DE DANIEL. ELE ESTÁ ASSISTINDO TV, ENQUANTO AGUARDA A CHEGADA DE LETÍCIA. SEU PENSAMENTO ESTÁ LONGE E ELE TROCA DE CANAL ALEATÓRIAMENTE, SEM PRESTAR ATENÇÃO NA PROGRAMAÇÃO, ATÉ QUE MANCHETE FR UM NOTICIÁRIO LHE CHAMA ATENÇÃO.
LOCUTOR: Navio petroleiro bate num iceberg no Alaska e provoca o maior desastre ecológico jamais visto na região do Ártico.
Daniel - Isso não é bom. Não devia ter acontecido agora.
IRRITADO, DANIEL DESLIGA A TELEVISÃO, QUANDO LETÍCIA CHEGA E ABRE A PORTA CHAMANDO POR ELE.
Letícia -Daniel?
LETÍCIA O BEIJA E SENTA-SE AO SEU LADO.
Letícia -Ai! Tô morta.
Daniel -Cansada?
Letícia -Parece que fui atropelada por uma manada de elefante. O dia nunca foi tão longo e aborrecido. E você como foi seu dia?
Daniel -Emocionante. Tive que rever três processos, localizar um que estava desaparecido e escrever um relatório.
Letícia -Pegou os convites na gráfica?
Daniel -Sim. O pacote está sobre a mesa da cozinha.
Letícia -Ótimo. Deixa só eu passar uma água no rosto e podemos endereçá-los.
LETÍCIA LEVANTA E ENCAMINHA-SE PARA O BANHEIRO.
Daniel -Preciso falar com você.
Letícia -Vai falando, que eu tô ouvindo.
Daniel -Eles vieram.
Letícia -Hã? Eles quem? Seus amigos?
Daniel -Acho que posso chamá-los assim. Amigos de outro mundo.
Letícia (Retornando do banheiro) -Do que você está falando?
Daniel -Dos marcianos, como diria sua mãe.
Letícia -Você está brincando?
Daniel -Não. Eles fizeram contato comigo ontem à noite, naquele mesmo lugar em que nós estávamos naquele dia.
Letícia -Você tem certeza? Será que não está confundindo com alguma coisa? Uma estrela cadente, Um foguete de sinalização? Você mesmo diz que a maioria dos relatos de pretensos aparecimentos de OVNI refere-se à fraude, ou pode ser explicada de alguma forma que nada tem haver com objetos extraterrestres.
Daniel -Não desta vez. Eu estive dentro do disco-voador. Falei com eles.
Letícia -Você está bem, realmente? Tem agido de forma estranha, nos últimos dias.
Daniel -Eu ainda não estou louco. Não se preocupe.
Letícia -Eu não disse isso.
Daniel -Mas acabou de pensar. Tudo bem... Acho que estaria pensando a mesma coisa, se estivesse no seu lugar.
Letícia -Por que você não me falou nada, hoje de manhã?
Daniel -Eu pretendia. Mas você me disse que estava grávida e não tive coragem de lhe falar.
Letícia -Por quê? Eu sei que você não pensava em ter um filho agora, mas eu ficaria feliz, também, com a realização do seu sonho.
Daniel -Eles vieram me buscar, Lê.
Letícia -O quê? Você só pode estar brincando.
Daniel -Não. Antes estivesse. Aquele acontecimento de minha infância, lembra? Não foi um sonho. Eles realmente estiveram comigo. Agora devo decidir se vou para as estrelas, ou ficar aqui e esquecer o assunto.
Letícia (Chorando) -Desculpa. Mas eu não consigo acreditar numa coisa dessas.
DANIEL TIRA DO BOLSO O COMUNICADOR QUE OS ALIENÍGENAS LHE DERAM E O MOSTRA À LETÍCIA.
Daniel -Olhe.
Letícia -O que é isso?
Daniel -Um comunicador. Eles me deram, para chamá-los quando houvesse necessidade. Acho que isso se aplica a esse momento.
Letícia -O que você vai fazer?
Daniel -Vou chamá-los. Pelo menos você não vai continuar pensando que eu fiquei maluco.
DANIEL ACIONA O APARELHO E O BRILHO AZULADO DA PROTEÇÃO HOLOGRÁFICA SURGE À SUA FRENTE. O ROSTO DE JAN APARECE. LETÍCIA FICA ASSUSTADA.
Jan - Olá, Daniel. Estava esperando o seu chamado. Já tomou a decisão?
Daniel -Ainda não. Tenho que considerar que vou afetar outras vidas com a decisão que tomar.
Jan -Compreendo. Você está vinculado emocionalmente a essa mulher.
Daniel -Sim.
Letícia -Aqui, nós chamamos esse vínculo de amor, Sr. Spock.
Jan -Em breve vocês superarão esse estágio. Poderia dizer-me qual o motivo de sua chamada, Daniel?
Daniel -Sim. Seja qual for minha decisão, ela deve ser compartilhada com minha companheira. Ela precisava vê-los, para acreditar.
Jan -Está bem. Agora, permita-me lembra-lo que você tem apenas 26 horas para decidir se virá conosco. Estaremos esperando no ponto em que o encontramos antes. Finalizando.
A COMUNICAÇÃO SE INTERRONPE, E DANIEL VOLTA-SE PARA LETÍCIA.
Daniel -Acredita, agora?
Letícia -Não sei, parece que estou sonhando.
Daniel -Mas é real. Tudo o que procurei durante toda a minha vida.
Letícia -O que você vai fazer?
Daniel -Não sei. Há muito tempo que sinto não pertencer à este mundo. Durante toda a minha vida eu me esforcei para ser igual às outras pessoas, mas elas logo descobriam algo estranho em mim e se afastavam, deixando apenas a solidão. A terrível e opressiva solidão que sempre me acompanhou, até encontrar você.
Letícia -Quando o conheci, você parecia ser um estranho no ninho. Um cachorrinho sem dono. Acho que foi isso que me conquistou. Chame de instinto maternal, se quiser.
Daniel -Por favor, me ajude.
Letícia -Não posso... Droga!... (Choro)... Como você pode me pedir uma coisa dessas?
CENA 40
CASA DE LETÍCIA. INÍCIO DA NOITE DO DIA SEGUINTE. DONA AURORA DÁ O ÚLTIMO RETOQUE NO VESTIDO DE CASAMENTO DE LETÍCIA. A CAMPAINHA TOCA. É PRUDÊNCIO, TRAZENDO O SEU PRESENTE DE CASAMENTO.
Prudêncio -Boa noite.
Dona Aurora -Boa noite, Prudêncio. Como vai você?
Prudêncio -Eu estou ótimo. Espero não estar incomodando a Senhora, há essa hora.
Dona Aurora -Imagina! Entre, você é da casa. Depois, hoje em dia, a gente deve dar graças a Deus quando, quem bate a porta, não é cobrador, assaltante, ou membro de uma dessas igrejas que surgem todo dia.
Prudêncio (rindo) -Ë verdade. Bem... Eu vim trazer o presente de casamento dos noivinhos. Eles já chegaram?
Dona Aurora -Ainda não, mas espero que não demorem. Letícia tem que fazer a última prova do vestido. Aceita um cafezinho?
Prudêncio -Sem dúvida. O seu café é ótimo!
Dona Aurora -Sempre gentil, né Prudêncio? Letícia bem que poderia ter escolhido alguém como você. Evitaria muitos aborrecimentos.
Prudêncio -Daniel é bom rapaz.
Dona Aurora -Pode até ser, mas é muito esquisito.
Prudêncio -Ele apenas parece esquisito. Devia conhecê-lo melhor!
Dona Aurora -Você parece Letícia falando.
Prudêncio -Conhecer Daniel exige um pouco de paciência, mas vale a pena. Ele é uma pessoa muito interessante.
Dona Aurora -Pois, para mim, continua sendo um maluco. Bem... Isso é problema de Letícia. Ela que se preocupe, já que não me ouve.
Prudêncio -A senhora faz muito bem.
CENA 41
PLANO MÉDIO. PRAIA DESERTA. 23:00H. DANIEL E LETÍCIA ESTÃO SENTADOS SOBRE O CAPÔ DO CARRO.
Daniel -Você não precisava ter vindo.
Letícia -Seria pior. Eu sentiria como você tivesse morrido em um acidente. Assim, pelo menos, posso me despedir de você.
DANIEL ENTREGA UM ENVELOPE PARA LETÍCIA.
Daniel -Tome. Isso é para você.
Letícia -O que é?
Daniel -Uma procuração, autorizando você a movimentar minha conta bancária, e negociar com o carro e o apartamento.
Letícia -Não precisava ter feito isso.
Daniel -Para onde vou, não vou precisar dessas coisas. Além do mais, você e nosso filho seriam meus herdeiros, de qualquer modo.
UM OBJETO LUMINOSO SE MOVE NA ESCURIDÀO DA NOITE E APROXIMA-SE RAPIDAMENTE DELES.
Daniel -Estão vindo.
Letícia -Sim.
Daniel -... Ë melhor nos despedirmos agora.
ELES SE ABRAÇAM COM CARINHO, E CHORAM
Letícia -Ei... Não esqueça de escrever.
Daniel (sorrindo) -Como iria esquecer?
O DISCO-VOADOR APROXIMA-SE DA PRAIA.
Letícia -É melhor você ir, agora.
DANIEL A BEIJA UMA ÚLTIMA VEZ E AFASTA-SE DELA. É BANHADO PELO RAIO DE LUZ E DESAPARECE. LETÍCIA OBSERVA O DISCO-VOADOR AFASTE-SE, ATÉ QUE ELE SE TORNA UM PONTO LUMINOSO E SOME NA ESCURIDÃO.
ELA VOLTA PARA O CARRO E SE VOLTA PARA UM ÚLTIMO ADEUS. O DISCO AINDA NÃO PARTIU E FICA FLUTUANDO SERENAMENTE SOBRE O MAR. DE REPENTE O RAIO DE LUZ RESSURGE NA AREIA
.
CLOSE NO ROSTO DE LETÍCIA.
LETÍCIA SENTE O CORAÇÃO APERTAR DE ANSIEDADE E ESPERANÇA.
PLANO MÉDIO
DANIEL RESURGE NA PRAIA E CAMINHA EM DIREÇÃO A ELA.
CLOSE NO ROSTO DE LETÍCIA. EXPRESSÃO DE SURPRESA E INCREDULIDADE QUE SE DESARMA NUM SORRISO INSEGURO.
PLANO MÉDIO.
DANIEL SE APROXIMA RAPIDAMENTE E A ABRAÇA.
Letícia - O que houve?
Daniel - Não posso. Não consegui.
CLOSE EM LETÍCIA. ELA DEMORA UMA FRAÇÃO DE SEGUNDOS PARA ENTENDER O SENTIDO DA FRASE. FICA ZANGADA.
Letícia - Não brinque comigo.
PLANO MÉDIO
Daniel: - Não estou brincando. Dentro do disco percebi que o meu mundo é você... E nosso filho. Como poderia deixá-los?
LETÍCIA O ABRAÇA COM FORÇA. ELES SE VOLTAM PARA O DISCO.
