Estruturas Narrativas
Matthew
Jockers, um americano, programador de computadores e PHD em literatura, criou
um programa estatístico para analisar a estrutura narrativa das obras
literárias. Ele identificou até oito padrões, presentes em cerca de 40.000
obras. A partir desses padrões, ele concluiu que as obras se assentam em dois
modelos apenas, que chamou “O homem na Montanha” e “O homem no buraco”, numa
referência à jornada do protagonista. No primeiro modelo, o protagonista segue
uma trajetória de queda e ascensão (reerguimento). Nesse caso, o protagonista
chega ao fundo do poço mais ou menos no meio da obra, quando dá início à
superação e reerguimento.
Já no segundo
modelo, o protagonista segue uma trajetória ascendente, com situações de
conflitos mais amenas, onde a redenção, vitória ou conquista, acontece também
no meio da trama. A segunda metade da obra se concentra na resolução dos
dilemas e ganchos dramáticos criados ao longo da história.
Segundo Jockers,
sobre esses dois modelos se apoiam 54% das obras pesquisadas. Em outro estudo,
realizado após o desenvolvimento dos sistemas computacionais a partir do ano
2000, o autor elegeu as obras que mais influenciaram a literatura, a partir da
identificação de elementos da estrutura narrativa que se repetiam em obras que
vieram depois. Nesse estudo foram 3.532 obras, de diversos autores. Entre eles:
Jane Austen, Dickens, Melville e Mark Twain. O resultado da análise mostrou que
a autora inglesa foi a que mais influenciou as gerações de escritores que
surgiram depois dela, considerando a estrutura das obras, o vocabulário e a
forma narrativa.
Em um sentido mais amplo,
há uma estrutura narrativa na literatura e nas artes audiovisuais contemporâneas que foi encontrada no poema épico Gilgamesh, escrito há 4.000
anos atrás. A obra, que narra as façanhas de um rei, já continha os elementos
narrativos usados até hoje, que pressupõe uma jornada em busca de algo, que
pode ser um tesouro, uma conquista, ou simplesmente uma transformação. Essa
jornada tanto pode ser no sentido sentido literal, de deslocamento num espaço
geográfico, quanto no sentido figurado, como ocorre quando o personagem se
envolve com suas próprias emoções e está em busca de si mesmo.
Falando da Jornada do
Herói, Albert Paul Dahoui comentou em um bem elaborado artigo o livro de Joseph
Campbel, “O herói de Mil Faces”, uma análise que identifica os elementos
principais de uma trama, através do estudo da estrutura presente em diversas
narrativas, desde o aparecimento da escrita até os dias atuais.
Segue abaixo, o artigo de
Dahoui na integra:
A Jornada do
Herói
Artigo de
Albert Paul Dahoui
Joseph Campbell
lançou um livro chamado O herói de mil faces. A primeira publicação foi em
1949, sendo o resultado de um longo e minucioso trabalho que Campbell
desenvolveu ao pesquisar a estrutura de mitos, lendas e fábulas. Seu trabalho
de pesquisa também analisou histórias modernas, assim como muitos roteiros de
filmes. Sua primeira observação foi que, em todas as histórias, existe um herói
e que a narrativa gira em torno de suas peripécias. Nem sempre o herói é um ser
humano, podendo ser um grupo de pessoas, um animal ou uma figura
mitológica. Campbell desenvolveu uma
estrutura de eventos que demonstra que o herói passa por doze etapas. A seguir,
iremos abordar cada uma delas para lhes dar uma idéia de sua estrutura básica,
mas achamos conveniente alertar para os seguintes aspectos.
1) Nem toda
história se encaixa no caso deste modelo. Portanto, se você está desenvolvendo
um romance ou já escreveu um, não se preocupe se ele não se encaixar
perfeitamente no modelo da jornada do herói. 2) Há histórias que se encaixam no
modelo de Campbell, mas não contém todas as etapas. Não há problema. Não há
necessidade de reestruturar a história só porque faltam alguns itens. Se sua
história já é boa, não mexa só para cair no modelo de Campbell. 3) No livro O
sucesso de Escrever de nossa autoria, mencionamos a estrutura de três atos. O
modelo de Campbell também pode ser reduzido ao modelo de três atos, e no
decorrer da exposição, mencionaremos cada um dos atos e seus pontos de
virada.
Vamos,
portanto, ao modelo de Campbell, também conhecido como os doze passos de
Campbell e Vogler.
Passo 1 – Mundo
Comum.
O herói é
apresentado em seu dia-a-dia.
Dica: Use a
técnica de mostrar e não dizer que explicamos em detalhe no livro O sucesso de
Escrever. No esquema de três atos, trata-se do primeiro ato ou parte, quando
expomos como é o nosso protagonista.
Como sou amigo
dos exemplos, vamos criar uma historia, exemplificando etapa por etapa.
Exemplo: Nosso herói é um policial a ponto de se aposentar. Seu único desejo é
cumprir o pouco tempo de serviço e se aposentar numa chácara que ele levou anos
para comprar. É viúvo e detesta gente de modo geral.
Passo 2 –
Chamado à aventura
A rotina do
herói é quebrada por algo inesperado, insólito ou incomum.
Dica: Não se
esqueça de que só existe história se o personagem for interessante e se seu
desejo for frustrado por um oponente. No O Sucesso de Escrever explicamos isso
com maior profundidade.
Dentro do
esquema de três atos, ainda estamos no primeiro ato.
A jornada do
herói Exemplo: O policial recebe a missão de levar um perigoso bandido em
custódia até outro estado, onde será julgado por vários crimes. Todavia, ele
sabe que os comparsas desse criminoso farão de tudo para libertá-lo.
Passo 3 –
Recusa ao chamado
Como já diz o
próprio título da etapa, nosso herói não quer se envolver e prefere continuar
sua vidinha.
Dica: não se
esqueça de que para haver um desejo frustrado é preciso que haja alguém ou algo
(o vilão da história) que frustre a vontade do nosso herói. Definir bem o vilão
é uma arte – veja O Sucesso de Escrever. Não deixem de ler sobre a Técnica do
Actor’s Studio of New York – é uma preciosidade.
Ainda estamos
no primeiro ato ou parte.
Cuidado: essa
etapa nem sempre é necessária ou existe numa história. Pode ser que o evento
ocorrido na etapa 2 (chamado à aventura) seja de tal ordem que não deixe margem
a recusas.
Exemplo: O
policial tenta passar a missão para outro, mas o seu chefe lhe diz que não há
nenhum perigo e que será uma viagem rápida e segura.
Passo 4 –
Encontro com o Mentor
O encontro com
o mentor pode ser tanto com alguém mais experiente ou com uma situação que o
force a tomar uma decisão.
Dica: É muito
importante se conhecer a Teoria dos Personagens descrita em O Sucesso de
Escrever. Construir personagens consistentes e interessantes é meio caminho
para o sucesso. Cuidado com os clichês.
Ainda estamos
no primeiro ato ou parte. Pode se colocar o ponto de virada aqui (veja O
Sucesso de Escrever para maiores detalhes sobre pontos de virada, reviravoltas
e embargos).
Exemplo: Nosso
policial descobre por meio de um investigador aposentado que um dos membros da
gangue do bandido, que ele terá que levar em custódia, assassinou seu irmão,
também policial, numa emboscada traiçoeira. Nesse ponto da história, ele se
lembra de que jurou no leito de morte de sua mãe que descobriria o assassino de
seu irmão (que tragédia, não?).
Passo 5 –
Travessia do Umbral
Nessa fase,
nosso herói decide ingressar num novo mundo. Sua decisão pode ser motivada por
vários fatores, entre eles algo que o obrigue, mesmo que não seja essa a sua
opção.
Dica: não se
esqueça de suspender a descrença do leitor – veja esse ponto em O sucesso de
Escrever.
Normalmente é
aqui que termina o primeiro ato, ou seja, logo após o primeiro ponto de
virada.
Exemplo: O
policial aceita a missão, mas esperando que seja atacado pela gangue e prenda o
assassino do irmão. Em vez de viajar de avião, ele resolve ir de carro, numa
viagem muito mais perigosa. 2
A jornada do
herói
Passo 6 –
Testes, aliados e inimigos
A maior parte
da história se desenvolve nesse ponto. No mundo especial – fora do ambiente
normal do herói – é que ele irá passará por testes, receberá ajuda (esperada ou
inesperada) de aliados e terá que enfrentar os inimigos.
Dica: Como se
trata da parte mais extensa, é interessante se construir essa parte conforme os
moldes típicos da Confrontação, ou seja, com embargos, pontos médios, novos
embargos e reviravoltas. Para maiores detalhes, leia O Sucesso de Escrever,
onde descrevemos cada um desses aspectos. Não se esqueça de usar todas as
técnicas do Dialogo Obliquo, assim como as Técnicas de Narrativa (cadinho de
emoções, progressão, manter a tensão etc.) descritas no livro já mencionado.
Exemplo: O
policial viaja de carro. A gangue o persegue. Ele se refugia numa cidade
pequena, onde conhece uma mulher que o ajuda, já que está levemente ferido. Um
início de romance começa entre os dois. O bandido que está sendo levado em
custódia consegue fugir, mas é preso pelo irmão da jovem, que ajuda nosso
herói. Os elementos da quadrilha fecham todas as saídas da aldeia, mas existe
um caminho pelas montanhas que somente um velho conhece. Nosso herói terá que
convencê-lo a levá-lo pela trilha perigosa.
Passo 7 –
Aproximação do objetivo
O herói se
aproxima do objetivo de sua missão, mas o nível de tensão aumenta e tudo fica
indefinido.
Dica: veja como
manter o suspense – leia O Sucesso de Escrever (era óbvio que eu ia mencionar
meu livro, não acha?).
Continuamos na
segunda parte – Confrontação. Podemos criar quantos embargos desejarmos, mas
não esqueça a progressão da história e o ritmo da narrativa. Você já sabe onde
procurar por esses tópicos, não é?
Exemplo: os
bandidos descobrem a trilha que o policial seguiu e começa a persegui-lo. Além
de estarem sendo levados por um homem velho, o policial está ferido e o próprio
bandido em custódia não o ajuda em nada, atrapalhando sua andança. Oh,
dificuldades!!!
Passo 8 –
Provação máxima
É o auge da crise
– precisa dizer mais?
Dicas:
Lembre-se sempre para quem você está escrevendo. Ele irá estabelecer o tema, o
gênero e a trama – vejam definições em O Sucesso de Escrever (acho que estou me
tornando chato – prometo não mencionar mais meu livro que você pode comprar no
site www.corifeu.com)
Ainda estamos
na Confrontação.
A jornada do
herói Exemplo: o herói está cercado e se refugia numa cabana. O velho é ferido.
A munição está para acabar. Quando ele está para ser morto, espera uma ajuda
inesperada da polícia local, avisada pela jovem que se apaixonou pelo herói.
Passo 9 –
Conquista da recompensa
Passada a
provação máxima, o herói conquista a recompensa.
Dicas: prometi
não mencionar mais meu livro, portanto não posso dar mais nenhuma dica. Estão
todas lá no livro...oops, quase me traí.
Exemplo: após o
herói ser salvo, ele consegue levar o bandido para o estado que o julgará por
inúmeros crimes. Todavia, um dos bandidos da quadrilha fugiu, mesmo que a
maioria foi presa ou morta.
Passo 10 – Caminho
de volta
É a parte mais
curta da história – em algumas, nem sequer existem. Após ter conseguido seu
objetivo, ele retorna ao mundo anterior.
Dica: eu não
daria muita importância a esta parte. Mencione-a en passant.
Em tese,
estamos na parte final ou terceira parte – Resolução. Você já sabe, para
maiores detalhes sobre Resolução, leia...
Exemplo: O
herói toma um avião de volta para sua cidade de origem, sendo parabenizado por
todos os colegas.
Passo 11 –
Depuração
Aqui o herói
pode ter que enfrentar uma trama secundária não totalmente resolvida
anteriormente.
Dica: faça ser
uma surpresa absoluta.
Em tese, se
houver uma reviravolta, você ainda estaria na confrontação, mas nada é fixo e
imutável quando se escreve. Conheça as regras e depois quebre-as, se
quiser.
Exemplo: quando
nosso herói entra em casa, após a longa viagem, ele é surpreendido com o
bandido que fugira. Ele o espera para liquidá-lo. É o assassino de seu irmão e,
antes de matá-lo, revela algo de estarrecedor a seu respeito – o crime fora
encomendado pelo capitão da polícia, seu chefe – por isso os bandidos sabiam de
todos os seus passos. Quando ele está para dar o tiro fatal, ele cai morto – a
mulher que o ama o salva.
Passo 12 –
Retorno transformado
É a finalização
da história. O herói volta ao seu mundo, mas transformado – já não é mais o
mesmo.
Dica: ao se
estruturar o personagem, existe aqueles que se transformam e os que permanecem
inalterados. Normalmente, a história é melhor quando o herói se transforma em
alguém melhor.
A jornada do
herói Exemplo: o herói casa-se com a jovem que o salvou e vai ser o chefe de
policia da pequena cidade.
Última dica:
escreva e reescreva, pois escrever um livro exige planejamento, treinamento e
revisão – vejam as técnicas de revisão em O Sucesso de escrever – desculpem, eu
menti quando disse que não ia mencioná-lo novamente. Um abraço e boa sorte.
Precisando de mim, escrevam para comercial@corifeu.com
Podem copiar e
distribuir entre seus amigos. Só não podem vendê-lo. (Essa nota é parte
integrante do artigo original).
Curvas de Suspense
Também conhecidas como curvas dramáticas, ou plots, as
curvas de suspense estão no arcabouço de uma história bem contada. Mas o que
seriam, afinal de contas?
