Subitamente, sem que ele
pudesse esboçar qualquer reação, é banhado por um facho de luz e perde a
consciência. Acordou horas depois, deitado num divã. Estava num
aposento circular, sem portas aparentes. Tinha apenas uma janela de
formato oval. Não havia qualquer som perceptível, mas ele podia sentir
uma ligeira vibração. Isso lhe dava uma sensação estranha, como se
estivesse num carro em movimento. Ainda confuso, aproxima-se da janela e
se assusta com o que vê. Na imensidão escura do outro lado ele vê o
reflexo azul da Terra e se emociona, ao perceber que o seu mais
delirante sonho se tornou realidade.
Uma porta
se abre, onde antes ele seria capaz de jurar que não havia nenhuma
abertura. Um homem e uma mulher vestidos de branco entram nos aposentos.
Apesar da situação, eles pareciam pessoas normais, e Daniel não pôde
conter um certo desapontamento.
-Você está bem? – Perguntou o homem, com voz tranquila.
-S-sim. Você fala minha língua!
-Sim, e muitas outras.
Bem... Vejamos... Eu me chamo Jan, e minha companheira é Sybil. Somos de
Trix, um planeta localizado em uma galáxia ainda desconhecida pelos
astrônomos deste planeta.
-Você parece desapontado com nosso aspecto físico. – Disse Sybil.
-Creio que ele esperava encontrar alguma criatura de pele escamosa e aspecto grotesco, estou certo?
-Bem... Na verdade, vocês não correspondem à imagem que fazemos de um ser de outro planeta.
Os dois seres sorriem com compreensão.
- No universo existem
muitos planetas cujos habitantes se parecem com a imagem popularizada em
suas obras de ficção. Contudo, criaturas humanoides são mais comuns do
que você possa imaginar.
-Sim. Estamos em quase
todos os quadrantes do universo, com civilizações em diversos estágios
de desenvolvimento. – Disse Jan. – Alguns planetas, como a terra,
encontram-se no limiar de uma nova era, ou a caminho da destruição.
Nossa missão é avaliar a situação.
-Eu sempre soube que vocês viriam. – Falou Daniel, depois de um breve momento de silêncio.
-Há algum tempo enviamos uma sonda robótica para procurar você.
- As luzes! As vozes que
eu ouvia quando era criança. Tudo parecia ter sido Um sonho, mas era
real. Por quê? O que seres de outro planeta estariam interessados numa
criança da Terra?
-Não foi para submetê-lo
a alguma experiência macabra, Como você deve estar imaginando. O
motivo, na verdade, é bastante óbvio. Pelo menos para nós.
- Você é um dos nossos. – Disse Jan, sem rodeios.
- Um de vocês? Como assim?
-Quando você era pouco
mais que um bebê, seus pais estavam em missão neste quadrante da
galáxia. Houve um acidente e a nave caiu neste planeta.
- Um acidente? – Daniel
repetiu, quase sem acreditar, mas as imagens surgiam com força em sua
mente. Eram fragmentos de memória, com imagens do interior de uma nave
espacial. Havia muita fumaça e ele lembrava que era difícil respirar. À
sua frente, alguém tentava controlar o veículo para tentar um pouso
forçado no planeta azul que aparecia nas telas.
-Sim. Você foi o único
sobrevivente do acidente, mas ainda corria perigo. A sonda foi o meio
mais rápido para garantir sua sobrevivência nos dias que se seguiram,
pois só esse artefato poderia viajar com segurança através de um buraco
de minhoca e vencer a enorme distância que separa Trix do planeta Terra,
a tempo de encontrá-lo com vida. – Explicou Sybil. – A sonda foi sua
babá, vamos dizer assim, até você ser encontrado por humanos deste
planeta. Infelizmente ela parou de funcionar logo depois de você ser
encontrado e, então, perdemos o principal instrumento para localizá-lo.
- Agora nós estamos aqui. Viemos buscá-lo. – Falou Jan
- Isso é inacreditável. Não sei o que pensar.
- Sei que é difícil de
acreditar, mas você não é deste mundo. – Disse Sybil, complementando o
que Jan dissera. – Em algum momento de sua vida aqui, deve ter percebido
que é diferente das pessoas que conhece.
- Vamos com calma – Disse Jan. – Ele precisa de um tempo para assimilar tanta informação.
Contudo, Daniel estava
impaciente para saber tudo. Ele procurara pro resposta sobre si a vida
toda e não tinha mais tempo a perder.
- Eu compreendo tudo
agora. – Disse ele, com a voz carregada de emoção. – Eu sempre me senti
um estranho no ninho. Por isso uma sensação incômoda de não pertencer a
lugar nenhum sempre me acompanhou.
- Você é um pouco
diferente das pessoas que conheceu aqui. Não muito, mas o suficiente
para sentir-se estranho, não é mesmo? Perguntou Sybil.
- Apesar disso, Você sempre soube que nós viríamos buscá-lo. Este é o momento pelo qual você esperou a vida toda. Falou Jan.
- Sim. Agora entendo minha obsessão por disco-voador. Mas... tenho que abandonar tudo? Minha vida na terra?
Sybil olhou diretamente em seus olhos, antes de responder.
- Sim, de certa forma.
Você voltará à terra, quando estiver preparado para sua missão. Viajar
pelas estrelas sempre foi o seu sonho, não foi? Agora você pode torná-lo
realidade.
- Não posso decidir uma coisa dessas assim. Preciso pensar.
