Thursday, June 23, 2016

Sob o Olhar das Estrelas Ca. 7

Subitamente, sem que ele pudesse esboçar qualquer reação, é banhado por um facho de luz e perde a consciência. Acordou horas depois, deitado num divã. Estava num aposento circular, sem portas aparentes. Tinha apenas uma janela de formato oval. Não havia qualquer som perceptível, mas ele podia sentir uma ligeira vibração. Isso lhe dava uma sensação estranha, como se estivesse num carro em movimento. Ainda confuso, aproxima-se da janela e se assusta com o que vê. Na imensidão escura do outro lado ele vê o reflexo azul da Terra e se emociona, ao perceber que o seu mais delirante sonho se tornou realidade.

Uma porta se abre, onde antes ele seria capaz de jurar que não havia nenhuma abertura. Um homem e uma mulher vestidos de branco entram nos aposentos. Apesar da situação, eles pareciam pessoas normais, e Daniel não pôde conter um certo desapontamento.
-Você está bem? – Perguntou o homem, com voz tranquila.
-S-sim. Você fala minha língua!
-Sim, e muitas outras. Bem... Vejamos... Eu me chamo Jan, e minha companheira é Sybil. Somos de Trix, um planeta localizado em uma galáxia ainda desconhecida pelos astrônomos deste planeta.
-Você parece desapontado com nosso aspecto físico. – Disse Sybil.
-Creio que ele esperava encontrar alguma criatura de pele escamosa e aspecto grotesco, estou certo?
-Bem... Na verdade, vocês não correspondem à imagem que fazemos de um ser de outro planeta.
Os dois seres sorriem com compreensão.
- No universo existem muitos planetas cujos habitantes se parecem com a imagem popularizada em suas obras de ficção. Contudo, criaturas humanoides são mais comuns do que você possa imaginar.
-Sim. Estamos em quase todos os quadrantes do universo, com civilizações em diversos estágios de desenvolvimento. – Disse Jan. – Alguns planetas, como a terra, encontram-se no limiar de uma nova era, ou a caminho da destruição. Nossa missão é avaliar a situação.
-Eu sempre soube que vocês viriam. – Falou Daniel, depois de um breve momento de silêncio.
-Há algum tempo enviamos uma sonda robótica para procurar você.
- As luzes! As vozes que eu ouvia quando era criança. Tudo parecia ter sido Um sonho, mas era real. Por quê? O que seres de outro planeta estariam interessados numa criança da Terra?
-Não foi para submetê-lo a alguma experiência macabra, Como você deve estar imaginando. O motivo, na verdade, é bastante óbvio. Pelo menos para nós.
- Você é um dos nossos. – Disse Jan, sem rodeios.
- Um de vocês? Como assim?
-Quando você era pouco mais que um bebê, seus pais estavam em missão neste quadrante da galáxia. Houve um acidente e a nave caiu neste planeta.
- Um acidente? – Daniel repetiu, quase sem acreditar, mas as imagens surgiam com força em sua mente. Eram fragmentos de memória, com imagens do interior de uma nave espacial. Havia muita fumaça e ele lembrava que era difícil respirar. À sua frente, alguém tentava controlar o veículo para tentar um pouso forçado no planeta azul que aparecia nas telas.
-Sim. Você foi o único sobrevivente do acidente, mas ainda corria perigo. A sonda foi o meio mais rápido para garantir sua sobrevivência nos dias que se seguiram, pois só esse artefato poderia viajar com segurança através de um buraco de minhoca e vencer a enorme distância que separa Trix do planeta Terra, a tempo de encontrá-lo com vida. – Explicou Sybil. – A sonda foi sua babá, vamos dizer assim, até você ser encontrado por humanos deste planeta. Infelizmente ela parou de funcionar logo depois de você ser encontrado e, então, perdemos o principal instrumento para localizá-lo.
- Agora nós estamos aqui. Viemos buscá-lo. – Falou Jan
- Isso é inacreditável. Não sei o que pensar.
- Sei que é difícil de acreditar, mas você não é deste mundo. – Disse Sybil, complementando o que Jan dissera. – Em algum momento de sua vida aqui, deve ter percebido que é diferente das pessoas que conhece.
- Vamos com calma – Disse Jan. – Ele precisa de um tempo para assimilar tanta informação.
Contudo, Daniel estava impaciente para saber tudo. Ele procurara pro resposta sobre si a vida toda e não tinha mais tempo a perder.
- Eu compreendo tudo agora. – Disse ele, com a voz carregada de emoção. – Eu sempre me senti um estranho no ninho. Por isso uma sensação incômoda de não pertencer a lugar nenhum sempre me acompanhou.
- Você é um pouco diferente das pessoas que conheceu aqui. Não muito, mas o suficiente para sentir-se estranho, não é mesmo? Perguntou Sybil.
- Apesar disso, Você sempre soube que nós viríamos buscá-lo. Este é o momento pelo qual você esperou a vida toda. Falou Jan.
- Sim. Agora entendo minha obsessão por disco-voador. Mas... tenho  que abandonar tudo? Minha vida na terra?
Sybil olhou diretamente em seus olhos, antes de responder.