PLANO ABERTO
O DISCO SE ELEVA LENTAMENTE A PRINCÍPIO. DEPOIS GANHA VELOCIDADADE E SOME NO CÉU.
PLANO MÉDIO
DANIEL ABRAÇA LETÍCIA. E AMBOS SE ENCAMINHAM PARA O CARRO.
Daniel - Acabou.
Letícia - De verdade?
Daniel - Sim. A minha busca terminou. Agora tenho uma nova missão.
Letícia Nova missão?
Daniel Sim. Cuidar de você e nosso bebê, que ainda vai nascer.
LETÍCIA SORRI FELIZ E O BEIJA. ELES ENTRAM NO CARRO E SE BEIJAM NOVAMENTE. DANIEL LIGA O CARRO E SE AFASTA LENTAMENTE DA PRAIA.
PLANO ABERTO. CÉU ESTRELADO.
FADE OUT
.
CENA 42
PLANO MÉDIO. DANIEL E PAULO CONVERSAM NUMA MESA DE BAR.
LETREIRO INDICATIVO DE PASSAGEM DO TEMPO: “ALGUNS MESES DEPOIS...”
Paulo - Essa é a história mais incrível que já presenciei. E nem posso escrever sobre ela. Bem... Como você se sente, depois de ter desistido do grande sonho?
Daniel - Bem. Tenho outros sonhos a buscar agora.
Paulo - Imagino. Salvar essa humanidade mesquinha e miserável é uma missão e tanto, mesmo para você.
Daniel - Não estarei sozinho. Em breve uma multidão perceberá a enrascada e se juntará a mim. E assim, outros virão.
Paulo - Como você pode ter tanta certeza?
Daniel - Viu o noticiário hoje?
Paulo - Sim. E daí?
Daniel - Nenhuma notícia lhe chamou a atenção?
Paulo - Não, nada.
Daniel - Não mesmo?
CLOSE NO ROSTO DE PAULO, PENSANDO.
Paulo - Pensando bem, uma coisa me chamou atenção, sim.
PLANO MÉDIO
Daniel - E o que seria?
Paulo - Uma notícia sobre a diminuição da taxa de fecundidade no mundo. Imagina que tem países em que a população está diminuindo. Você imagina que a China e a Índia pararam subitamente de crescer. Parece que não nasceu ninguém nesses países nos últimos dias.
Daniel - Sim. Isso não lhe diz nada?
Paulo -O quê?
Daniel - O processo de extinção da humanidade já começou.
Paulo - Puta que pariu! Não é que é mesmo? Sabe, quando você falou em extinção da humanidade, eu imaginei um ataque nuclear, ou coisa assim. Algo que levasse à destruição em massa.
Daniel -Isso não seria muito lógico. Destruiria o planeta também. Em breve, nossos bravos cientistas e líderes mundiais perceberão o que está acontecendo.
DANIEL ENCHE O SEU COPO E O ERGUE PROPONDO UM BRINDE A PAULO.
Daniel -Ao futuro da humanidade.
Paulo - Ou a ausência dele.
CLOSE NOS COPOS QUE SE TOCAM. FREEZE.
FIM
Sob o Olhar das Estrelas
CENA 01
Plano médio
PRAIA DESERTA, Á NOITE. UM CASAL OBSERVA AS ESTRELAS, ATRAVÈS DE UMA LUNETA. A MULHER ESTÀ ABORRECIDA E QUER IR EMBORA.
Letícia -Pô, Daniel! Até quando você vai querer ficar aqui, olhando pra cima?
Daniel -Só mais um pouco, tá?
Letícia -Nós já estamos aqui há três horas. Você não cansa disso?
Daniel -Eu pensei que estivesse gostando.
Letícia -Uma vez ou outra até que é divertido. Mas você só pensa nisso. Afinal de contas, por que você tem tanto interesse em disco-voador?
Daniel -Porque uma coisa muito estranha aconteceu comigo, anos atrás.
Letícia -Que coisa?
Daniel -Quando eu era criança – tinha uns quatro ou cinco anos – fiquei perdido no mato que existia atrás do orfanato onde eu morava. Era final de tarde, e eu não conseguia achar a trilha que me levaria de volta. Quando a noite chegou, eu fiquei apavorado e comecei a chorar. Então surgiram algumas bolas de luzes, não sei de onde. Eram coloridas e pulsavam suavemente, como se quisesse me acalmar. Aí, surgiram vozes em minha cabeça. Elas falavam que me levariam para casa. As vozes foram conversando comigo o tempo todo. Diziam que eram visitantes de outro mundo, e um dia voltariam para levar-me para um passeio pelas estrelas. Eu nunca esqueci disso, mas às vezes acho que foi tudo um sonho.
Letícia -deve ter sido. Que coisa mais arrepiante! Agora, podemos ir embora?
Daniel -Só mais pouquinho.
Letícia -E eu pesando que a gente ia namorar...
Daniel -Mas a gente tá namorando, não tá?
Letícia -De que jeito? Com você grudado nessa coisa, olhando pro céu?
Daniel -Espere um pouco. Nós já vamos.
Letícia -De jeito nenhum! Se você não quer ir embora, eu vou sozinha. Cansei desta besteira!
CORTE. PLANO ABERTO. LETÍCIA VOLTA PARA O CARRO, FURIOSA. CORTE.
PLANO MÉDIO. DANIEL FECHA O TRIPÉ DA LUNETA E SAI CORRENDO ATRÁS DELA.
Daniel -Ei! Espere aí! Pô, que saco!
Letícia -Vá pro diabo!
Daniel -Tá bom, Tá bom! Desculpe, vai.
Letícia -Só depois que você guardar essa porcaria.
Daniel -Tá certo!...Pronto! Não vamos mais brigar, tá bem?
Letícia -Tá.
Daniel -Então, entra no carro.
CORTE
CENA 02
PLANO FECHADO. LETÍCIA JÁ DENTRO DO CARRO
Letícia -Vamos embora?
Daniel -Ainda... Não!
Letícia -Hum! Pra que essa boca tão grande, seu lobo?
Daniel -Adivinha, Chapeuzinho.
Letícia -Uau!
DANIEL E LETÍCIA SE BEIJAM. FADE OUT.
CENA 03
EXTERIOR DO CARRO. PLANO ABERTO NO CÉU ESTRELADO. UM RISCO LUMINOSO CORTA O CÉU.
CENA 04
PLANO ABERTO
RUA DE UM BAIRRO RESIDENCIAL, PELA MANHÃ. CORTE.
CENA 05
PLANO MÉDIO.
INTERIOR DE UMA RESIDÊNCIA. LETÍCIA TOMA CAFÉ COM A MÃE, QUE A INTERPELA SOBRE O SEU CASAMENTO.
Dona Aurora -Então... Já marcaram a data?
Letícia -que data, mãe?
Dona Aurora -Como que data? A do seu casamento é claro.
Letícia -Não deu tempo.
Dona Aurora -Não deu tempo? O que vocês estavam fazendo?
Letícia (Suspirando) -Vendo estrelas, literalmente.
Dona Aurora -Daniel continua com aquela mania de caçar disco-voador?
Letícia -Infelizmente!
Dona Aurora -Ô, minha filha. Você não poderia ter se apaixonado por um homem normal? Tinha que ser aquele lunático?
Letícia -mamãe!
Dona Aurora -Tô falando alguma mentira? Você vive correndo atrás de Daniel o tempo todo. E o que ele faz? Sai por aí, procurando disco-voador. Tenha a santa paciência!
Letícia -Chega, mamãe!É melhor eu ir trabalhar.
Dona Aurora -Tá certo. Eu não falo mais nada. Você nunca me ouve, mesmo.
Letícia -Tchau.
CORTE. PLANO FECHADO EM DONA AURORA
Dona Aurora -Vai com Deus.
CORTE
CENA 06
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DE UMA REPARTIÇÃO, NA HORA DO CAFEZINHO. ALGUMAS PESSOAS CONVERSAM EM UM PEQUENO GRUPO. DANIEL ENTRA NA SALA.
Fábio -Chegou o caçador de ET.
Andrade -Como é que é Daniel? Já conseguiu um contato de 3o grau com algum “drag-queen” marciana?
Daniel -Para isso, eu não preciso sair desse escritório.
Prudêncio -Calma, Daniel. Foi apenas uma brincadeira.
Daniel -Eles que cuidem de suas vidinhas medíocres e me deixem em paz.
Fabio -Otário!
Prudêncio -Venha Daniel.
PRUDÊNCIO LEVA DANIEL PARA SUA SALA. CORTE
CENA 07
PLANO MÉDIO. SALA DE PRUDÊNCIO
Daniel -Por que esses imbecis insistem em fazer de mim o alvo de suas piadinhas idiotas?
Prudêncio -Ah! Não leve isso a sério. Foi apenas uma brincadeira.
Daniel -Brincadeiras freqüentes que me agridem.
Prudêncio -Desculpe lhe falar assim, Daniel. Mas, infelizmente, você mesmo tem procurado essa situação, com essa obsessão por discos-voadores. Prá não falar de outras manias estranhas.
Daniel -Minhas manias não prejudicam ninguém. Por que não me deixam em paz?
Prudêncio -Porque você é diferente, talvez. As pessoas têm dificuldade de aceitar qualquer comportamento que não lhes pareça “normal”.
Daniel -Que absurdo!
Prudêncio -Talvez, mas você pode evitar esses aborrecimentos deixando de se expor abertamente. Evite atitudes que possam parecer estranhas. Afinal, ninguém precisa saber o que você faz nos momentos de folgas.
Daniel -Tá certo. Bom... Até mais tarde.
Prudêncio -Até.
CENA 08
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DE TRABALHO DE LETÍCIA. ELA TENTA SE CONCENTRAR NO SERVIÇO, MAS NÃO CONSEGUE. ESTÁ PREOCUPADA COM A SITUAÇÃO INDEFINIDA DO SEU CASAMENTO. O TELEFONE TOCA.
Letícia -Alô?
Daniel -Oi, querida.
Letícia -Oi... O que você quer?
Daniel -Puxa! Cheguei a ficar com a orelha gelada. Você está bem?
Letícia -Desculpe. Estou um pouco aborrecida, hoje.
Daniel -Que tal nós almoçarmos juntos?
Letícia -Olha Daniel... Acho que nós precisamos conversar, mas esse convite não chegou numa boa hora.
Daniel -Meu dia também não está sendo fácil. Eu gostaria de ver você.
Letícia -Está bem. No mesmo lugar?
Daniel -Sim. Ás 12h30min, está bem?
Letícia -Tá.
Daniel -Um beijo.
Letícia -Outro.
CENA 09
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DA REPARTIÇÃO ONDE DANIEL TRABALHA. OS COLEGAS, COM OS QUAIS ELE DISCUTIU, VOLTAM A TECER COMENTÁRIOS JOCOSOS A SEU RESPEITO.
Prudêncio -Alguém viu o Daniel?
Fábio -Deve estar longe... Talvez no mundo da lua.
Andrade -Ou em algum lugar, onde o homem jamais esteve.
