A ÚLTIMA CHANCE
Gilmar C. Milezzi
UMA SALA DE JANTAR. UMA FAMÍLIA
SE REÚNE EM VOLTA DA
MESA ENQUANTO A DONA DA CASA SERVE A COMIDA.
NUMA PONTA DA MESA ESTÁ O AVÔ E
NA OUTRA O PAI. NUMA DAS LATERAIS SENTAM-SE OS DOIS FILHOS, E NA OUTRA,
SENTA-SE A FILHA, TENDO AO SEU LADO UM ASSENTO VAZIO DESTINADO À MÃE.
EM PÉ, A DONA DA CASA RETIRA O
ALIMENTO DE UMA PANELA COM UMA CONCHA E SERVE UM POR UM, ATÉ CHEGAR AO AVÔ.
AO LADO DA MESA, SOBRE UM BALCÃO,
UMA TELEVISÃO DE CAIXA DE PAPELÃO COM UM ATOR ESCONDIDO AGUARDA.
AVÔ
Guisado de gafanhoto de novo?
MÃE
Isso foi tudo que deu para
comprar. Os preços estão pela hora da morte.
PAI
Não é tão ruim assim. Dizem até
que o gafanhoto é rico em proteínas.
AVÔ
Pois sim! O que eu não daria por
um bom bife.
PAI
Sorte sua que ainda lembra. Eu
nunca experimentei e nem imagino o gosto que tem.
AVÔ
Às vezes é melhor nem lembrar.
Aliás, eu nem lembro mais como era uma vaca.
FILHO I.
Vaca? O que é isso?
FILHO II.
Deve ter sido uma fábrica de
bife.
PAI
Era um animal enorme criado para
servir de alimento. Depois de morto dava um monte de carne.
FILHA
A vaca era criada para ser
comida? Que horror!
FILHO I
Ora! Você não come insetos? É a
mesma coisa, não é pai?
PAI
Mais ou menos. De qualquer modo,
as vacas deixaram de ser criadas há cinqüenta anos.
FILHA
Por quê?
PAI
Por que a contínua expansão dos
rebanhos provocava o desmatamento de matas virgens para abertura de novas áreas
de pastagens. A criação de grandes rebanhos também aumentava o efeito estufa e
afetava a camada de ozônio, eu acho.
FILHO I
Ué! O que a vaca tinha haver com
o efeito estufa?
AVÔ
Imagine cinco bilhões de cabeças
de gado soltando pum na atmosfera.
MÃE
Vovô!
AVÔ
Desculpe. Bom... De qualquer
modo, era muito metano para a natureza absorver, sem contar o que nós mesmos já
produzimos.
FILHA
Nós produzimos metano também?
PAI
Sim. E outros gases também. Cada
ser humano produz cerca de 2
litros por dia. Imagine toda a população mundial.
FILHA
Que coisa nojenta!
FILHO II
Ué! Vai dizer que você não solta
pum?
FILHA
Eu não.
FILHO I
Ô!
MÃE
Parem com essa conversa. O jantar
não é lugar para esse tipo de discussão.
AVÔ
Sabem de uma coisa? Toda essa
conversa gasosa me fez perder a fome. Vou assistir o noticiário e depois
dormir.
(O avô levanta-se e liga a televisão.
O locutor aparece).
LOCUTOR:
...E essas foram as notícias de
hoje. 21 de abril de 2157.
AVÔ
Como assim, foram? Eu ainda não
ouvi nada!
LOCUTOR
Você está atrasado. O Jornal da
noite já começou.
AVÔ
Não quero saber. Repita as
manchetes e leia as notícias de novo.
LOCUTOR
Não.
AVÔ
Não me faça perder a paciência.
Repita as manchetes ou mudo de canal.
LOCUTOR
Magoou!
PAI
Tenha calma, vovô. Essas tvs
interativas são assim mesmo.
AVÔ
Calma o cacete! Vou cancelar a
assinatura dessa joça.
LOCUTOR
Tá bom! Vou repetir as manchetes
e as notícias, mas isso vai ser cobrado na sua conta.
AVÔ
Desembucha logo.
LOCUTOR
Árabes e judeus anunciam o
centésimo décimo terceiro acordo de paz para por fim ao conflito na palestina.
AVÔ
De novo? Ninguém mais acredita
nisso.
LOCUTOR
Observadores internacionais
acreditam que a paz será finalmente alcançada, uma vez que ambos os lados não
dispõem de mais recursos para continuar a guerra.
AVÔ
Pois sim! Esses insensatos vão
encontrar sempre um jeito de continuar se matando.
