- Pô! Daniel. Até
quando vai querer ficar aí, olhando para cima?
Ele olhou para ela e
sorriu ao contemplar seu belo rosto com expressão indignada. Às vezes não entendia
porque Letícia lhe tinha tanto afeto, mas dava graças a Deus todos os dias por
isso. Sem ela, a terrível solidão que consumia sua alma seria insuportável.
- Só mais um pouco,
tá?
- Nós já estamos aqui
há três horas. Você não se cansa disso?
- Pensei que você também
gostasse.
- Uma vez ou outra
até que é divertido. Mas você só pensa nisso. Afinal de contas, por que você
tem tanto interesse em disco voador?
Ela estava realmente
aborrecida, e isso o fez perceber o quanto sua mania podia ser irritante. Mesmo
assim insistiu mais um pouco. Tinha o pressentimento que aquela noite seria
especial e algo aconteceria. Essa era a esperança que se renovava todos os
dias, depois de anos perscrutando o céu. Nem mesmo ele saberia dizer a razão do
seu interesse por naves alienígenas e seres extraterrestres. Talvez fosse
apenas um sonho de menino teimando em permanecer na mente do adulto que ele
havia se tornado, ou talvez porque ainda não fosse o adulto que julgava ser.
Ele tinha consciência do Peter Pan que havia em seu coração, e que teimava em
virar as costas para o mundo dos adultos.
- Eu tenho esse
interesse por discos voadores desde criança. Não sei lhe dizer exatamente a razão disso, mas algo me aconteceu quando eu era criança.
As imagens surgiram
em sua mente, tão nítidas quanto seriam se tudo tivesse acontecido há alguns
minutos.
- Eu tinha uns quatro
ou cinco anos. Fiquei perdido no mato que existia atrás do orfanato onde eu
morava. Era final de tarde, e eu não conseguia achar a trilha que me levaria de
volta. Quando a noite chegou, eu fiquei apavorado e comecei a chorar. Então
surgiram algumas bolas de luzes, não sei de onde. Eram coloridas e pulsavam
suavemente, como se quisessem me acalmar. Aí, ouvi vozes em minha cabeça. Elas
falavam que me levariam para casa. As vozes foram conversando comigo o tempo
todo. Diziam que eram visitantes de outro mundo, e um dia voltariam para
levar-me para um passeio pelas estrelas. Eu nunca esqueci disso, mas as vezes
acho que tudo foi apenas um sonho.
- Deve ter sido. Que
coisa mais arrepiante! Agora, podemos ir embora?
- Só mais pouquinho.
- E eu pesando que a
gente ia namorar...
- Mas a gente tá
namorando, não tá?
A garota olhou para
ele, sem saber se deveria zangar-se ou rir. Na dúvida, achou que era melhor não
abrir mão de suas convicções. Sabia que a relação que eles tinham correria um
sério risco, se continuasse a ceder ao que considerava um reflexo tardio de
impulsos juvenis do namorado.
- De que jeito? Com
você grudado nessa coisa, olhando pro céu?
- Espere só mais um
pouquinho.
- De jeito nenhum! Se
você não quer ir embora, eu vou sozinha. Cansei desta besteira!
Mesmo em dúvida se
estava fazendo a coisa certa, Letícia não cedeu e levantou-se, disposta a ir
embora. Aquilo teria que acontecer um dia, ela pensou. Melhor que fosse naquele
momento, quando ainda tinha um pouco de coragem.
Sem alternativa,
Daniel fecha o tripé da luneta e sai correndo atrás dela.
- Ei! Espere aí. –
Grita inutilmente. – Pô! Que saco!
- Vá pro inferno! –
Grita Letícia em resposta.
Então ele percebeu
que ela estava falando sério e correu para alcançá-la.
- Tá bom! Tá bom!
Desculpa, vai.
Daniel não percebeu,
mas Letícia suspirou aliviada por ele ter cedido. Mesmo assim, ela não aliviou
a pressão.
- Só depois que você
guardar toda essa tranqueira.
Sem ter como
discutir, ele cede e guarda a luneta e seus apetrechos no porta-malas do carro.
- Pronto! Não vamos
mais brigar, tá bem?
- Tá!
- Então entra no
carro.
Já dentro do carro,
eles olham para a linha do horizonte, bem onde o mar encontra o céu estrelado.
Daniel pega a mão de Letícia e jura silenciosamente que jamais vai
decepcioná-la outra vez. Seus olhares se encontram e tudo volta a ser como
sempre foi entre eles. Emocionado, ele sente que nada no universo vai mudar
isso.
- Vamos embora? –
Pergunta Letícia.
- Não... Ainda não. –
Ele responde, fazendo um esforço para disfarçar a emoção.
- Hum... Para que
essa boca tão grande, seu lobo?
Ele ri a puxa para si.
- Adivinha, Chapeuzinho.
- Uau!
Enquanto os jovens namorados cedem ao chamado dos seus
corações, um risco luminoso corta o céu estrelado.
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