Prudêncio -É melhor pararem com isso, antes que a coisa engrosse.
Fábio -Ora, o que você quer? O sujeito é todo esquisito, não se mistura com ninguém...
Andrade -Ainda por cima quer dar uma de gostoso!
Prudêncio -Deixem-no em paz. Ele pode ser estranho, mas não faz mal a ninguém.
Fábio -Lembram daquela vez em que foi apresentada a planta do novo prédio? Ele corrigiu um erro do engenheiro na frente de todo mundo.
Andrade -Como é que um sujeito, que tem apenas o segundo-grau, pode entender de cálculo estrutural?
Fábio -Muito estranho...
Andrade -Outro dia, ele estava lendo um livro. Eu fique curioso e perguntei qual era o titulo.
Prudêncio -E daí? Muita gente gosta de ler.
Andrade -Só que era um tratado de física quântica.
Prudêncio -Isso não tem nada demais. Muita gente aprende matemática apenas porque possui uma aptidão natural para isso. Por que não física?
Andrade -Talvez você não veja nada de estranho nisso, mas o livro era em alemão.
Fábio -Muito estranho... Agora eu lembro que, outro dia, ele me deu uma caneta quando eu estava no telefone e precisei fazer uma anotação.
Prudêncio -E o que tem isso?
Fábio -Eu não pedi a caneta apenas pensei nela.
Prudêncio -Vocês estão com a imaginação muito fértil. Daqui a pouco vão começar a dizer que o coitado tem orelhas pontudas.
Andrade -Não vai demorar muito para a Enterprise vir buscar o sujeito.
Fábio -Isso é absolutamente ilógico.
Prudêncio -Chega de conversa mole! Vão trabalhar, ou desintegro vocês.
FÁBIO E ANDRADE VÃO PARA SUAS MESAS. A CENA FINALIZA COM A EXPRESSÃO PENSATIVA DE PRUDÊNCIO EM CLOSE.
CENA 10
PLANO MÉDIO. FACHADA DE UM RESTAURANTE
CENA 11
PLANO MÉDIO. INTERIOR DO RESTAURANTE. DANIEL E LETÍCIA CONVERSAM, DURANTE O ALMOÇO.
Letícia -Você parecia um pouco ansioso, no telefone. Aconteceu uma coisa?
Daniel -Tive um aborrecimento no escritório. Esqueça... Não foi nada.
Letícia -O que aconteceu?
Daniel -Nada. Alguns colegas se achavam no direito de fazer piadas a meu respeito e eu cometi o erro de ficar irritado. Só isso.
Letícia -Está tudo bem, mesmo?
Daniel -Sim. Vamos esquecer o assunto. O tempo é curto e eu quero aproveitá-lo com você.
Letícia -Pelo menos isso.
Daniel -Agora é você que parece aborrecida.
FADE OUT
CENA 12
PLANO ABERTO. NOITE DE CÉU ESTRELADO. UMA ESTRELA CADENTE DEIXA UM EFÊMERO RASTRO LUMINOSO.
CENA 13
PLANO MÉDIO. INTERIOR DE UM BAR DE SINUCA. UM GARÇOM PASSA COM UMA BANDEJA ENTRE OS FREQUENTADORES. CLOSE EM UMA MESA DE SINUCA DURANTE UMA TACADA. DANIEL E PRUDÊNCIO CONVERSAM, ENQUANTO JOGAM.
Prudêncio -E então... Você já pensou a respeito do que eu lhe falei?
Daniel -Sim... Acho que você tem razão. As pessoas têm uma tendência rejeitar qualquer atitude que não corresponda ao padrão de comportamento considerado normal.
Prudêncio -E o que pretende fazer a respeito?
Daniel -Eu nunca tive a intenção de provocar polêmicas, ou incomodar as pessoas com o meu modo de ser. Jamais pensei que estivesse agredindo os outros por ser um...
Prudêncio -Excêntrico!
Daniel -(...) Um pouco diferente. Vou procurar conter algumas atitudes, principalmente em público. Em outras palavras... Vou esforçar-me para, pelo menos, parecer um sujeito “normal”.
Prudêncio -Sem dúvida, é uma atitude prudente. Ela vai lhe evitar aborrecimentos desnecessários. Agora... Quero ver você sair dessa.
PRUDÊNCIO DÄ UMA SINUCA EM DANIEL. ELE OBSERVA POR UM MOMENTO, DEPOIS DÁ UMA TACADA PERFEITA, TABELANDO NOS CANTOS DA MESA.
Prudêncio -Como fez isso?
Daniel -Raciocínio espacial.
Prudêncio -Acho que você precisa compreender melhor o que significa “normal”.
Daniel -Qualquer um pode fazer isso... Eu acho.
Prudêncio -É... Qualquer um, que seja o Rui Chapéu, ou um maluco como você. Não acredito, perdi de novo!
Daniel -Acontece. Vamos tomar uma cerveja prá esquecer a mágoa.
Prudêncio -É melhor mesmo. Garçom!
O GARÇOM TRAZ A CERVEJA E ELES BRINDAM.
Prudêncio -Sabe de uma coisa? Até que, para um lunático, você é um cara legal.
Daniel -Será que isso foi um elogio?
Prudêncio -Sim, mas não vai ficar mal acostumado. Agora me diz como é que um sujeito com tanto potencial, se limita a ser um funcionário público medíocre e se envolve numa atividade maluca de caçar OVNIS nas horas vagas?
Daniel -É uma longa história.
Prudêncio -Temos a noite toda.
Daniel -Outro dia. Hoje eu estou treinando para ser um cara normal, esqueceu?
Prudêncio -Está bem. Mas você fica me devendo, OK?
ANTES QUE DANIEL RESPONDA, SUA ATENÇÀO É DESVIADA PARA O NOTICIÁRIO DA TELEVISÃO, SUSPENSA NA PAREDE ATRÁS DO BALCÃO.
Locutor TV -Um disco-voador apareceu ontem em uma praia de Florianópolis. As imagens que estamos mostrando foram feitas por um turista que estava hospedado no hotel que fica próximo ao local onde o OVNI foi visto. Várias pessoas testemunharam o acontecimento.
Testemunha (inserida no noticiário): Eu vi quando ele apareceu de repente em cima do morro, passou por cima do hotel e sumiu atrás das dunas.
Daniel -Acho que vou conhecer Florianópolis.
Prudêncio -Você vai atrás dessa história maluca?
Daniel -Preciso tirar isso a limpo.
Prudêncio -Quando você vai?
Daniel -Agora. Se dirigir a noite inteira e dormir pela manhã, estarei lá à noite.
Prudêncio -Mas... E o seu trabalho?
Daniel -Eu vou faltar amanhã. Não tem outro jeito. Agora preciso ir. Garçom?
Prudêncio -Deixe isso comigo. Eu acho uma loucura, mas se tem que ir...
Daniel -Obrigado.
DANIEL SAI APRESSADO. PLANO FECHADO EM PRUDÊNCIO.
Prudêncio -Que loucura!
CORTE
CENA 14
PLANO MÉDIO. INTERIOR DA CASA DE LETÍCIA. ELA CONVERSA COM MÃE NA SALA SOBRE A DISPOSIÇÃO DE DANIEL EM, FINALMENTE, ASSUMIR O COMPROMISSO DE CASAMENTO.
Dona Aurora -Ah! Minha filha. Eu só acredito vendo!
Letícia -Bem... Daqui as duas semanas nós vamos ver se ele estava falando sério.
Dona Aurora -Pois sim! Quando chegar o dia, ele vai atrás de um disco-voador e você fica aí, a ver navios.
Letícia -Não é tão ruim assim.
Dona Aurora -Claro que não...!Vocês, jovens, não têm nenhuma preocupação em fazer as coisas direito. No meu tempo, não tinha essa história de amizade colorida. Tinha que casar direitinho. No padre e no papel.
Letícia -Tá bom, mamãe.
A CENA FINALIZA COM CLOSE NO ROSTO DE LETICIA.
CENA 15
PLANO MÉDIO. TARDE DA NOITE. DANIEL CHEGA AO HOTEL MENCIONADO NA REPORTAGEM SOBRE O APARECIMENTO DO DISCO-VOADOR. AO REGISTRAR-SE ENCONTRA PAULO BOTELHO, UM COMPANHEIRO EVENTUAL EM SUAS AVENTURAS COMO CAÇADOR DE OVNIS.
Paulo -Eu sabia que ia encontrar você aqui!
Daniel -Paulo! Como vai você?
Paulo -Vou bem, mas espero ficar melhor, se o ETs resolverem aparecer de novo.
Daniel -Você já está aqui há muito tempo?
Paulo -Cheguei há algumas horas atrás. Rapaz!Você teve muita sorte em conseguir um apartamento vago. O hotel está lotado.
Daniel -Parece que muita gente acabou tendo a mesma idéia.
Paulo -Sim, esse tipo de coisa sempre desperta certo fascínio nas pessoas. Menos para você, não é?
Daniel -Como assim?
Paulo -Você é diferente. As pessoas que estão aqui são do mesmo tipo das que sempre encontramos nessas ocasiões: histéricos, curiosos, alguns pesquisadores sérios, um punhado de malucos e, outros que precisam de um pretexto para fugir de suas vidinhas enfadonhas. Você não se enquadra em nenhuma dessas categorias.
Daniel -Ora! Eu sou um pesquisador, como você.
Paulo -Não, você é mais do que isso.
Daniel -O que você quer dizer?
Paulo -Para você, o assunto é vital. Há algo de estranho em você.
Daniel -Não compreendo.
Paulo -Eu também não. Por favor, não se aborreça. O que percebo é algo intuitivo e não consigo descrever com palavras. Agora chega de conversa mole! Vou deixá-lo instalar-se e, depois, vamos até o ponto de observação que escolhi.
Daniel -Está bem.
Paulo -Perfeito! Encontramo-nos aqui em uma hora.
CENA 16
PLANO MÉDIO. CINCO HORAS DA MANHÃ. DANIEL E PAULO ESTÃO NO ALTO DE UMA DUNA, NA PRAIA DA JOAQUINA.
Daniel -O dia já está clareando.
Paulo -Ë... Parece que passamos a noite acordados de graça.
Daniel -Não é a primeira vez. Já somos calejados demais para ficarmos decepcionados.
Paulo -Ë verdade. Mais desta vez, eu tenho a impressão que fizemos papel de otários.
Daniel -Do que você está falando?
Paulo -De algo que me ocorreu já no início da noite. Não falei nada a você porque não tinha certeza.
Daniel -Desembucha de uma vez.
Paulo -Logo depois que eu cheguei ao hotel tentei encontrar algumas das pessoas que haviam presenciado a aparição do disco-voador.
Daniel -E daí?
Paulo -Daí que não encontrei ninguém. Nem mesmo entre os funcionários do hotel. Ninguém sabia de nada. Não é estranho?
Daniel -Você acha que foi tudo uma armação?
Paulo -É possível. A imagem na televisão estava tremida e desfocada.
Daniel -É verdade. Além disso, não havia nenhum ponto de referência que permitisse ter uma noção das dimensões do disco. Eu estava tão ansioso, que não parei para pensar sobre as imagens que estava vendo.
