Parte 8
Daniel
nada diz. Letícia percebe que a notícia o deixou chocado e fica magoada com sua
reação, mas tenta controlar-se e olha para ele em tensa expectativa.
-Tem
certeza? Isto é, o bebê estava nos nossos planos, é claro. Mas nós sempre nos
prevenimos até decidirmos, e você nunca falou nada sobre gravidez.
-
Sim. – Ela respondeu insegura. – Exceto aquela noite na praia, lembra? Foi tudo
tão repentino, que nós não lembramos de nenhuma prevenção... Você não gostou da
notícia, não é?
De
repente, ele se deu conta de que sua reação não era adequada e a abraçou.
-
Não, não. Apenas me pegou de surpresa. Mas o nosso filho será muito bem-vindo.
É que eu... Bem. Deixa pra lá.
-
Fala. Agora você tá me deixando aflita.
-
Não, não. Apenas me pegou de surpresa. Mas o nosso filho será muito bem-vindo.
É que eu... Bem. Deixa pra lá.
-
Como assim, deixa pra lá? – Retruca ela, quase sem fôlego, sem saber se deveria
ficar furiosa ou chorar.
Ele
a olhou nos olhos e sentiu um aperto no coração. Como poderia lhe falar o que
tinha acontecido sem magoá-la ainda mais? Não havia uma resposta satisfatória,
por mais que tentasse pensar em algo. Precisava de mais tempo para decidir.
-
Não é nada demais. Eu queria dizer que tinha um apartamento para a gente ver,
do jeitinho que a gente queria. Mas agora teremos uma terceira pessoa em nossos
planos, enxoval de bebê, essas coisas.
Letícia
respirou fundo. Queria muito acreditar nele, mas sua intuição lhe dizia que
Daniel ainda estava ocultando algo.
-
Tem certeza? Não quero que você se sinta obrigado a nada.
-
Claro que sim! Unir minha vida à sua sempre foi o meu maior sonho.
-
Você quer dizer... O segundo maior sonho, não é? O primeiro sempre será as
estrelas.
-
E a mais brilhante delas é você.
-
Tá bom. Agora chega de enrolar. O que você queria me falar? Parecia muito
importante.
-
Deixa prá lá. Eu queria que fôssemos ver um apartamento, mas agora ele ficou
pequeno demais. Temos que procurar outra coisa. Gostou das flores?
-
Adorei. Vamos nos ver esta noite?
Ele
afagou seu rosto e a beijou com carinho.
-
Sim. Mas agora tenho que ir trabalhar. Até à noite.
Depois
que ele saiu, Letícia ficou pensando sobre aquele comportamento estranho. Tinha
certeza de que algo estranho estava acontecendo. Outra mulher? Não! Ela tinha
plena certeza nos laços que os unia.
-
Tem coisa aí. – Disse para si mesma.
-
Disse alguma coisa? – Perguntou Dona Aurora, surgindo na sala.
-
Não. Só pensei alto.
Dona
Aurora faz menção de falar alguma coisa, mas Letícia a deixa sozinha.
-
Parece que o mau humor começo cedo aqui. – Disse ela, e voltou para a cozinha.
Assim
que chegou no trabalho, Daniel percebeu que o dia não seria fácil. Assim que
entrou, viu que Fábio vinha ao seu encontro. Aquele imbecil o fez pensar como
seria fácil largar tudo, se não fosse Letícia e o fruto do amor deles, que ela
trazia no ventre.
-
Além de faltar com frequência, parece que o caçador de ET está se acostumando a
chegar atrasado. – Provocou Fábio, assim que chegou perto.
-
Um dia que eu chego atrasado não caracteriza um hábito, como acontece com você.
Aliás, o que você tá fazendo aqui, tão cedo? Caiu da cama ou a sua mulher o
expulsou de casa?
Alguns
colegas de trabalho soltam risinhos e Fábio, embaraçado, olha ao redor soltando
faíscas.
-
Muito engraçado. Deve ser por isso que fui promovido para a chefia que você
também queria. – Disse ele mordaz.
-
-É mesmo? Parabéns! Fico feliz em saber que você conseguiu algo importante para
a sua vida.
-
É mesmo, sabidão? E você? O que é importante para você?
-
Você não compreenderia.
-
Por que não?
-
Você olha apenas para o que está na altura dos seus olhos. Experimente
contemplar as estrelas.
Os
risinhos aumentaram e Fábio já não conseguia controlar a irritação.
-
Você é doido.
-
Eu disse que você não compreenderia. – Retrucou Daniel imperturbável.
Desestabilizar aquele bobalhão era um dos poucos prazeres que se permitia alí.
-
Espero que esse disco voador que foi visto na praia tenha vindo buscar você.
-
Quem sabe os ETs não o escutam?
Antes
que a situação pudesse se degenerar em baixaria, Prudêncio entrou na sala, e
com cara de poucos amigos.
-
Salve Mestre Yoda. – Diz Fábio, tentando ser engraçado.
-
Você não tem nada pra fazer? – Perguntou Prudêncio de modo ríspido.
Fábio
engoliu em seco e retornou à sua mesa, sem mais comentários.
-
Daniel, você poderia vir à minha sala?
A
conversa na sala de Prudêncio não foi muito longa, apesar do receio de Daniel
em passar por um longo calvário de recomendações e conselho. Ele tinha seu
amigo em alta conta. Era uma das poucas pessoas que pareciam compreender sua
natureza estranha, mas sua capacidade de absorver contrariedades estava no
limite e ele deu graças a Deus por Prudêncio só tratar de assuntos relacionados
com o trabalho.
Somente
no fim daquela reunião informal é que Prudêncio mudou sua conversa para um tom
mais pessoal.
-
Eu tenho um recado para você.
-
Um recado?
-
Sim. Um tal de Paulo Botelho ligou para cá querendo falar com você, hoje cedo.
O telefone tocou assim que entrei no escritório.
-
Paulo? Devia ter imaginado que ele entraria em contato. Eu não tinha me dado
conta, mas o Paulo é a pessoa que eu precisava encontrar.
-
Pois então, tá aí a oportunidade. Ele está hospedado no hotel Colúmbia
Aquela
manhã custou a passar, tal era a ansiedade de Daniel em falar com alguém mais
próximo dos seus interesses. A amizade com Paulo foi construída ao longo de
muitos anos de convivência e camaradagem nos encontros de ufólogos e nas
investigações que ambos faziam por conta própria, quando seus caminhos
eventualmente se cruzavam.
O
reencontro com o amigo foi marcado no restaurante do próprio hotel onde Paulo
estava hospedado. Daniel foi o primeiro a chegar, apesar de ter atravessado a
cidade para isso. Enquanto esperava, pôs-se a lembrar das vezes em Paulo o
provocava para descobrir sua real motivação para seguir naquela caçada
disco voadores, cujos resultados pareciam estar longe de serem conclusivos.
Em
certas ocasiões, sentiu-se tentado em contar-lhe seus segredos, mas tinha
receio que Paulo o considera-se um lunático. Afinal, credibilidade era um
artigo escasso naquele meio, constituído mais por boatos e armações do que
fatos concretos. Nesse encontro, ele poria finalmente o amigo a par de tudo,
pois finalmente tinha as evidências que podia corroborar suas afirmações. Pelo
menos esse era o seu pensamento, ao olhar para o relógio pela décima vez.
Felizmente Paulo acabara de entrar no restaurante e acabara de avistá-lo.
-
Grande Daniel. Como você está? – Saudou ele, enquanto correspondia ao aperto de
mão.
-
Estou bem. É um prazer revê-lo. Sente-se.
Paulo
sentou-se e chamou o garçom.
-
Eu sei que você está no meio de um dia de trabalho, mas eu preciso de uma
cerveja bem geladinha.
-
Vou tomar um copo, mas não conte nada para ninguém.
-
Combinado. – Respondeu Paulo rindo, mas um tanto surpreso com a disposição de
Daniel em transigir. Ele sabia o quanto seu amigo prezava disciplina e
responsabilidade.
-
Imagino que você tenha vindo aqui para conferir a história do disco-voador, não
é? – Perguntou Daniel, depois de brindarem à amizade que os unia.
-
Sim, sem dúvida. Foi a aparição mais bem documentada que já vi. Tenho esperança
de que não seja uma farsa.
-
Não é. – Respondeu Daniel com seriedade.
-
Então você esteve naquela praia. Viu alguma coisa concreta?
-
Mais que isso. Eu estive com eles.
-
Eles quem?
-
Os ETs, aliens, seja lá como for que você queira chamá-los.
Paulo
olhou para Daniel atônito.
-
Caraca! Você bebeu? Fumou um?
-
Daniel -Sabia que seria inacreditável, mas não bebi, nem tomei ou fiz uso de
qualquer outra coisa. Aconteceu mesmo. Foi real.
-
Tá bem. Desculpe-me. Conte-me como foi.
Com
o olhar fixo em algum ponto à sua frente, Daniel conta os detalhes de sua
abdução e revela finalmente a incrível história de sua origem extraterrestre.
Paulo o escuta atentamente, sem interrompê-lo. Aquelas revelações, supondo que
Daniel estivesse em seu juízo perfeito, seria tão chocante que provavelmente
deveria continuar oculta do resto do mundo.
-
Isso é inacreditável. Nem sei o que pensar.
-
Na verdade você está pensando que eu pirei de vez, não é?
-
Você é sério demais para isso. – Disse Paulo em tom de galhofa. – Tá bom, se
não lhe conhecesse há tanto tempo, poderia pensar isso, sim. Mas sempre soube
que você tinha algo estranho, que me fugia à compreensão. Agora, nem em meus
maiores delírios de imaginação poderia pensar que o caçador de ETs é, na
verdade um deles. Isso é demais.
-
É realmente inacreditável e, até eu duvidaria da minha sanidade, mas posso
provar o que digo.
-
Pode? Como?
-
Com isso. – Disse Daniel, colocando um objeto em cima da mesa.
-
Um celular?