- Nós compreendemos seu
dilema. – Disse Jan. – Mas a próxima janela para retornarmos à Trix é
daqui há três dias, pelo calendário da Terra. É quando teremos as
coordenadas favoráveis para retornar. Você tem esse prazo para se
decidir.
- Isso é uma loucura!
-Na verdade você não tem
muita escolha. – Falou Sybil. – A espécie humana deste planeta está
sendo observada há muito tempo. A decisão ainda não foi tomada, mas
provavelmente iniciaremos o processo de extinção dos homens da Terra
antes de partirmos.
Aquela revelação deixou
Daniel em estado de choque. A extinção da espécie humana no planeta
Terra o atingiu em cheio. A ameaça que pairava sobre os homens punha em
risco tudo o que conhecia. Era impossível não pensar em Letícia, naquele
momento.
- Nós vamos devolvê-lo à
Terra agora. – Disse Jan. – Você tem uma decisão a tomar e não podemos
pressioná-lo mais do que já fizemos.
Sybil fez menção de falar mais alguma coisa, mas Jan a conteve.
- Depois. – Ele disse. – Deixe-o decidir primeiro.
Daniel foi encaminhado a
outro setor da nave. Ele teria apreciado cada momento daquilo, se não
lhe pesasse a ameaça ao futuro dos seres humanos na Terra. Ele pensava
isso de um modo amplo, mas era a imagem de Letícia que lhe vinha à mente
naquele momento.
A noite avança na
madrugada. Letícia dorme e sonha com Daniel. Não é um sonho bom,
entretanto. Eles estão numa encruzilhada e Daniel escolhe um caminho
diverso do caminho dela. Há uma luz no caminho que ele escolheu, que
aumenta de intensidade e o atrai para longe dela. Ela se desespera e
grita em pânico quando não consegue mais vê-lo.
De repente Letícia acorda suando frio
- Mas que droga! – Ela exclama, ainda ofegante.
Ela olha o relógio. O
mostrador marca 3:30h. Ainda impressionada com o sonho, Letícia tenta
dormir, mas o coração ainda inquieto a mantém desperta por muito tempo.
Somente perto do alvorecer ela consegue cochilar, mas uma hora depois o
relógio a despertou, enquanto sua mãe já preparava o café.
Letícia chegou na cozinha ainda bocejando.
- Bom dia. – Diz, sem energia.
- Nossa! Você tá parecendo uma alma penada.
- Nem me fale. Que noite horrorosa!
- O que aconteceu? Não conseguiu dormir?
- Tive um pesadelo e perdi o sono de madrugada.
Dona Aurora ia falar alguma coisa, mas é interrompida pela campainha da porta.
-Quem será o estrupício
que bate na casa dos outros há essa hora? – Ela resmunga enquanto se
dirigia para a porta. – Ah! Ë o noivo Extraterrestre. Só podia ser.
Daniel entra segurando um buquê de flores.
- Oi, sogrinha. Não é hora de você voltar pro caixão? Já amanheceu.
- Ainda falta morder o seu pescoço.
Letícia surge no hall, surpresa com a chegada dele.
- Oi, amor. O que você tá fazendo aqui, tão cedo? Isso é para mim?
- Sim. Esta noite eu
senti uma saudade imensa de você. Nem consegui dormir direito, na
verdade. – Disse ele, estendendo o buquê para ela.
Dona Aurora olha para Letícia por trás de Daniel e bota o dedo indicador na boca, antes de voltar para a cozinha.
- Puxa! São lindas! - Letícia exclama, desviando o olhar da mãe. - Obrigada. Tem algum motivo especial?
- Tem. Amo você. Mas eu vim conversar algumas coisas.
- Também tenho novidades para você.
Antes que eles possam continuar, a mãe de Letícia volta para a sala toda agitada.
-Vocês viram a notícia da aparição de um disco-voador?
Daniel olhou para a sogra contrafeito, mas nada disse.
- Disco-voador? Você viu isso, Daniel?
- Não percebi. – Responde ele indeciso.
- -Tá no jornal da manhã. Apareceu na praia ontem à noite. Parece que os aliens vieram buscar você, afinal.
- Mamãe! – Exclamou Letícia
Impávida, dona Aurora
faz um muxoxo e volta para a cozinha. Eles finalmente ficam a sós, mas
Daniel já pensa em desistir da conversa que queria ter com ela. Agora
que tinha acontecido, ele preferia que tudo não tivesse passado de um
sonho maluco.
-Você não viu nada? – Ela perguntou de novo.
- Não. Fui dormir cedo.
- Puxa! Você tá realmente mudado. Então, o que você queria me contar?
- Você primeiro.
- Isso não é justo. Agora fiquei curiosa.
-Não é justo para quem,
cara pálida? – Retruca ele, imitando um índio de filme americano. -
Você me interrompeu e aquele pesadelo que abduziu sua mãe fez o resto,
se metendo na conversa com outro assunto.
- Eu ouvi isso. – Responde Dona Aurora, da cozinha.
Letícia ri daquela implicância mútua.
- Tá bom. – Disse, baixando o tom de voz. – O que vou falar é confidencial, por enquanto.
- Jesus! Por que de repente eu fiquei preocupado? – Ele retruca, com uma expressão engraçada.
- Bobo. É uma notícia boa.
- Tá bom. Desculpe. Pode falar. Sou todo ouvidos.
- Vamos ter um bebê.
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