Paulo -Mas quem faria uma coisa dessas?
Daniel -É uma boa pergunta. Agora que pensamos nisso, estou achando muito conveniente a aparição de um disco-voador numa região turística, fora da temporada.
Paulo -Faz sentido. Se foi uma fraude, resta saber como ela foi feita.
Daniel -Qualquer adolescente poderia fazer isso, com uma maquete e uma câmara.
Paulo -Mas... E as testemunhas?
Daniel -Considerando que elas desapareceram, suas declarações eram tão falsas quanto as imagens que vimos.
Paulo -Que filhos da mãe!
Daniel -Não adianta esquentar com isso. Vamos dormir que é melhor.
Paulo -Tá certo. Vamos levar essa tralha de volta ao hotel e cair na cama.
DANIEL E PAULO COMEÇAM A DESCER AS DUNAS, ENQUANTO O BRILHO DIFUSO DO SOL NASCENDO ILUMINAVA ALGO FLUTUANDO NA CURVA DO HORIZONTE QUE APARECIA SOBRE SEUS OMBROS.
FADE OUT
CENA 17
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DA REPARTIÇÃO ONDE DANIEL TRABALHA. O TELEFONE TOCA NA MESA DE PRUDÊNCIO. É LETÍCIA, PROCURANDO POR DANIEL.
Letícia -Prudêncio?
Prudêncio -Pois não?
Letícia -Prudêncio, é Letícia.
Prudêncio -Oi, Letícia. Como vai você?
Letícia -Vou bem, obrigada. Eu estou tentando falar com Daniel, mas o ramal de sua sala não está atendendo.
Prudêncio -Daniel não veio trabalhar. Ele viajou para Florianópolis.
Letícia -Para Florianópolis? O que ele foi fazer lá?
Prudêncio -Você viu o noticiário, ontem à noite?
Letícia -Vi... Não me diga que ele foi atrás de outro disco-voador?
Prudêncio -Foi.
Letícia -Eu pedi prá você não me dizer... Puxa! Ele não se preocupou, nem ao menos, em me avisar.
Prudêncio -Nós estávamos no bar, jogando bilhar, quando a notícia saiu na televisão. Mal ouviu, Daniel saiu correndo.
Letícia -Eu pensei que essa loucura estivesse no fim.
Prudêncio -Talvez esteja. Apesar da ansiedade, ele parecia diferente.
Letícia -Com assim?
Prudêncio -Daniel parecia cansado dos aborrecimentos causado por essa sua mania por ufologia.
Letícia -Espero que você esteja certo, porque eu também já não estou agüentando mais. Desculpe incomodar você.
Prudêncio -Não foi incômodo nenhum.
Letícia -Obrigada. Tchau!
Prudêncio -Até logo.
FÁBIO ENTRA NA SALA DE PRUDÊNCIO, FURIOSO COM A DEMORA DE DANIEL EM APRESENTAR UM RELATÓRIO.
Fábio -Assim não dá, Prudêncio!
Prudêncio -Assim não dá o quê?
Fábio -Eu preciso fazer a conciliação dos relatórios de atividades e ainda não recebi o de Daniel. Onde está aquele maluco?
Prudêncio -Ele não pode vir devido a um problema pessoal. Mas sei que o seu relatório já esta pronto. Verificou na mesa dele?
Fábio -Já. Lá não tem nada.
Prudêncio -Talvez ele não tenha imprimido. Deixe-me verificar o arquivo no computador.
PRUDÊNCIO CONSULTA O ARQUIVO DE DANIEL NO COMPUTADOR.
Prudêncio -Aqui está, prontinho como eu falei. Agora é só você voltar à sua sala e imprimir.
Fábio -Eu?
Prudêncio -Você está vendo alguma impressora aqui?
Fábio -Desse jeito, vou acabar fazendo o relatório dele.
Prudêncio -Eventualmente, isso pode acontecer. O que há com você? Não é a primeira vez que cobrimos a ausência de um colega.
Fábio -Ausência motivada por doença, problemas familiares. Motivo de extrema necessidade. Não por delírio de origem extraterrestre.
Prudêncio -Não exagere. Daniel não costuma faltar, e seu trabalho é limpo e bem feito.
Fábio -Está bem! Não está mais aqui, quem falou.
Prudêncio -Ötimo!
FÁBIO SAI DA SALA DE PRUDÊNCIO
.
CENA 18.
PLANO MÉDIO. AMBIENTE DE ESCRITÓRIO. LETÍCIA ESTÁ PASSANDO INSTRUÇÕES PARA UMA COLEGA.
Letícia -Estes dados já estão revisados e prontos para serem digitados.
Ana -Está bem. Você já fez aquelas alterações que o cliente pediu?
Letícia -Já. Estão escritas em caneta vermelha.
Ana -Tá certo. Vou providenciar.
O TELEFONE TOCA.
Letícia -Espere um instante. Alô?
Daniel -Lê, é você?
Letícia -Daniel? Onde você está?
Daniel -Em Florianópolis. Eu...
Letícia -Eu já sei. Você foi atrás daquela história que saiu no noticiário.
Daniel -Fui. Desculpe não ter avisado você.
Letícia -Podia ter me telefonado, pelo menos.
Daniel -Eu liguei para sua casa, mas ninguém atendeu ao telefone.
Letícia -Está bem. Conseguiu ver alguma coisa?
Daniel -Não. A história toda era uma fraude.
Letícia -Quando você volta?
Daniel -Amanhã à noite estarei aí. Agora preciso ir. Um beijo.
Letícia -Outro
.
LETÍCIA PÕE O FONE NO GANCHO E SE VOLTA PARA A COLEGA DE TRABALHO.
Letícia: - Onde a gente tava mesmo?
Colega: -Nas alterações.
Letícia: -Ah! É mesmo.
CORTE.
CENA 19
PLANO MÉDIO. INTERIOR DE UM QUARTO DE HOTEL. PAULO ENTRA NO APARTAMENTO DE DANIEL.
Paulo -Você tinha razão. Tem uma maquete escondida no almoxarifado.
Daniel -Como você descobriu?
Paulo -Do modo usual. Subornei um funcionário que está em processo de demissão.
Daniel -Precisamos tirar uma foto.
Paulo -Já tirei. Sempre carrego uma dessas maquininhas digitais comigo.
Daniel -Então só falta avisar a imprensa.
Paulo -Ë isso aí!
CENA 20
PLANO MÉDIO.LETÍCIA CHEGA EM SUA CASA NA HORA DO JANTAR. QUANDO ELA ABRE A PORTA, SUA MÃE A CHAMA, AGITADA.
Dona Aurora -Letícia, venha aqui, depressa!
Letícia -O que foi?
Dona Aurora -O seu noivo maluco está na televisão.
Letícia -O quê?
Dona Aurora -Schh...
Locutor da tv -A fraude foi descoberta por Daniel Paiva e Paulo Botelho, da Associação brasileira de Ufologia. Segundo os pesquisadores, para produzir as imagens de um disco-voador, o gerente do hotel utilizou uma maquete suspensa por um fio de nylon atado à postes fixados no cume de duas dunas de areia. O movimento do OVNI foi simulado pela diferença de nível entre cada ponto onde o fio estava atado, o qual não era percebido em razão da escuridão e da distância, como demonstra esta simulação.
Dona Aurora -Desta vez, pelo menos, o seu noivo lunático fez alguma coisa de útil, com a sua mania.
Letícia -Dá um tempo, mamãe. Isso deve ter sido uma grande decepção para ele.
Dona Aurora -Para mim, também. Eu estava torcendo que aparecesse uma nave espacial e carregasse aquele doido para bem longe de você.
Letícia -Como você está ficando venenosa, hein?
Dona Aurora -Pudera! Você já está ficando parecida com ele. Fico imaginando os netos que vou ter: criaturinhas verdes com antenas, flutuando pela casa.
A CENA FINALIZA COM UM CLOSE NO ROSTO ABORRECIDO DE LETÍCIA.
CENA 21
PLANO ABERTO. NOITE ESTRELADA. EM UM LOCAL DESRTO, UM OBJETO LUMINOSO CORTA A ESCURIDÃO DA NOITE, FAZ ALGUMAS EVOLUÇÕES E DEPOIS DESAPARECE RAPIDAMENTE.
CENA 22
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DA REPARTIÇÃO ONDE TRABALHA DANIEL. OS COLEGAS DELE COMENTAM O SEU APARECIMENTO NO NOTÍCIÁRIO.
Andrade -O caçador de ET virou uma celebridade.
Fábio -Depois dessa, acho que aquele boçal vai acabar se tornando mais um funcionário fantasma aqui dentro.
Andrade -Ou vai arrumar para ficar à disposição de algum departamento de assuntos esotéricos.
PRUDÊNCIO SE APROXIMA.
Fábio -Perigo. Criatura hostil se aproximando.
Prudêncio -Muito engraçado! As meninas estão precisando de algum estímulo especial para trabalhar?
Andrade -Já que tocou no assunto, nós gostaríamos de ver aquele nosso outro colega trabalhando, também.
Fábio -Ë... Seria tão inspirador!
Andrade -A menos, é claro, que ele esteja ocupado demais para isso.
Prudêncio - ‘‘Aquele nosso outro colega’’ vai ter suas faltas descontadas no salário. Além disso, poderá pegar uma suspensão, se o fato se repetir. Exatamente a mesma punição que vocês terão, caso não sentem em suas mesas.
FÁBIO E ANDRADE RESPONDE EM CÔRO: Imediatamente, amo e senhor!
CORTE
CENA 23
PLANO MÉDIO. DANIEL CHEGA À CASA DE LETÍCIA APÓS RETORNAR DE FLORIANÓPOLIS.
Daniel -Oi! Lembra de mim?
Letícia -Vagamente... O senhor é um vendedor de enciclopédia?
Daniel -Não, sou da agência de acompanhantes. Acho que bati no apartamento errado.
Letícia -Entra, seu bobo!
DONA AURORA ENTRA NA SALA
Dona Aurora -Ora, ora! Mas que surpresa encantadora! O noivo aparece. O que aconteceu? Ficou sem gasolina em marte?
Letícia -Mamãe!
Daniel -Minha querida sogra! Tão doce e gentil, quando um elefante com caxumba. Estava com saudades de você.
Letícia -Nós vimos o que aconteceu pela televisão. Você deve estar muito decepcionado.
Dona Aurora -Pois sim! Lunáticos não se decepcionam.
Letícia -mamãe! Por favor.
Dona Aurora -Está bem. Não esta aqui quem falou. Já fui!
DONA AURORA SAI DA SALA.
Letícia -O que aconteceu em Florianópolis?
Daniel -Aquilo que você viu na televisão. Um golpe publicitário do hotel, querendo movimentar a baixa temporada. De certa forma, eu já esperava algo assim. Seria bom demais se fosse verdade.
Letícia -Você parece estar desistindo.
Daniel -Estou começando a concordar com os que me consideram um maluco
Letícia -Isso é bobagem. Você sempre foi um pesquisador sério e respeitado. Um tanto obsessivo, mas isso não faz de você um maluco.