Em toda história, seja num romance, conto ou roteiro,
o autor apresenta um enredo ao leitor, que é conduzido por uma linha mestra do
começo ao fim. É a história principal, inicia apresentando as informações
básicas, assim determinadas pelo autor como essenciais. Essas informações
servem tanto para situar o leitor (ou expectador) na trama, como para
envolvê-lo e estabelecer a conexão necessária para que ele (o
leitor/expectador) “entre na história” e se torne coautor, uma condição
essencial para que a história se realize e exista em sua mente. Assim, a ideia
“entrar na história” começa a fazer sentido.
Da premissa inicial, onde responde questões básicas (quem,
quando e o quê), a linha mestra da história avança e apresenta o conflito e o
opositor, resolução e epílogo. Essa linha mestra assume a representação de um
gráfico, onde o clímax se situa no ponto máximo de tensão no meio da história.
Essa mesma disposição se repete em cada capítulo, que
possui sua própria linha mestra, com começo meio e fim, que se conecta ao
início de outro capitulo e outro, todos integrados à linha mestra principal,
que conduz todo o romance até o epílogo.
Ao longo da linha mestra podem ocorrer tramas
paralelas, com suas próprias linhas de desenvolvimento e personagens
coadjuvantes, mas conectadas à evolução da trama principal.
Em cada capítulo de uma trama é importante inserir
questões e situações de conflitos que se resolverão nos capítulos seguintes e,
também no fim, para manter o suspense e o interesse do leitor. São os ganchos
de que se valem os autores de seriados ou novelas.
Estrutura do texto
Os parágrafos devem apresentar uma ideia (ou ação)
completa e que se integre ao contexto do capítulo que, por sua vez, se conecta
ao enredo principal que suporta toda a trama.
Em uma boa narrativa, quase sempre o menos é mais. Deve-se evitar textos
desnecessariamente prolixos, com grandes parágrafos e frases longas.
“De repente ele percebeu que o olhar
dela havia se desviado para o lançador. Havia chegado o momento de uma desgraça
praticamente anunciada. O anticlímax o fez lançar uma prece silenciosa a todos
os deuses que conhecia, mesmo tendo a convicção de que deuses não se importavam
com o miserável destino de um simples mortal no jogo de taco.” (Zaphir, 2014)
Narração e diálogos são partes distintas e não devem
ser misturados no mesmo parágrafo, a menos que a frase do personagem seja
entremeada por um comentário ou informação do narrador. Um recurso que deve ser
usado com parcimônia.
“-
Michel é mariquinha! Michel é mariquinha! – Gritavam em coro, remexendo os
quadris, na tentativa de imitar o que lhes parecia o jeito de andar das meninas.”
(Zaphir, 2014)
Descrições de personagens, locais, sentimentos e
outras informações da trama, seguem a linha do menos é mais. Deixe algo para a
imaginação do leitor. Quando há uma conexão com a história, ele mesmo completa
o quadro pintado. É claro que um texto enxuto não quer dizer um texto ruim. Sua
missão é encantar o leitor e torná-lo seu cúmplice na história contada. Um bom
texto procura instigar o leitor e conduzi-lo por caminhos inusitados e novas
experiências literárias, sem descuidar do foco principal, que é contar uma boa
história.
Cada parágrafo deve conduzir o leitor pela trama de
forma coerente, sem erros de continuidade. Um acontecimento, descrição, ação ou
narrativa de um parágrafo não deve contrariar as premissas iniciais da história
contada, ou o que já foi revelado numa parte anterior.
Ponto de Vista.
Também chamado POV (Poin of view) é a perspectiva
escolhida para narrar a história. Há três tipos de ponto de vista possíveis,
segundo os manuais de técnicas narrativas:
- Primeira Pessoa. Nesse caso, o narrador também é
personagem da história e toma parte ativa nos eventos narrados. Isso leva o
leitor a participar da trama no ponto de vista do narrador e estabelece com ele uma conexão.
“Depois de um longo e cansativo processo, que
incluiu diversas entrevistas, teste psicotécnico e exame médico, recebi a
confirmação de que havia sido admitido no novo emprego. A entrevistadora deu-me
a notícia de um jeito que me fez pensar que eu havia ganhado na loteria. Sem
saber ainda como deveria me sentir, correspondi ao seu sorriso de boas-vindas.
- Bem-vindo à nossa ‘família’.
- Ela disse, ainda sorrindo daquele jeito estranho.” (Requiescat in Pace, 2016).
-
– POV de segunda
pessoa:
(Continua)
Texto ainda em elaboração.
No comments:
Post a Comment