-
Não é um celular. É um comunicador. Ele atua numa frequência que não pode ser
captada por nenhum aparelho da Terra, segundo me disseram.
-
Fantástico. Gostaria de ver isso.
-
Acho melhor irmos para um lugar discreto, então. Ainda não usei isto e não sei
o efeito que pode causar.
-
Acho que não, mas imagine se esse aparelho projetar uma imagem holográfica dos
meus novos amigos aqui, no restaurante.
-
Bom, pelo menos você ainda mantém o bom humor. Vamos para a minha suíte. Lá
estaremos livres de olhares curiosos.
Logo
depois de pagarem suas contas eles subiram para a suíte ocupada por Paulo no
hotel. Enquanto isso, do outro lado da cidade, Fábio e Andrade também
terminavam de almoçar e falavam abertamente do assunto que mais os interessavam.
-
É incrível, mas ele parecia não se importar. Não entendo como alguém pode ser
tão desinteressado da carreira.
- Acho que Daniel não é realmente deste mundo.
– Fala Andrade. - Pra mim o sujeito é totalmente pirado.
-
Não sei se ele é realmente maluco, mas que hoje parecia um pouco mais estranho
do que o habitual, lá isso parecia. O olhar dele, cara... Era um olhar de quem
estava se despedindo, imagina só.
-
Agora é você que tá se deixando levar pela imaginação. O sujeito apenas tem uma
concepção de vida diferente. Talvez seja um desses monges budistas, um
comunista, sei lá.
-
Acho que tem mais coisa aí... – Comenta Fábio em voz baixa, fazendo Andrade
rir.
-
Só falta você falar que o comportamento dele tem a ver com o disco-voador, que
dizem ter aparecido na praia ontem à noite.
Poderia
ser não é? O disco foi visto por muita gente.
-Bobagem!
Essa aparição pode ter sido mais um golpe publicitário, como aquele de
Florianópolis. Aliás, não me surpreenderia se o Daniel estivesse envolvido com
isso.
-Não
exagere. Tá certo que ele é meio pancada, mas o Daniel é o sujeito mais íntegro
que já conheci.
-
Pode ser para você, mas todo mundo guarda um esqueleto no armário. Ele não é
melhor que ninguém, pode crer.
-
Talvez...
Enquanto
essa conversa edificante se desenrolava, Paulo e Daniel chegaram na suíte. Para
se garantir de que não causariam nenhuma confusão, eles se apressaram em fechar
as cortinas.
-
Pronto. – Disse Paulo - Creio que assim não corremos o risco nenhum.
Em
resposta, Daniel aciona o aparelho e uma luz suava se projeta em um ponto
diante deles. A luz tremula e depois estabiliza, formando a imagem de Sybil.
Paulo olha para ela com uma expressão abobalhada.
-
Fico feliz que tenha nos chamado, Daniel. – Ela diz. – Já tomou sua decisão?
-
Ainda não. Surgiram novos fatores que tenho que considerar. Minha... Minha
namorada está grávida e isso muda tudo.
-
Compreendo seu dilema, mas tem que tomar uma decisão logo.
-
Não poderia levá-la comigo? – Ele pergunta, de repente aflito.
-
Infelizmente não podemos levar um passageiro extra. Se você pretende unir-se à
mulher, terá que desistir daquilo que esperou a vida inteira.
-
Então, talvez ela possa esperar minha volta.
-Você
sabe que isso não é possível, Daniel. Para você, se passarão alguns anos, mas
para ela terão se passado décadas. Provavelmente, ela terá esgotado seu tempo
de vida, quando você retornar. Sinto muito.
-
Então só me resta decidir...
-
Você deve fazer isso o quanto antes. Seu tempo está se esgotando.
-
Eu sei. Voltarei a chamar, assim que tiver tomado uma decisão.
-
Está bem, mas não esqueça que temos uma janela astronômica que não podemos
perder. Seu tempo para decidir é curto.
A
imagem de Sybil tremula e desvanece.
-
Caraca! – Exclamou Paulo, atônito. Se eu não tivesse visto, não acreditaria.
-
Nem eu. Mas isso não é tudo.
-Tem mais?
- Sim. Eles me disseram que estão analisando a
ação do homem na Terra. É possível que isso não seja uma boa notícia.
Paulo
o fitou com uma expressão interrogativa. Aquela conversa estava se tornando
muito estranha e, de repente, ele teve um mal pressentimento.
-
Como assim?
-
Eles falaram que a humanidade pode ser extinta.
-
Isso não é um prognóstico muito animador.
-
Nem é definitivo, se entendi bem. Também não sei quando ocorrerá. Como não
voltaram a falar sobre isso, creio que o tempo para eles funciona em outra
escala. Talvez isso não aconteça neste milênio, espero.
-
Eu também, mas se a coisa engrossar me avisa. Vou parar de pagar as contas e
comprar uma passagem pro Havaí.
-
Você não parece muito preocupado com a possibilidade de extinção da humanidade.
-Se
tivesse esse poder, meu caro... Eu mesmo faria isso.
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