Depois de acomodá-la na cadeira em frente à escrivaninha, dei a volta sem muita pressa e sentei-me, com os olhos fixos em algum ponto situado entre seus graciosos olhos. Era uma tentativa de não deixar meu olhar escorregar para o decote generoso que ela ostentava. Devo dizer que eu merecia um prêmio pela fleuma que consegui exibir.
- Qual é o caso? - Perguntei de chofre, com a melhor imitação que consegui fazer de Hemphrey Bogart, mas duvido que ela saiba quem ele tinha sido. Nem todos se tornam especialista em filmes antigos da sessão da tarde, como eu.
- Desconfio que meu marido anda me traindo e quero que o senhor confirme isso. Pode ser?- Disse ela num fôlego só, incluindo a pergunta. Sua linda voz rouca soava fria como o gelo boiando no meu Johnnie Walker, comprado de um muambeiro do Paraguai.
- Sem problema. - Respondi depois de pigarrear. Não conseguia imaginar alguém traindo aquela mulher, a menos que fosse um gay enrustido, ou um jogador de futebol.
Meu primeiro cliente era uma loura linda, que parecia ter saído direto de um filme noir. Era difícil manter o sangue frio, mas não tanto pela cruzada de perna cinematográfica com que ela tão gentilmente me obsequiou, mas principalmente pelo maço de notas de 100 que pôs sobre a mesa. Eu nem lembrava mais da aparência dessas notas e torci para que não fossem falsas.
- Naturalmente que não. - Respondi, contendo a vontade de pegar o dinheiro e meter no bolso rapidamente, antes que ela mudasse de ideia. Definitivamente, a pobreza não tem nenhuma classe. - Mas preciso de todos os detalhes que a senhora possa me fornecer.
Durante a meia hora seguinte, ela relatou todos os indícios que conseguiu lembrar da suposta traição. Sua explanação era fria e objetiva, como se estivesse descrevendo algo que não lhe dissesse respeito. Ela não parecia uma mulher traída, mas quem sou eu para discordar com aquele maço de notas tremulando na minha frente, sob a ação do ventilador? Por falar nisso, ao olhar para dinheiro vi as anteninhas de Kafka aparecendo por baixo. Se ela roesse alguma daquelas notas seria o seu último dia no emprego e, provavelmente, neste mundo. Mentalmente mandei-lhe uma ordem para permanecer longe da vista da cliente. Exceto Analu, as mulheres costumavam apresentar certa aversão por baratas e outros bichos rastejantes. Minha secretária, no entanto, parecia manter com Kafka uma relação de respeito mútuo, onde uma não cruzava o caminho da outra.
De posse de todos os dados para iniciar as investigações despedi-me da minha gélida cliente e fui para casa. No trajeto fiquei imaginando a cara da Analu, quando soubesse que receberia o salário atrasado. Nem eu acreditava naquilo, mas o dinheiro recebido ainda estava no meu bolso. Naquela noite mesmo comecei a seguir o marido de minha cliente.
O sujeito era professor universitário e, segundo minhas anotações, naquela noite sua aula era a última. Cheguei à faculdade e me juntei aos alunos que circulavam pelos corredores no horário em que ele seria encontrado. Minutos depois eu o vi entrando na sala e chequei seu nome com uma aluna que chegou logo depois. Agora já o conhecia. Era só aguardar no carro e segui-lo depois.
Noventa minutos depois ele saiu da faculdade. Estava acompanhado de um grupo de alunos e parecia bastante animado com a conversa. Aquilo parecia uma cena inocente e pensei que tinha perdido tempo, mas resolvi esperar um pouco mais para ir embora.
Foi uma decisão acertada, pois o grupo logo se dispersou e o tal professor ficou só com uma aluna. Algo ia acontecer, afinal de contas. Para minha surpresa eles vieram em minha direção, mas felizmente passaram por mim e foram em frente, na direção de uma camionete preta, dessas que os bacanas costumam ter para atrair as periguetes. Não demorou muito para que os dois se engalfinhassem num sexo selvagem e escandaloso. Para a sorte deles, e minha também, o estacionamento estava quase deserto e só eu acompanhei o embate.
Minha cliente queria um relatório detalhado. Então fui à luta, esperando que não fosse visto a espreitar o veículo como um pervertido qualquer. Aproximei-me um pouco mais para gravar os arrulhos dos amantes, já que não poderia fotografá-los sem flash. Uma câmera infravermelha seria o próximo item a ser incluído no meu arsenal, algum dia. Todavia, consegui fazer uma boa gravação da voz deles em juras de amor e suspiros de paixão. Aquilo era muito mais do que eu poderia dizer de minha vida amorosa atualmente, mais serena que água de poço. Senti inveja do sujeito e, também por isso, caprichei no relatório que enviaria à minha cliente pela manhã. Depois de terminar o relatório, fui dormir com a sensação de que o dia seguinte seria muito estranho. Eu jamais poderia imaginar o quanto isso seria verdadeiro.
De manhã, quando abri a porta do escritório, ouvi uma voz masculina que me pareceu familiar. Torci para que não fosse um dos meus saudosos credores. Exceto pelo salário da Analú e da conta de luz, pretendia manter minha moratória por tempo indefinido.
Ao entrar em minha sala, dei de cara com a Analú sentada em minha cadeira. Ela estava com as longas pernas apoiadas num gaveta aberta e sorria para alguém que estava de costas para mim. Ao ver-me saltou como uma mola.
- Chefinho! - Saudou, no seu costumeiro jeito estabanado. - Temos "outro" cliente para atender hoje.
Aquelas palavras indicavam duas novidades para mim. Aparentemente tínhamos um cliente novo, mas como poderia ser "outro", se Analú ainda não sabia da loura que havia me contratado no fim do dia anterior? Demorei a entender que ela só estava fazendo marketing. Pela manhã sou sempre um pouco lento, até a primeira xícara de café na padaria da esquina.
Após esse breve interlúdio cerebral, eu me adiantei para cumprimentar o novo cliente. Quando ele se virou para mim, tive que apelar pela velha fleuma. O sujeito que me estendia a mão era o mesmo que havia investigado na noite anterior. O tal marido infiel da minha primeira cliente.
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