Daniel -De qualquer modo, eu acho que já estou pagando um preço muito alto por um sonho. Foram muitos anos de dedicação, investigando indícios, historias... Sem conseguir comprovar, uma única vez, que não estamos sozinhos no universo. Ou que tenhamos recebido, em algum momento, a visita de sêres de outro planeta.
Letícia -O que você pretende fazer, agora?
Daniel -Quanto a isso, ainda não sei. Quanto à minha vida, acho que andei ausente dela por tempo demais. Ë hora de pensar naquela casinha, que você tanto sonha.
Letícia -Bem vindo ao mundo real, mas você esqueceu outra parte do meu sonho.
Daniel -Que parte?
Letícia -As crianças.
Daniel -Não esqueci, não. Não verdade, tenho pensado muito nelas... ultimamente.
DANIEL AGARRA LETÍCIA
Letícia -Não me olhe assim... Pára seu maluco! Mamãe vai nos ouvir...
Daniel -E daí? Ela já está bem grandinha.
DANIEL E LETÍCIA SE BEIJAM, ENQUANTO LÁ FORA, UM OVNI PAIRA SILENCIOSAMENTE A GRANDE ALTURA, SOBRE O PRÉDIO DO APARTAMENTO DELA.
CORTE
.
CENA 24
PLANO MÉDIO. ESCRITÓRIO DA REPARTIÇÃO ONDE DANIEL TRABALHA. PRUDÊNCIO LHE DÁ UMA ADVERTÊNCIA PELOS DIAS EM QUE FALTOU AO TRABALHO.
Prudêncio -Eu sinto muito, mais tenho que seguir o regulamento. Não posso aceitar como justificativa o motivo de sua viagem à Florianópolis.
Daniel - Está tudo bem. Eu não pediria que me tratasse de modo diferente.
Prudêncio - Eu sei que não. Você é um funcionário exemplar, mas muito visado por seus colegas de trabalho. Procure evitar situações de confronto, principalmente agora, que existe um cargo de chefia vago, com a aposentadoria do Menezes.
Daniel -Eu estou sendo cogitado para o cargo?
Prudêncio -Sim. Você e Fábio. Bem... Creio que é melhor você voltar ao trabalho.
Daniel -Sim. Desculpe os aborrecimentos que lhe causei e obrigado por tudo.
Prudêncio -Tolice. Isso faz parte do meu trabalho.
Daniel - Mesmo assim obrigado.
DANIEL SAI DA SALA DE PRUDÊNCIO. CORTE.
CENA 25
PLANO MÉDIO. NOITE. APARTAMENTO DE LETÍCIA. ELA PREPARA O VESTIDO DE NOIVA, COM AJUDA DE DONA AURORA.
Dona Aurora -Espero que este trabalho todo compense.
Letícia -Por mim, não teria essa bobagem de “casar de branco”. Era só juntar as escovas de dente.
Dona Aurora -O mal de vocês é que não respeitam a tradição. Acham que sabem tudo e depois não compreendem porque algo não deu certo.
Letícia -Você é muito implicante. Acha que tá sempre certa...
Dona Aurora -E não estou sempre?
Letícia -Não, mamãe. Você pensa que está sempre certa, o que não é a mesma coisa.
Dona Aurora -Tá certo. Não vou discutir com você. Ë melhor terminar logo com isso e ir dormir, que o dia será cheio amanhã.
Letícia -Ë bom mesmo. Já tenho muito em que pensar.
Dona Aurora -Por falar nisso... o noivo não vem aqui, hoje?
Letícia -Tava demorando, né mãe? Ele tem algumas coisas para fazer e não virá.
Dona Aurora -Ah, Bom! Eu só perguntei por perguntar. Não precisa ficar toda espetada.
Letícia -Sei... Conheço você.
A CENA FINALIZA COM UM CLOSE EM DONA AURORA, QUE SE FAZ DE DESENTENDIDA.
CENA 26
PLANO MÉDIO. PRAIA DESERTA NA MESMA NOITE. DANIEL CONTEMPLA AS ESTRELAS. ELE NÃO USA A LUNETA. SUA ATITUDE É DE DESPEDIDA. ELE FALA CONSIGO MESMO.
TRANSIÇÃO PARA PLANO FECHADO NO ROSTO DE DANIEL.
Daniel -Como se despede de um sonho? Eu vivi tanto por isso e agora não sei o que fazer. Toda a minha vida foi em função desse sonho, e nem mesmo sei do que se trata. Apenas essa obsessão em ficar olhando para as estrelas a espera de um chamado que jamais virá. Que sonho louco tenho tido! O sonho de toda uma vida!
PLANO MÉDIO, SEGUINDO O OLHAR DO PERSONAGEM. DANIEL FIXA O OLHAR NA CONSTELAÇÃO DO CRUZEIRO DO SUL E PERCEBE QUE UMA ESTRELA PARECE MOVIMENTAR-SE E MUDAR DE TAMANHO. ELE ESFREGA OS OLHOS SEM ACREDITAR, ATÉ QUE A ESTRELA TOMA UMA FORMA QUE LEMBRA UM PRATO E SE APROXIMA SILENCIOSAMENTE DIANTE DELE. DANIEL FICA DE PÉ, OBSERVANDO O OVNI PAIRAR SOBRE ELE. SEU CORAÇÃO BATE FORTE E UMA ESTRANHA EMOÇÃO TOMA CONTA DE SI.
PLANO FECHADO
Daniel -Eles vieram, afinal!
PLANO MÉDIO
DE REPENTE, SEM QUE ELE PUDESSE ESBOÇAR QUALQUER REAÇÃO, É BANHADO POR UM FACHO DE LUZ E DESAPARECE.
CENA 27
DANIEL RECOBRA A CONSCIÊNCIA E PERCEBE QUE ESTÁ NO INTERIOR DO DISCO-VOADOR. O APOSENTO É CIRCULAR, E ELE ESTÁ DEITADO NO QUE PODIA SER UM DIVÃ. AINDA CONFUSO, LEVANTOU E SE APROXIMOU DE UMA JANELA DE ASPECTO OVAL, TOMANDO UM SUSTO AO VER O REFLEXO AZULADO DA TERRA PAIRANDO NO VAZIO ESCURO À SUA FRENTE. ELE SE EMOCIONA, QUANDO PERCEBE QUE O SEU MAIS DELIRANTE SONHO SE TORNOU REALIDADE.
REPENTINAMENTE, UMA PORTA SE ABRE E DOIS SERES, UM HOMEM E UMA MULHER VESTIDOS DE BRANCO, ENTRAM NO APOSENTO E SE APROXIMAM DELE. PARECIAM PESSOAS NORMAIS, E DANIEL NÃO PODE CONTER CERTO DESAPONTAMENTO.
Daniel -S-sim. Você fala minha língua!
Homem -Sim, e muitas outras. Bem... Vejamos... Eu me chamo Jan, e minha companheira é Sybil. Somos de Trix, um planeta localizado em uma galáxia ainda desconhecida pelos astrônomos deste planeta.
Sybil -Você parece desapontado com nosso aspecto físico.
Jan -Creio que ele esperava encontrar alguma criatura de pele escamosa e aspecto grotesco, estou certo?
Daniel -Bem... Na verdade, vocês não correspondem à imagem que fazemos de um ser de outro planeta.
Sybil -No universo existem muitos planetas cujos habitantes se parecem com a imagem popularizada em suas obras de ficção. Contudo, criaturas humanóides são mais comuns.
Jan -Sim. Estamos em quase todos os quadrantes do universo, com civilizações em diversos estágios de desenvolvimento. Alguns planetas, como a terra, encontram-se no limiar de uma nova era, ou a caminho da destruição. Nossa missão é avaliar a situação.
Daniel -Eu sempre soube que vocês viriam.
Sybil -Há algum tempo enviamos uma sonda robótica para procurar você.
Daniel -As luzes! As vozes que eu ouvia quando era criança. Tudo parecia ter sido Um sonho, mas era real. Por quê? O que seres de outro planeta estariam interessados numa criança da Terra?
Sybil -Não foi para submetê-lo a alguma experiência macabra, Como você deve estar imaginando. O motivo, na verdade, é bastante óbvio. Pelo menos para nós.
CORTE PARA ROSTO DE DANIEL, COM EXPRESSÃO INTERROGATIVA.
PLANO MÉDIO
Jan -Você é um dos nossos.
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL. A EXPRESSÃO É DE SURPRESA E INCREDULIDADE
Daniel -Um de vocês? Como assim?
CORTE PARA O ROSTO DE SYBIL
Sybil -Quando você era pouco mais que um bebê, seus pais estavam em missão neste quadrante da galáxia. Houve um acidente e a nave caiu neste planeta.
PLANO MÉDIO
Daniel -Um acidente?
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL. VEM À SUA MENTE FRAGMENTOS DE MEMÓRIA, COM IMAGENS DO INTERIOR DE UMA NAVE PREPARANDO UM POUSO FORÇADO.
PLANO MÉDIO
Jan -Sim. Você foi o único sobrevivente. A sonda era o meio mais rápido de garantir sua sobrevivência, pois só esse artefato poderia viajar com segurança através de um buraco de minhoca e vencer a enorme distância que separa Trix do planeta Terra, a tempo de encontrá-lo com vida.
Sybil -A sonda foi sua babá, vamos dizer assim, até você ser encontrado por humanos deste planeta.
Jan -Infelizmente a sonda parou de funcionar logo depois de você ser encontrado e, então, perdemos o principal instrumento para localizá-lo.
Sybil -Agora nós estamos aqui. Viemos buscá-lo.
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL, QUE ABANA A CABEÇA, INCRÉDULO.
Daniel: -Isso é inacreditável. Não sei o que pensar.
CORTE PARA O ROSTO DE JAN
Jan -Sei que é difícil de acreditar, mas você não é deste mundo.
CORTE PARA O ROSTO DE SYBIL
Sybil -Em algum momento de sua vida deve ter percebido que é diferente das pessoas que conhece.
Daniel -Sim. Eu sempre me senti um estranho no ninho. Por isso uma sensação incômoda de não pertencer a lugar nenhum sempre me acompanhou. Agora compreendo.
PLANO MÉDIO
Jan -Você sempre soube que nós viríamos buscá-lo. Este é o momento pelo qual você esperou a vida toda.
Daniel -Sim. Agora entendo minha obsessão por disco-voador. Mas... Para isso, teria que abandonar tudo? Minha vida na terra?
Sybil -Sim, de certa forma. Você voltará à terra, quando estiver preparado para sua missão. Viajar pelas estrelas sempre foi o seu sonho, não foi? Agora você pode torná-lo realidade.
Daniel -Não posso decidir uma coisa dessas assim. Preciso pensar.
Jan -A próxima janela para retornarmos à Trix é daqui a três dias, pelo seu calendário. Você tem esse prazo para decidir.
Daniel -Isso é uma loucura!
Jan -Na verdade você não tem muita escolha. A espécie humana deste planeta está sendo observada há muito tempo. A decisão ainda não foi tomada, mas provavelmente iniciaremos o processo de extinção dos homens da Terra antes de partirmos.