- Sim, de certa forma. Você voltará à terra, quando estiver preparado para sua missão. Viajar pelas estrelas sempre foi o seu sonho, não foi? Agora você pode torná-lo realidade.
- Não posso decidir uma coisa dessas assim. Preciso pensar.
- Nós compreendemos seu dilema. – Disse Jan. – Mas a próxima janela para retornarmos à Trix é daqui há três dias, pelo calendário da Terra. É quando teremos as coordenadas favoráveis para retornar. Você tem esse prazo para se decidir.
- Isso é uma loucura!
-Na verdade você não tem muita escolha. – Falou Sybil. – A espécie humana deste planeta está sendo observada há muito tempo. A decisão ainda não foi tomada, mas provavelmente iniciaremos o processo de extinção dos homens da Terra antes de partirmos.
Aquela revelação deixou Daniel em estado de choque. A extinção da espécie humana no planeta Terra o atingiu em cheio. A ameaça que pairava sobre os homens punha em risco tudo o que conhecia. Era impossível não pensar em Letícia, naquele momento.
- Nós vamos devolvê-lo à Terra agora. – Disse Jan. – Você tem uma decisão a tomar e não podemos pressioná-lo mais do que já fizemos.
Sybil fez menção de falar mais alguma coisa, mas Jan a conteve.
- Depois. – Ele disse. – Deixe-o decidir primeiro.
Daniel foi encaminhado a outro setor da nave. Ele teria apreciado cada momento daquilo, se não lhe pesasse a ameaça ao futuro dos seres humanos na Terra. Ele pensava isso de um modo amplo, mas era a imagem de Letícia que lhe vinha à mente naquele momento.
A noite avança na madrugada. Letícia dorme e sonha com Daniel. Não é um sonho bom, entretanto. Eles estão numa encruzilhada e Daniel escolhe um caminho diverso do caminho dela. Há uma luz no caminho que ele escolheu, que aumenta de intensidade e o atrai para longe dela. Ela se desespera e grita em pânico quando não consegue mais vê-lo.
De repente Letícia acorda suando frio
- Mas que droga! – Ela exclama, ainda ofegante.
Ela olha o relógio. O mostrador marca 3:30h. Ainda impressionada com o sonho, Letícia tenta dormir, mas o coração ainda inquieto a mantém desperta por muito tempo. Somente perto do alvorecer ela consegue cochilar, mas uma hora depois o relógio a despertou, enquanto sua mãe já preparava o café.
Letícia chegou na cozinha ainda bocejando.
- Bom dia. – Diz, sem energia.
- Nossa! Você tá parecendo uma alma penada.
- Nem me fale. Que noite horrorosa!
- O que aconteceu? Não conseguiu dormir?
- Tive um pesadelo e perdi o sono de madrugada.
Dona Aurora ia falar alguma coisa, mas é interrompida pela campainha da porta.
-Quem será o estrupício que bate na casa dos outros há essa hora? – Ela resmunga enquanto se dirigia para a porta. – Ah! Ë o noivo Extraterrestre. Só podia ser.
Daniel entra segurando um buquê de flores.
- Oi, sogrinha. Não é hora de você voltar pro caixão? Já amanheceu.
- Ainda falta morder o seu pescoço.
Letícia surge no hall, surpresa com a chegada dele.
- Oi, amor. O que você tá fazendo aqui, tão cedo? Isso é para mim?
- Sim. Esta noite eu senti uma saudade imensa de você. Nem consegui dormir direito, na verdade. – Disse ele, estendendo o buquê para ela.
Dona Aurora olha para Letícia por trás de Daniel e bota o dedo indicador na boca, antes de voltar para a cozinha.
- Puxa! São lindas! - Letícia exclama, desviando o olhar da mãe.  - Obrigada. Tem algum motivo especial?
- Tem. Amo você. Mas eu vim conversar algumas coisas.
- Também tenho novidades para você.
Antes que eles possam continuar, a mãe de Letícia volta para a sala toda agitada.
-Vocês viram a notícia da aparição de um disco-voador?
Daniel olhou para a sogra contrafeito, mas nada disse.
- Disco-voador? Você viu isso, Daniel?
- Não percebi. – Responde ele indeciso.
- -Tá no jornal da manhã. Apareceu na praia ontem à noite. Parece que os aliens vieram buscar você, afinal.
- Mamãe! – Exclamou Letícia
Impávida, dona Aurora faz um muxoxo e volta para a cozinha. Eles finalmente ficam a sós, mas Daniel já pensa em desistir da conversa que queria ter com ela. Agora que tinha acontecido, ele preferia que tudo não tivesse passado de um sonho maluco.
-Você não viu nada? – Ela perguntou de novo.
- Não. Fui dormir cedo.
- Puxa! Você tá realmente mudado. Então, o que você queria me contar?
- Você primeiro.
- Isso não é justo. Agora fiquei curiosa.
-Não é justo para quem, cara pálida? – Retruca ele, imitando um índio de filme americano. - Você me interrompeu e aquele pesadelo que abduziu sua mãe fez o resto, se metendo na conversa com outro assunto.
- Eu ouvi isso. – Responde Dona Aurora, da cozinha.
Letícia ri daquela implicância mútua.
- Tá bom. – Disse, baixando o tom de voz. – O que vou falar é confidencial, por enquanto.
- Jesus! Por que de repente eu fiquei preocupado? – Ele retruca, com uma expressão engraçada.
- Bobo. É uma notícia boa.
- Tá bom. Desculpe. Pode falar. Sou todo ouvidos.
- Vamos ter um bebê.

No comments: