Thursday, February 25, 2016

Sob o Olhar das Estrelas - Capítulo 2


As pessoas do círculo mais próximo de Letícia evitavam tocar no assunto, mas intimamente se perguntavam a razão dela insistir naquela relação. Ela mesma se perguntava isso algumas vezes, principalmente quando instigada por sua mãe. A resposta sempre lhe vinha imediata e sem nenhuma dúvida: ela o amava. Daniel não era exatamente um príncipe encantado, mas tinha suas qualidades, ela dizia para si mesma. Ele até que era bonito, se ela ignorasse as roupas fora de moda e esquisitas. Era também engraçado, e sabia fazê-la rir por motivos que sempre a surpreendiam. Sua inteligência e cultura a encantavam.  O que mais uma garota podia querer? Talvez se fosse um pouco menos desligado e tivesse uma noção mais apurada de uma noite romântica, ele seria perfeito. Mas ela sabia que não se pode ter tudo e se conformava.

Aquela manhã a encontrou assim, enquanto preparava o café, revia as eternas questões que sua mãe levantava sobre o seu namoro com Daniel.
- Então... Já marcaram a data? – Perguntou Dona Aurora, a mãe de Letícia, enquanto contava as gotas do adoçante que caiam na sua xícara.
- Que data, mãe?
-Como que data? A do seu casamento é claro.
- Ah! Isso? Não deu tempo.
-Não deu tempo? O que vocês estavam fazendo? Não, não me conte.
Letícia suspirou profundamente. Por mais que amasse sua mãe, Dona Aurora sempre lhe pareceu difícil de aguentar no início da manhã.
- O que estávamos fazendo? Estávamos vendo estrelas... Literalmente.
-Daniel continua com aquela mania de caçar disco-voador?
-Infelizmente!
-Tô falando alguma mentira? Você vive correndo atrás de Daniel o tempo todo. E o que ele faz? Sai por aí, procurando disco-voador. Tenha a santa paciência!
- Mamãe! – Exclamou Letícia, em protesto, mesmo sabendo que não ia adiantar.
Dona Aurora não era do tipo que podia se conter, principalmente quando se tratava do que ela entendia ser a felicidade da filha única.
- Minha filha! Você não poderia ter se apaixonado por um homem normal? Tinha que ser aquele lunático?
-Chega, mamãe! É melhor eu ir trabalhar.
-Tá certo. Eu não falo mais nada. Você nunca me ouve, mesmo.
-Tchau.
-Vai com Deus. E vê se não bate a porta!
Apesar do aviso, ela ouviu a porta bater fortemente no batente.
- Meu Deus! Ela faz isso desde criança e não aprende. – Disse Dona Aurora, para si mesma, enquanto erguia a xícara. O café frio parecia lhe dizer que havia falado demais.

