Trecho adaptado do romance Zhaphir.
Nenhum dos dois confessou, mas ambos estavam nervosos e pensaram em voltar para casa antes mesmo de entrar. Entretanto, respiraram fundo e foram em frente para o primeiro compromisso social de suas vidas. O receio inicial logo se mostrou infundado, quando a dona da festa os recebeu no hall de entrada do clube.
— Que bom que vocês vieram. — Disse ela com simpatia inesperada. — Já conhecem o clube? O salão da festa fica em frente e, ali ao lado, fica a sala dos pais, mas não se preocupem com isso. Eles logo estarão bêbados ou entediados demais para ficar controlando a gente.
Valéria pegou a mão de Gabriela e a levou para o salão. O toque de sua mão era quente e afável e fez Gabriela de repente se descontrair. Michel as seguiu um pouco atrás, depois de distrair-se olhando as meninas que chegavam. Ao entrar, ouviram os acordes iniciais de Be my baby, uma música que fez sucesso antes mesmo de seus pais nascerem.
— O tema da festa é Anos Cinquenta. Foi uma ideia de minha mãe. — Explicou Valéria. — Ela disse que foi essa música que dançou com papai, quando eles se conheceram. Pelo que sei já era uma música antiga na época deles, mas eu gostei da sugestão. Não entendo a letra, mas parece tão romântica.
— Eu gostei. — Disse Michel, imaginando se teria coragem de tirar uma menina para dançar.
Ainda segurando a mão de Gabriela, Valéria os conduziu até as mesas onde estavam seus amigos da escola.
— Agora vou receber outros convidados e dar uma circulada, mas depois eu volto. — Disse ela sorrindo. — Fiquem à vontade.
A princípio Michel não teria motivos para ficar a vontade naquele grupo. Em sua maioria era formado pelos mesmos garotos que o esnobavam na escola, mas eles pareciam diferentes do que se mostravam na sala de aula. Em alguns minutos estavam relembrando com bom humor a surra que Jorjão levou de Gabriela. Sua performance imitando o valentão fugindo dela arrancou gargalhadas. Nesse ínterim, algumas meninas olhavam para ele com admiração, por algum motivo que Michel não compreendeu, mas estava adorando.
Gabriela também estava diferente. Parecia feliz com o efeito que parecia causar nos garotos quando dançava aquelas músicas antigas. Nem mesmo ela sabia que podia gostar tanto disso e acabou descobrindo que era bom não parecer um menino. Valéria voltou logo depois e sorriu para ela, juntou-se ao grupo da escola e caiu na dança.
O tempo passou sem que eles percebessem e o salão começou a esvaziar. Logo restava apenas o grupo da escola e a música cessou por força do regulamento do clube para festas de aniversário de adolescentes. Era o fim da festa, mas os pais presentes na sala ao lado não pareciam ter pressa de ir embora. Então alguém sugeriu que brincassem de “Salada Mista”. Era uma brincadeira onde cada fruta tinha um significado. Pera significava um simples aperto de mão, uva um abraço, maçã um selinho e salada mista um beijo mais atrevido. Os participantes ficavam em círculo e uma das pessoas ficava no meio com o braço esticado e olhos fechados e era girada por outra. Quando o giro cessava, a pessoa ainda de olhos fechados e sem saber para quem estava apontando, tinha que escolher uma das frutas ou salada mista. A pessoa que girava no centro podia se dar bem, quando acertava quem desejava ou muito mal, quando a ousadia da escolha recaia sobre a pessoa errada.
A primeira a ficar no centro foi Marina, uma moreninha espevitada, de olhos amendoados. Era uma das meninas que olhava Michel com insistência no início da festa. Esperta, ela memorizou sua posição antes de fechar os olhos e contou os giros que dava. Ao parar, ainda de olhos fechados, apontava certeira para ele.
Ao perceber que tinha sido escolhido, Michel começou a torcer mentalmente: “salada mista, salada mista!”.
— Maçã. — Disse ela.
“Droga!”.
— Vai Marina! Pega ele! Gritaram os demais participantes em coro.
A menina se aproximou olhou-o nos olhos e deu-lhe um beijo estalado na boca, sob os aplausos da torcida organizada.
“Bem, pelo menos não sou mais BV”. Pensou ele resignado. Na linguagem dos adolescentes, BV significava Boca Virgem, um atributo não muito meritório.
Mais duas pessoas foram para o círculo até que Valéria também foi sorteada. Ela girou várias vezes até que parou apontando para Gabriela.
— Salada mista. — Escolheu Valéria ousada. Ela tinha feito quinze anos e havia decidido
que aquela noite seria memorável.
— Não! — Exclamou Gabriela do alto dos seus 13 anos completados há poucos meses. —Não era para mim que ela queria apontar. Eu mudei de lugar.
— Vai amarelar agora Gabriela? — Gritou um dos participantes.
Outros protestos se fizeram ouvir e Gabriela não soube o que fazer para sair daquela enrascada. Valéria se aproximou e a incentivou a continuar a brincadeira.
— É só uma brincadeira, Gabi. Não vai doer. — Ela disse com uma expressão maliciosa no olhar. Gabriela não se moveu e ficou um momento em silêncio. Achava aquela situação
esquisita e queria sumir dali, mas também não iria amarelar na frente de todo mundo.
— Tá. Vai logo com isso.
As bocas se encontraram e Gabriela sentiu a língua de Valéria se insinuando entre seus dentes.
— Eu sabia onde você estava. — Disse Valéria em voz baixa, enquanto se afastava.
Gabriela não soube o que dizer. Estava confusa, mas certamente iria se lembrar dessa festa durante muito tempo.
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