PAI
Enquanto tiver pedras para atirar
uns nos outros, eles não vão parar. Bom... Vou dar uma caminhada antes de
dormir.
LOCUTOR
Não vai não.
PAI
Como assim? Por que não posso
caminhar?
LOCUTOR
A chuva ácida vai começar em doze
minutos. Além disso, a umidade relativa do ar está muito abaixo do normal e o
nível de poluição atmosférica está batendo recorde nesta área da cidade.
PAI
Bom, só me resta ficar em casa e
assistir a novela.
LOCUTOR
Também não vai poder fazer isso
PAI
Por que não?
LOCUTOR
O racionamento de energia
elétrica vai começar em quinze minutos e só voltará amanhã de manhã.
AVÔ
Será que não essa joça não tem
nenhuma boa notícia?
LOCUTOR
Tem!... Mas não vou dizer.
AVÔ
Eu não disse que essa droga de
aparelho está de marcação comigo?
PAI
Ora, vovô! Ele só tá brincando,
não é não, ô da telinha?
LOCUTOR
Não! Segundo o relatório do
departamento financeiro deste canal, que recebi neste momento, vocês ainda não
pagaram a última fatura vencida. E a prestação da tv também tá atrasada.
MÃE
Arranca o fio da tomada!
AVÔ
Vou é quebrar o monitor.
LOCUTOR
Espera aí, pessoal. Espera ai.
Sem violência, por favor.
PAI
Espera aí, nada. Vamos baixar o
cacete!
OS FILHOS, EM CORO.
Oba!
LOCUTOR
Tá Bom! Tá bom. Eu falo.
AVÔ
Então desembucha de uma vez.
PAI
E que seja uma notícia muito boa.
LOCUTOR
É uma notícia muito boa, sem
dúvida!
MÃE
Então fala de uma vez,
estrupício.
LOCUTOR
Pesquisadores da Universidade
Federal de Minas Gerais encontraram uma árvore no deserto do Pará. É uma muda
de castanheira há muito considerada extinta.
FILHO I
Ah! É isso? Grande coisa!
FILHA
É uma grande descoberta, seu
ignorante. Há muito que não cresce nada lá.
AVÔ
É verdade. Eu lembro que o meu
avô dizia que aquela região era uma grande floresta, com árvores imensas.
LOCUTOR
Ainda não terminei. Vão querer
ouvir o resto, ou não?
PAI
Desembucha!
LOCUTOR
Quanta falta de classe! Bem...
Vamos acabar com isso. Segundo os informes, os cientistas falam em fazer clones
da muda para refazer a área devastada.
MÃE
Nossa! Isso é realmente uma boa
notícia.
AVÔ
Essa muda de castanheira deve
valer uma fortuna.
PAI
Imagina! Qualquer planta hoje em
dia é coisa que só gente rica tem.
MÂE
Ô se é! Ouvi dizer que uma madame
aí, da alta sociedade, pagou quinhentos mil por uma samambaia.
AVÔ
Uma samambaia? Que disparate.
Ainda se fosse um tomateiro...
PAI
Ou um pé de alface.
FILHO II
Ih! Já tão delirando.
FILHO I
É. Quando começam a falar de
coisas do tempo do vovô, ficam com essa cara de saudade.
AVÔ
Olha o respeito, moleque.
LOCUTOR
Atenção para uma notícia em
edição extraordinária.
MÃE
Ih! Aí vem desgraça.
LOCUTOR
Roubaram o pé de castanheira. A
muda foi arrancada do local onde tinha sido descoberta e sumiu sem deixar
rastros.
PAI
Era bom demais para ser verdade.
LOCUTOR
(Se abaixando)
Fui!
MÃE
Parece que o nosso futuro é esse
mesmo. Desaparecer como a castanheira.
(vira-se para a platéia) Não
deixem isso acontecer, por favor.
AVÔ
Sim. Cuidem do meio ambiente
agora. A humanidade deve isso ao planeta, e já está atrasada.
PAI
É isso mesmo. Cuidem das árvores,
do ar e dos mananciais de água. Preservar o meio ambiente é o dever de todos.
FILHO I
Exatamente! Devemos nos
conscientizar para a importância da preservação ambiental...
FILHO II
Ou esta peça de teatro deixará de
ser fantasia para se tornar uma realidade atroz.
FILHA
É verdade! Cuidem do meio
ambiente por vocês, pelas gerações futuras e por todos os seres vivos deste
planeta. Se não...
MÃE
Nós, personagens fictícios,
seremos vocês amanhã.
Fim.
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