CORTE. CLOSE NO ROSTO DE DANIEL, QUE EXPRESSA O CHOQUE DAQUELA NOTÍCIA.
CORTE.
CENA 28
LETÍCIA ESTÁ DORMINDO E SONHA COM DANIEL. NÃO É UM SONHO BOM. ELES ESTÃO SE SEPARANDO POR ALGUM MOTIVO QUE ELA NÃO CONSEGUE COMPREENDER. IMAGENS SURGEM EM SUA MENTE. DANIEL PARECE DEIXÁ-LA E IR EM DIREÇÃO À UMA LUZ. LETÍCIA SE DESESPERA E FALA DURANTE O SONO
.
Letícia -Não!Não vá. Por favor... não me deixe.
A LUZ ENVOLVE DANIEL E ELA NÃO CONSEGUE MAIS VÊ-LO.
Letícia (Gritando, com efeito de eco) -Não!
LETÍCIA ACORDA SUANDO FRIO, ASSUSTADA.
Letícia -Mas que droga!
ELA OLHA PARA O RELÓGIO. SÃO 3:30H. AINDA IMPRESSIONADA COM O SONHO, ELA TENTA A VOLTAR A DORMIR.
FADE OUT
CENA 29
FADE IN
PLANO MÉDIO.MANHÃ DO DIA SEGUITE. DONA AURORA PREPARA O CAFÉ. LETÍCIA CHEGA NA COZINHA AINDA BOCEJANDO.
Letícia -Bom dia.
Dona Aurora -Bom dia. Nossa! Você tá parecendo uma alma penada.
Letícia (Bocejando) -Que noite horrorosa.
Dona Aurora -O que aconteceu? Não conseguiu dormir?
Letícia -Tive um pesadelo e perdi o sono de madrugada.
A CAMPAINHA DA PORTA TOCA E DONA AURORA VAI ATENDER.
Dona Aurora -Quem será o estrupício que bate na casa dos outros há essa hora? Ah! Ë o noivo.
DANIEL ENTRA TRAZENDO UM BUQUÊ DE FLORES.
Daniel -Oi, sogrinha. Não é hora de você voltar pro caixão? Já amanheceu.
Dona Aurora -Ainda falta o seu pescoço.
Letícia -Oi, amor. O que você tá fazendo aqui, tão cedo? Isso é para mim?
DANIEL ENTREGA O BUQUÊ DE FLORES PARA LETÍCIA
Letícia -Puxa! São lindas. Obrigada. Tem algum motivo especial?
Daniel -Tem. Amo você. Mas eu vim conversar algumas coisas.
Letícia -Também tenho novidades para você.
Dona Aurora (interrompendo) -Vocês viram a notícia da aparição de um disco-voador?
Letícia (contrafeita) – Disco-voador? Você viu isso, Daniel?
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL, QUE EXPRESSA PREOCUPAÇÃO.
Daniel -Não percebi.
PLANO MÉDIO
Dona Aurora -Tá no jornal da manhã. Apareceu na praia ontem à noite. Parece que os aliens vieram buscar você, afinal.
Letícia -Mamãe!
CLOSE EM DONA AURORA, QUE FAZ UM MUXOXO SAI DA COZINHA.
PLANO MÉDIO.
Letícia (Falando com Daniel) -Você não viu?
Daniel (Desconversando) – Não. Fui dormir cedo.
Letícia (Feliz) -Puxa! Você tá realmente mudado. Então, o que você queria me contar?
Daniel -Você primeiro.
Letícia -Isso não é justo. Agora fiquei curiosa.
Daniel (Imitando um índio) -Não é justo para quem, cara pálida? Você me interrompeu e sua mãe fez o resto, se metendo na conversa com outro assunto.
VOZ DE DONA AURORA, VINDA DA SALA
-Eu ouvi isso!
Letícia -Tá bom. Vem cá. Isso é confidencial.
DANIEL SE APROXIMA DE LETÍCIA. PLANO FECHADO. ELA SUSSURRA EM SEU OUVIDO.
Letícia -Vamos ter um bebê.
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL, QUE TENTA DISFARÇAR O CHOQUE PROVOCADO PELA NOTÍCIA.
Daniel -Tem certeza? Isto é, o bebê estava nos nossos planos, é claro. Mas nós sempre nos prevenimos até decidirmos, e você nunca falou nada sobre gravidez.
CORTE PARA O ROSTO DE LETÍCIA
Letícia (Insegura)
-Sim, exceto aquele dia na praia, lembra? Foi tudo tão repentino, que nós não lembramos de nenhuma prevenção (...) Você não gostou da notícia, não é?
PLANO MÉDIO
Daniel -Não, não. Apenas me pegou de surpresa. Mas o nosso filho será muito bem vindo. É que eu... Bem. Deixa prá lá.
Letícia -Fala. Agora você tá me deixando aflita.
Daniel -Nada, não. Eu queria dizer que tinha um apartamento para a gente ver. Agora temos que considerar uma terceira pessoa nos nossos planos, enxoval de bebê, essas coisas.
Letícia -Tem certeza? Não quero que você se sinta obrigado a nada.
Daniel -Claro que sim. Unir minha vida à sua sempre foi o meu maior sonho.
Letícia -Você quer dizer... O segundo maior sonho, não é? O primeiro sempre serão as estrelas.
Daniel -E a mais brilhante delas é você.
Letícia -Tá bom. Agora chega de enrolar. O que você queria me falar? Parecia muito importante.
Daniel -Deixa prá lá. Eu queria que fôssemos ver um apartamento, mas agora ele ficou pequeno demais. Temos que procurar outra coisa. Gostou das flores?
Letícia -Adorei! Vamos nos ver à noite?
Daniel (Beijando Letícia) Sim. Mas agora tenho que ir trabalhar. Até à noite.
DANIEL SAI. CORTE PARA CLOSE EM LETÍCIA.
Letícia -Tem alguma coisa estranha acontecendo.
PLANO MÉDIO. DONA AURORA SURGE NOVAMENTE NA COZINHA.
Dona Aurora -Disse alguma coisa?
CORTE PARA O ROSTO DE LETÍCIA
Letícia -Nada não. Só pensei alto.
CORTE
CENA 30
PLANO MÉDIO. DANIEL ENTRA NA REPARTIÇÃO ONDE TRABALHA. FÁBIO RECEBEU A NOTÍCIA DE QUE VAI OCUPAR A CHEFIA QUE ESTAVA VAGA E APROVEITA PARA PROVOCÁ-LO.
Fábio -Além de faltar com freqüência, parece que o caçador de ET está se acostumando a chegar atrasado.
Daniel -Um dia que chego atrasado não caracteriza um hábito, como é seu costume.
Fábio -Pode ser em sua opinião. Mas parece que não é o que acha a diretoria. Quem acabou ganhando aquela chefia que você estava esperando fui eu.
Daniel -É mesmo? Parabéns! Fico feliz em saber que você conseguiu algo importante para a sua vida.
Fábio -E você? O que é importante para você?
Daniel -Você não compreenderia.
Fábio -Por que não?
Daniel -Você olha apenas para o que está na altura dos seus olhos. Experimente contemplar as estrelas.
Fábio -Você é doido.
Daniel -Eu disse que você não compreenderia.
Fábio -Talvez esse disco-voador que apareceu tenha vindo realmente buscar você, hein?
Daniel -Talvez...
PRUDÊNCIO ENTRA NA SALA
Fábio -Salve mestre Yoda.
Prudêncio -Muito engraçado. Daniel, você poderia vir à minha sala?
DANIEL ACOMPANHA PRUDÊNCIO ATÉ SUA SALA.
CENA 31
PLANO MÉDIO. PRUDÊNCIO FECHA A PORTA ATRÁS DE SI.
Prudêncio -Você já sabe da novidade, não?
Daniel -Sim. O Fábio fez questão de anunciar, assim que cheguei.
Prudêncio -Minha preferência era para você, mas fui voto vencido.
Daniel -Eu compreendo. Está tudo bem.
Prudêncio -Eu sei que você tem uma forma peculiar de ver a vida e não liga para isso, mas talvez seja a hora de rever algumas coisas. Principalmente se está pensando seriamente em constituir família, percebe?
Daniel -Existem coisas que você não sabe. Coisas que tornam essas questões irrelevantes.
Prudêncio -Por exemplo?
Daniel -É difícil falar sobre isso. Você não compreenderia. Nenhum ser humano normal compreenderia. Até havia tomado algumas atitudes no sentido que você esta me sugerindo, mas aconteceram algumas coisas que emperram minhas decisões. Sabe, é como se eu fosse uma corda num cabo de guerra.
Prudêncio -Conflitos de interesse?
Daniel -Algo parecido. Neste momento, tudo o que sei é que isso tem que terminar. Vou pôr um fim nessa situação ambígua nos próximos dias, seja como for.
Prudêncio -Espero que você tome a decisão correta. Letícia é uma boa moça, gosta de você e não merece sofrer por isso.
Daniel -Eu sei. Ela é o que mais vai pesar nas minhas decisões.
Prudêncio -Ótimo. Fico feliz por isso. Agora, mudando de assunto, eu o chamei aqui porque tenho um recado para você.
Daniel -Recado?
Prudêncio -Sim. Um tal de Paulo Botelho ligou para cá querendo falar com você.
Daniel -Paulo? Devia ter imaginado que ele entraria em contato.
Prudêncio -Ele está no hotel Colúmbia e deixou o telefone.
PRUDÊNCIO PROCURA ENTRE OS DOCUMENTOS DE SUA MESA E PASSA UM PEDAÇO DE PAPEL PARA DANIEL
.
Daniel -Não tinha me dado conta, mas o Paulo é a pessoa que eu queria encontrar nesse momento.
Prudêncio -Muito bem. Tá aí a oportunidade. Ele aguarda o seu telefonema.
Daniel -Obrigado meu amigo. Em breve você saberá de tudo, de uma forma ou de outra.
Prudêncio -Tá bom. Enquanto isso não acontece, vamos ao trabalho.
Daniel -Sim.
DANIEL DIRIGE-SE PARA A PORTA. ANTES DE FECHÁ-LA SE VOLTA PARA PRUDÊNCIO.
Daniel -Você é um bom amigo. Obrigado por tudo.
CORTE.
CENA 32
PLANO MÉDIO. DANIEL ENCONTRA-SE COM PAULO BOTELHO NA HORA DO ALMOÇO, NO RESTAURANTE DO HOTEL. APERTAM-SE AS MÃOS EM PÉ.
Paulo -Grande Daniel. Como você está?
Daniel -Bem. É um prazer revê-lo. Imagino que você tenha vindo aqui para conferir a história do disco-voador, não é?
Paulo -Sim, sem dúvida. Tenho sempre a esperança de que não seja uma farsa.
Daniel -Não é.
Paulo -Como é?
Daniel -Vamos sentar, caso contrário você vai cair.
Paulo -Então você realmente conseguiu ver alguma coisa concreta?
Daniel -Mais que isso. Eu estive com eles.
Paulo -Eles quem?
Daniel -Os ETs, aliens, seja lá como for que você queira chamá-los.