Do outro lado da cidade, o início do expediente na repartição pública onde Daniel trabalhava também não estava muito animador. Algumas pessoas conversavam em um pequeno grupo no hall de entrada, quando ele entra. Não precisou mais que alguns segundos para perceber que era o assunto, mas tentou ignorar.
-Chegou o caçador de ET. – Disse Fábio, um desafeto habitual de Daniel em todas as ocasiões, no ambiente de trabalho. Mas ele não era o único que implicava com sua mania por discos voadores.
-Como é que é Daniel? Já conseguiu um contato de 3º grau com alguma “drag-queen” marciana? – Provocou Andrade, um puxa-saco habitual de Fábio.
Ele o seguia como um cachorro servil.
-Para isso, eu não preciso sair desse escritório. – Disse Daniel com uma ironia fria, numa referência não muito sutil à amizade de Fábio e Andrade. Normalmente jamais faria isso, mas já estava farto da maledicência daqueles dois, e resolveu dar-lhes uma dose do próprio veneno. Eles também eram alvos frequentes de comentários mordazes de seus colegas de trabalho, e Daniel aproveitou-se disso. O clima entre eles, que já não era bom, desandou de vez.
- O que você quer dizer com isso? – Inquiriu Fábio Belicoso.
- Sim. Explique isso. – Admoestou Andrade.
O chefe da seção, que até então mantinha-se em silêncio, resolveu intervir, antes que algo mais sério acontecesse.
- Acho melhor as meninas se acalmarem, ou vou distribuir suspensão pra todo mundo.
-Eles que cuidem de suas vidinhas medíocres e me deixem em paz.
- Olha só quem fala. – Responde Fábio, de forma irônica.
-Calma, Daniel. Foi apenas uma brincadeira. – Contemporiza Prudêncio. Para ele, aquela rusga já estava indo longe demais, para um ambiente de trabalho.
- Eu não vou mais aturar provocações desses imbecis.
- Otário! – Exclama Fábio, sem desistir de provocar.
Daniel cerra os punhos, mas Prudêncio o segura.
-Venha Daniel. - Disse, puxando-o para sua sala.
                Daniel se deixou conduzir, mas Prudêncio sabia que sua irritação ainda está longe de se dissipar. Tudo indicava que seria um dia daqueles para esquecer. Disfarçadamente afagou seu estômago. Não queria que sua velha úlcera desse o ar de sua graça. Já tinha problemas demais naquele dia.
-Por que eles insistem em fazer de mim o alvo de suas piadinhas idiotas?
-Ah! Não leve isso a sério. Foi apenas uma brincadeira.
-Brincadeiras frequentes que me agridem.
Não ia ser fácil, pensou Prudêncio, mas estava na hora de seu jovem amigo ouvir algumas verdade.
-Desculpe lhe falar assim, Daniel. Mas, infelizmente, você mesmo tem procurado essa situação, com essa sua obsessão por discos-voadores. Pra não falar de outras manias estranhas.
-Minhas manias não prejudicam ninguém. Por que não me deixam em paz?
-Porque você é diferente, talvez. As pessoas têm dificuldade de aceitar qualquer comportamento que não lhes pareça “normal”.
-Que absurdo!
-Talvez. Mas você pode evitar esses aborrecimentos deixando de se expor abertamente. Evite atitudes que possam parecer estranhas. Afinal, ninguém precisa saber o que você faz nos momentos de folgas.
Já mais calmo, Daniel assentiu.
-Tá certo. Bom... Até mais tarde.
-Até.
Daniel saiu da sala de Prudêncio sentindo uma imensa vontade de falar com Letícia. Precisava ouvir sua voz. Só assim conseguiria se refazer. Ele ainda não compreendia como ela conseguia fazer sua vida tão melhor do que realmente era. Parecia algo mágico.
O que Daniel não sabia, é que Letícia também precisava de colo. Ela estava aborrecida desde a conversa com sua mãe. Dona Aurora sabia, como ninguém, puxar os fios de tensão que apertavam seu jovem coração. Ela desejava ter uma família, mas Daniel sempre lhe parecera alheio aos seu sonho pequeno-burguês.
O telefone toca e lhe provoca um sobressalto. Irritada, Letícia tenta ignorar o toque insistente, mas acaba atendo.
-Alô?
-Oi, querida.
-Oi... O que você quer? – Ela responde, sem muita paciência ao ouvir sua voz. Preocupada, ela percebeu que era a primeira vez que isso acontecia.
-Puxa! Cheguei a ficar com a orelha gelada. Você está bem?
-Desculpe. Estou um pouco aborrecida, hoje.
Mal acabara de falar, Letícia teve a impressão de que não estava sendo sincera em seu pedido de desculpa. Precisava pensar sobre aquilo, pensou. Não, não precisava, não. Retrucou mentalmente para si mesma. Ele que se danasse.            
- Que tal almoçarmos juntos?
-Olha Daniel... Acho que nós precisamos conversar, mas esse convite não chegou numa boa hora.
-Meu dia também não está sendo fácil. Eu gostaria de ver você.
-Está bem. No mesmo lugar?
-Sim. Ás 12h30min, ok?
- Tá.      
-Um beijo.
-Outro. – Ela respondeu, sem prestar muita atenção.
Tudo na sua vida estava ficando sem graça. Precisava fazer alguma coisa sobre isso, mas o quê. Ela não tinha a menor ideia por onde começar.


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