Paulo -Caraca! Você bebeu? Fumou um?
Daniel -Sabia que seria inacreditável, mas não bebi, nem tomei ou fiz uso de qualquer outra coisa. Aconteceu mesmo. Foi real.
Paulo -Tá bem. Desculpe-me. Conte-me como foi.
DANIEL CONTA EM DETALHES SUA ABDUÇÃO E A INCRÍVEL HISTÓRIA DE SUA ORIGEM EXTRATERRESTRE (IMAGEM SEM SOM).
FADE OUT.
CENA 33
PLANO MÉDIO. FADE IN
FÁBIO ALMOÇA COM ANDRADE E COMENTA A ESTRANHA REAÇÃO DE DANIEL À NOTÍCIA DE SUA PROMOÇÃO.
Fábio -É incrível, mas ele parecia não se importar. Não entendo como alguém pode ser tão desinteressado da carreira.
Andrade -Acho que Daniel não é realmente deste mundo. Prá mim o sujeito é totalmente pirado.
Fábio -Não sei se ele é realmente maluco, mas que hoje parecia um pouco mais estranho do que o habitual, lá isso parecia. O olhar dele, cara... Era um olhar de quem estava se despedindo, imagina só.
Andrade -Agora é você que tá se deixando levar pela imaginação. O sujeito apenas tem uma concepção de vida diferente. Talvez seja um desses monges budistas, um comunista, sei lá.
Fábio -Acho que tem mais coisa aí...
Andrade -Só falta você falar que o comportamento dele tem haver com o disco-voador que dizem ter aparecido na praia ontem à noite.
Fábio -Poderia ser não é? O disco foi visto por muita gente.
Andrade -Bobagem! Essa aparição pode ter sido mais um golpe publicitário, como aquele de Florianópolis. Aliás, não me surpreenderia se o Daniel estivesse envolvido com isso.
Fábio -Não exagere. Tá certo que ele é meio pancada, mas o Daniel é o sujeito mais íntegro que já conheci.
Andrade -Pode ser para você, mas todo mundo guarda um esqueleto no armário. Ele não é melhor que ninguém, pode crer.
CORTE PARA O ROSTO DE FÁBIO COM EXPRESSÃO DE DÚVIDA. CORTE.
CENA 34
PLANO MÉDIO. LETÍCIA ESTÁ SENTADA NUM BANCO DE PRAÇA LENDO UM LIVRO NA HORA DO ALMOÇO. ALGUMAS CRIANÇAS SE APROXIMAM BRINCANDO.
CORTE PARA O ROSTO DE LETÍCIA, QUE APRESENTA OLHA AS CRIANÇAS COM UMA EXPRESSÃO SONHADORA E, AO MESMO TEMPO, TRISTE.
FADE OUT
CENA 35
FADE IN
PLANO ABERTO.FACHADA DO HOTEL ONDE PAULO BOTELHO ESTÁ HOSPEDADO.
CORTE PARA O RESTAURANTE ONDE ELES ESTÃO ALMOÇANDO.
CENA 36
CLOSE EM PAULO BOTELHO.
Paulo -Isso é inacreditável. Nem sei o que pensar.
CORTE PARA O ROSTO DE DANIEL
Daniel -Na verdade você está pensando que eu pirei de vez, não é?
PLANO MÉDIO
Paulo -Realmente, se não lhe conhecesse há tanto tempo, poderia pensar isso, sim. Mas sempre soube que você tinha algo estranho, que me fugia à compreensão. Agora, nem em meus maiores delírios de imaginação poderia pensar que o caçador de ETs é, na verdade um deles. Isso é demais.
Daniel -Você ainda não acredita e eu não o culpo por isso. É realmente inacreditável e, até eu duvidaria da minha sanidade, mas posso provar o que digo.
Paulo -Pode? Como?
DANIEL MOSTRA UM PEQUENO APARELHO PARA PAULO
Daniel -Com isso.
Paulo -O que é isso?
Daniel -É um comunicador. Ele atua numa freqüência que não pode ser captada por nenhum aparelho da Terra, segundo me disseram.
Paulo -Fantástico! Gostaria de ver isso.
Daniel -Acho melhor irmos para um lugar discreto, então. Ainda não usei isto e não sei o efeito que pode causar.
Paulo -Você acha que isso pode ser perigoso?
Daniel -Acho que não, mas também não gostaria que o Darth Vader aparecesse aqui numa imagem holográfica.
Paulo -Bom, pelo menos você ainda mantém o bom humor. Vamos para a minha suíte. Lá estaremos livres de olhares curiosos.
Daniel -Está bem.
AMBOS SE LEVATAM. CORTE.
CENA 37
PLANO MÉDIO. APARTAMENTO DE PAULO BOTELHO.
Paulo -Pronto. Creio que aqui não corremos o risco de causar nenhuma confusão.
DANIEL ACIONA O APARELHO E UMA LUZ SUAVE SE PROJETA DELE. A LUZ TREMULA E FORMA A IMAGEM TRIDIMENSIONAL DE SYBIL.
Sybil -Fico feliz que tenha nos chamado, Daniel. Já tomou sua decisão?
Daniel -Ainda não. Surgiram novos fatores que tenho que considerar. Minha... Minha namorada está grávida e isso muda tudo.
Sybil -Compreendo seu dilema, mas tem que tomar uma decisão logo.
Daniel -Não poderia levá-la comigo?
Sybil -Infelizmente não podemos levar um passageiro extra. Se você pretende unir-se à mulher, terá que desistir daquilo que esperou a vida inteira.
Daniel -Então, talvez ela possa esperar minha volta.
Sybil -Você sabe que isso não é possível, Daniel. O tempo passa mais lentamente, quando se viaja a velocidade próxima da luz, em dobra espacial. Para você, se passarão alguns anos, mas para ela terão se passado décadas. Provavelmente, ela terá esgotado seu tempo de vida, quando você retornar. Sinto muito.
Daniel -Então só me resta decidir...
Sybil -Você deve fazer isso o quanto antes. Seu tempo está se esgotando.
Daniel -Eu sei. Voltarei a chamar, assim que tiver tomado uma decisão.
Sybil -Está bem.
A IMAGEM TREMULA E SE DESVANECE.
Paulo -Caraca! Se eu não tivesse visto, não acreditaria.
Daniel -Nem eu. Mas isso não é tudo.
Paulo -Tem mais?
Daniel -Eles me disseram que estão analisando a ação do homem na Terra. É possível que isso não seja uma boa notícia.
Paulo -Como assim?
Daniel -Falaram que a humanidade pode ser extinta.
Paulo -Isso não é um prognóstico muito animador.
Daniel -Nem é definitivo, se entendi bem. Também não sei quando ocorrerá. Como não voltaram a falar sobre isso, creio que o tempo para eles funciona em outra escala, espero.
Paulo -Eu também, mas se a coisa engrossar me avisa. Vou parar de pagar as contas e comprar uma passagem pro Havaí.
Daniel -Você não parece muito preocupado com a possibilidade de extinção da humanidade.
Paulo -Se tivesse esse poder, meu caro... Eu mesmo faria isso.
CORTE
CENA 38
INTERIOR DA NAVE. AO FINAL DA COMUNICAÇÃO, JAN APROXIMA-SE DE SYBIL.
Jan -Daniel já tomou a decisão?
Sybil -Ainda não. Receio que isso seja muito difícil para ele.
Jan -Espere que ele resolva vir conosco. Daniel tem um grande potencial, que já está se manifestando. O planeta Terra já não é lugar para ele, agora.
Sybil -Ele já tem consciência disso. Mas esse fato não diminui a dificuldade de abrir mão de sua vida na Terra.
Jan -A decisão é realmente difícil. Este é o mundo que ele conhece. Seus laços afetivos estão aqui.
Sybil -Sim, e agora mais ainda, com um filho a caminho.
Jan -Ele ainda tem 48 horas para pensar e decidir se vem conosco. Vamos aguardar.
Sybil -Sim. Não podemos interferir na sua escolha.
CORTE
CENA 39
APARTAMENTO DE DANIEL. ELE ESTÁ ASSISTINDO TV, ENQUANTO AGUARDA A CHEGADA DE LETÍCIA. SEU PENSAMENTO ESTÁ LONGE E ELE TROCA DE CANAL ALEATÓRIAMENTE, SEM PRESTAR ATENÇÃO NA PROGRAMAÇÃO, ATÉ QUE MANCHETE FR UM NOTICIÁRIO LHE CHAMA ATENÇÃO.
LOCUTOR: Navio petroleiro bate num iceberg no Alaska e provoca o maior desastre ecológico jamais visto na região do Ártico.
Daniel - Isso não é bom. Não devia ter acontecido agora.
IRRITADO, DANIEL DESLIGA A TELEVISÃO, QUANDO LETÍCIA CHEGA E ABRE A PORTA CHAMANDO POR ELE.
Letícia -Daniel?
LETÍCIA O BEIJA E SENTA-SE AO SEU LADO.
Letícia -Ai! Tô morta.
Daniel -Cansada?
Letícia -Parece que fui atropelada por uma manada de elefante. O dia nunca foi tão longo e aborrecido. E você como foi seu dia?
Daniel -Emocionante. Tive que rever três processos, localizar um que estava desaparecido e escrever um relatório.
Letícia -Pegou os convites na gráfica?
Daniel -Sim. O pacote está sobre a mesa da cozinha.
Letícia -Ótimo. Deixa só eu passar uma água no rosto e podemos endereçá-los.
LETÍCIA LEVANTA E ENCAMINHA-SE PARA O BANHEIRO.
Daniel -Preciso falar com você.
Letícia -Vai falando, que eu tô ouvindo.
Daniel -Eles vieram.
Letícia -Hã? Eles quem? Seus amigos?
Daniel -Acho que posso chamá-los assim. Amigos de outro mundo.
Letícia (Retornando do banheiro) -Do que você está falando?
Daniel -Dos marcianos, como diria sua mãe.
Letícia -Você está brincando?
Daniel -Não. Eles fizeram contato comigo ontem à noite, naquele mesmo lugar em que nós estávamos naquele dia.
Letícia -Você tem certeza? Será que não está confundindo com alguma coisa? Uma estrela cadente, Um foguete de sinalização? Você mesmo diz que a maioria dos relatos de pretensos aparecimentos de OVNI refere-se à fraude, ou pode ser explicada de alguma forma que nada tem haver com objetos extraterrestres.
Daniel -Não desta vez. Eu estive dentro do disco-voador. Falei com eles.
Letícia -Você está bem, realmente? Tem agido de forma estranha, nos últimos dias.
Daniel -Eu ainda não estou louco. Não se preocupe.
Letícia -Eu não disse isso.
Daniel -Mas acabou de pensar. Tudo bem... Acho que estaria pensando a mesma coisa, se estivesse no seu lugar.
Letícia -Por que você não me falou nada, hoje de manhã?
Daniel -Eu pretendia. Mas você me disse que estava grávida e não tive coragem de lhe falar.
Letícia -Por quê? Eu sei que você não pensava em ter um filho agora, mas eu ficaria feliz, também, com a realização do seu sonho.
Daniel -Eles vieram me buscar, Lê.
Letícia -O quê? Você só pode estar brincando.
Daniel -Não. Antes estivesse. Aquele acontecimento de minha infância, lembra? Não foi um sonho. Eles realmente estiveram comigo. Agora devo decidir se vou para as estrelas, ou ficar aqui e esquecer o assunto.
Letícia (Chorando) -Desculpa. Mas eu não consigo acreditar numa coisa dessas.
DANIEL TIRA DO BOLSO O COMUNICADOR QUE OS ALIENÍGENAS LHE DERAM E O MOSTRA À LETÍCIA.
Daniel -Olhe.
Letícia -O que é isso?
Daniel -Um comunicador. Eles me deram, para chamá-los quando houvesse necessidade. Acho que isso se aplica a esse momento.
Letícia -O que você vai fazer?
Daniel -Vou chamá-los. Pelo menos você não vai continuar pensando que eu fiquei maluco.
DANIEL ACIONA O APARELHO E O BRILHO AZULADO DA PROTEÇÃO HOLOGRÁFICA SURGE À SUA FRENTE. O ROSTO DE JAN APARECE. LETÍCIA FICA ASSUSTADA.
Jan - Olá, Daniel. Estava esperando o seu chamado. Já tomou a decisão?
Daniel -Ainda não. Tenho que considerar que vou afetar outras vidas com a decisão que tomar.
Jan -Compreendo. Você está vinculado emocionalmente a essa mulher.
Daniel -Sim.
Letícia -Aqui, nós chamamos esse vínculo de amor, Sr. Spock.
Jan -Em breve vocês superarão esse estágio. Poderia dizer-me qual o motivo de sua chamada, Daniel?
Daniel -Sim. Seja qual for minha decisão, ela deve ser compartilhada com minha companheira. Ela precisava vê-los, para acreditar.
Jan -Está bem. Agora, permita-me lembra-lo que você tem apenas 26 horas para decidir se virá conosco. Estaremos esperando no ponto em que o encontramos antes. Finalizando.
A COMUNICAÇÃO SE INTERRONPE, E DANIEL VOLTA-SE PARA LETÍCIA.
Daniel -Acredita, agora?
Letícia -Não sei, parece que estou sonhando.
Daniel -Mas é real. Tudo o que procurei durante toda a minha vida.
Letícia -O que você vai fazer?
Daniel -Não sei. Há muito tempo que sinto não pertencer à este mundo. Durante toda a minha vida eu me esforcei para ser igual às outras pessoas, mas elas logo descobriam algo estranho em mim e se afastavam, deixando apenas a solidão. A terrível e opressiva solidão que sempre me acompanhou, até encontrar você.
Letícia -Quando o conheci, você parecia ser um estranho no ninho. Um cachorrinho sem dono. Acho que foi isso que me conquistou. Chame de instinto maternal, se quiser.
Daniel -Por favor, me ajude.
Letícia -Não posso... Droga!... (Choro)... Como você pode me pedir uma coisa dessas?
CENA 40
CASA DE LETÍCIA. INÍCIO DA NOITE DO DIA SEGUINTE. DONA AURORA DÁ O ÚLTIMO RETOQUE NO VESTIDO DE CASAMENTO DE LETÍCIA. A CAMPAINHA TOCA. É PRUDÊNCIO, TRAZENDO O SEU PRESENTE DE CASAMENTO.
Prudêncio -Boa noite.
Dona Aurora -Boa noite, Prudêncio. Como vai você?
Prudêncio -Eu estou ótimo. Espero não estar incomodando a Senhora, há essa hora.
Dona Aurora -Imagina! Entre, você é da casa. Depois, hoje em dia, a gente deve dar graças a Deus quando, quem bate a porta, não é cobrador, assaltante, ou membro de uma dessas igrejas que surgem todo dia.
Prudêncio (rindo) -Ë verdade. Bem... Eu vim trazer o presente de casamento dos noivinhos. Eles já chegaram?
Dona Aurora -Ainda não, mas espero que não demorem. Letícia tem que fazer a última prova do vestido. Aceita um cafezinho?
Prudêncio -Sem dúvida. O seu café é ótimo!
Dona Aurora -Sempre gentil, né Prudêncio? Letícia bem que poderia ter escolhido alguém como você. Evitaria muitos aborrecimentos.
Prudêncio -Daniel é bom rapaz.
Dona Aurora -Pode até ser, mas é muito esquisito.
Prudêncio -Ele apenas parece esquisito. Devia conhecê-lo melhor!
Dona Aurora -Você parece Letícia falando.
Prudêncio -Conhecer Daniel exige um pouco de paciência, mas vale a pena. Ele é uma pessoa muito interessante.
Dona Aurora -Pois, para mim, continua sendo um maluco. Bem... Isso é problema de Letícia. Ela que se preocupe, já que não me ouve.
Prudêncio -A senhora faz muito bem.
CENA 41
PLANO MÉDIO. PRAIA DESERTA. 23:00H. DANIEL E LETÍCIA ESTÃO SENTADOS SOBRE O CAPÔ DO CARRO.
Daniel -Você não precisava ter vindo.
Letícia -Seria pior. Eu sentiria como você tivesse morrido em um acidente. Assim, pelo menos, posso me despedir de você.
DANIEL ENTREGA UM ENVELOPE PARA LETÍCIA.
Daniel -Tome. Isso é para você.
Letícia -O que é?
Daniel -Uma procuração, autorizando você a movimentar minha conta bancária, e negociar com o carro e o apartamento.
Letícia -Não precisava ter feito isso.
Daniel -Para onde vou, não vou precisar dessas coisas. Além do mais, você e nosso filho seriam meus herdeiros, de qualquer modo.
UM OBJETO LUMINOSO SE MOVE NA ESCURIDÀO DA NOITE E APROXIMA-SE RAPIDAMENTE DELES.
Daniel -Estão vindo.
Letícia -Sim.
Daniel -... Ë melhor nos despedirmos agora.
ELES SE ABRAÇAM COM CARINHO, E CHORAM
Letícia -Ei... Não esqueça de escrever.
Daniel (sorrindo) -Como iria esquecer?
O DISCO-VOADOR APROXIMA-SE DA PRAIA.
Letícia -É melhor você ir, agora.
DANIEL A BEIJA UMA ÚLTIMA VEZ E AFASTA-SE DELA. É BANHADO PELO RAIO DE LUZ E DESAPARECE. LETÍCIA OBSERVA O DISCO-VOADOR AFASTE-SE, ATÉ QUE ELE SE TORNA UM PONTO LUMINOSO E SOME NA ESCURIDÃO.
ELA VOLTA PARA O CARRO E SE VOLTA PARA UM ÚLTIMO ADEUS. O DISCO AINDA NÃO PARTIU E FICA FLUTUANDO SERENAMENTE SOBRE O MAR. DE REPENTE O RAIO DE LUZ RESSURGE NA AREIA
.
CLOSE NO ROSTO DE LETÍCIA.
LETÍCIA SENTE O CORAÇÃO APERTAR DE ANSIEDADE E ESPERANÇA.
PLANO MÉDIO
DANIEL RESURGE NA PRAIA E CAMINHA EM DIREÇÃO A ELA.
CLOSE NO ROSTO DE LETÍCIA. EXPRESSÃO DE SURPRESA E INCREDULIDADE QUE SE DESARMA NUM SORRISO INSEGURO.
PLANO MÉDIO.
DANIEL SE APROXIMA RAPIDAMENTE E A ABRAÇA.
Letícia - O que houve?
Daniel - Não posso. Não consegui.
CLOSE EM LETÍCIA. ELA DEMORA UMA FRAÇÃO DE SEGUNDOS PARA ENTENDER O SENTIDO DA FRASE. FICA ZANGADA.
Letícia - Não brinque comigo.
PLANO MÉDIO
Daniel: - Não estou brincando. Dentro do disco percebi que o meu mundo é você... E nosso filho. Como poderia deixá-los?
LETÍCIA O ABRAÇA COM FORÇA. ELES SE VOLTAM PARA O DISCO.
PLANO ABERTO
O DISCO SE ELEVA LENTAMENTE A PRINCÍPIO. DEPOIS GANHA VELOCIDADADE E SOME NO CÉU.
PLANO MÉDIO
DANIEL ABRAÇA LETÍCIA. E AMBOS SE ENCAMINHAM PARA O CARRO.
Daniel - Acabou.
Letícia - De verdade?
Daniel - Sim. A minha busca terminou. Agora tenho uma nova missão.
Letícia Nova missão?
Daniel Sim. Cuidar de você e nosso bebê, que ainda vai nascer.
LETÍCIA SORRI FELIZ E O BEIJA. ELES ENTRAM NO CARRO E SE BEIJAM NOVAMENTE. DANIEL LIGA O CARRO E SE AFASTA LENTAMENTE DA PRAIA.
PLANO ABERTO. CÉU ESTRELADO.
FADE OUT
.
CENA 42
PLANO MÉDIO. DANIEL E PAULO CONVERSAM NUMA MESA DE BAR.
LETREIRO INDICATIVO DE PASSAGEM DO TEMPO: “ALGUNS MESES DEPOIS...”
Paulo - Essa é a história mais incrível que já presenciei. E nem posso escrever sobre ela. Bem... Como você se sente, depois de ter desistido do grande sonho?
Daniel - Bem. Tenho outros sonhos a buscar agora.
Paulo - Imagino. Salvar essa humanidade mesquinha e miserável é uma missão e tanto, mesmo para você.
Daniel - Não estarei sozinho. Em breve uma multidão perceberá a enrascada e se juntará a mim. E assim, outros virão.
Paulo - Como você pode ter tanta certeza?
Daniel - Viu o noticiário hoje?
Paulo - Sim. E daí?
Daniel - Nenhuma notícia lhe chamou a atenção?
Paulo - Não, nada.
Daniel - Não mesmo?
CLOSE NO ROSTO DE PAULO, PENSANDO.
Paulo - Pensando bem, uma coisa me chamou atenção, sim.
PLANO MÉDIO
Daniel - E o que seria?
Paulo - Uma notícia sobre a diminuição da taxa de fecundidade no mundo. Imagina que tem países em que a população está diminuindo. Você imagina que a China e a Índia pararam subitamente de crescer. Parece que não nasceu ninguém nesses países nos últimos dias.
Daniel - Sim. Isso não lhe diz nada?
Paulo -O quê?
Daniel - O processo de extinção da humanidade já começou.
Paulo - Puta que pariu! Não é que é mesmo? Sabe, quando você falou em extinção da humanidade, eu imaginei um ataque nuclear, ou coisa assim. Algo que levasse à destruição em massa.
Daniel -Isso não seria muito lógico. Destruiria o planeta também. Em breve, nossos bravos cientistas e líderes mundiais perceberão o que está acontecendo.
DANIEL ENCHE O SEU COPO E O ERGUE PROPONDO UM BRINDE A PAULO.
Daniel -Ao futuro da humanidade.
Paulo - Ou a ausência dele.
CLOSE NOS COPOS QUE SE TOCAM. FREEZE.
FIM
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