O Bosque dos Lamentos
— Veja! — Exclamou o saci,
apontando uma árvore. – Estamos entrando no bosque dos lamentos.
Era uma árvore cheia de galhos
retorcidos e de aspecto ameaçador. Atrás
dela outras árvores apareciam. Cada uma de aspecto mais sombrio que a anterior,
que dava ao bosque uma atmosfera lúgubre em plena luz do dia.
— Que árvores feias! Pensei que
ia encontrar um bosque bonito.
— Isso é só o começo. —
Respondeu Icas. — Este lugar é tenebroso e assustador, até mesmo para um saci.
— Fala sério! São apenas
árvores maltratadas pelo tempo.
— Talvez para você, que é
humana e não percebe o que se encontra além do que os olhos podem ver. Para mim
este lugar é tudo o que a lenda diz.
Gabriela não se deixou levar
pelos lamentos do saci, mas percebeu que a sua montaria estava ficando
inquieta.
— O que está acontecendo?
— Vozes! Está ouvindo?
Antes que ela respondesse, uma
ventania surgiu e passou uivando entre os galhos das árvores, que se agitavam
como se quisessem sair do lugar.
— É só o vento passando entre
as árvores, eu acho.
— Não. São vozes, sim. Ouça!
Gabriela achou bobagem, mas
procurou prestar atenção no silvo do vento. Ainda não achou nada de estranho,
mas subitamente distinguiu algumas palavras entre o ruído sibilante da
ventania.
— ... Ela voltou... Maldita... E
traz consigo o ceifador de almas... — Dizia um coro de vozes sobrenaturais.
— Credo! – Exclamou, sentindo
um arrepio. — De quem será que estão falando?
— Acho que é... De você. —
Respondeu o saci.
— Eu? Mas quem é o ceifador de
almas?
— Quem pode saber do que essas
almas amaldiçoadas estão falando?
—Será que os fantasmas não
estão falando de você? — Perguntou ela de repente.
O saci não respondeu. Temia que
isso pudesse acontecer naquele lugar e não era chegada a hora de revelar-se.
Entretanto, o impasse se resolveu por si mesmo. A montaria pôs-se a corcovear e
os atirou no chão, mesmo com o rosnado de advertência do Cão das Sombras.
Depois o paquiderme saiu do bosque em disparada, como se estivesse sendo
perseguido por alguma força maligna.
O cão rodeava Gabriela e
rosnava para algo que só ele parecia ver. Então os espectros se tornaram
visíveis e carregavam em si os vestígios de morte violenta. Alguns estavam
degolados, outros com membros amputados e terríveis chagas, testemunhas de
sanguinários combates. Vários outros espectros foram surgindo e se colocando ao
redor de Gabriela com dedos encarquilhados apontados para ela.
— Voltou Maldita? Tua sede de
sangue não tem fim? — Disse uma aparição mais próxima.
Icas, numa atitude
surpreendente, pulou à frente de Gabriela agitando os braços.
— Voltem para as trevas! —
Gritou o saci.
Os espectros gargalharam e se
voltaram contra ele.
— Tu nada podes neste mundo
contra nós, ceifador. Tua sina é maior que a nossa, pois continuarás vagando
eternamente ainda vivo.
— Quem são vocês? — Perguntou
Gabriela, sem se deixar amedrontar.
— Quem somos nós? — Retrucou
outra aparição, com uma gargalhada esganiçada. — Somos os malditos que tua
espada mandou para o limbo.
— Sim. — Respondeu outro
espectro. — A nós, que caímos em combate diante de ti, é negado o direito do
guerreiro morto à glória de cavalgar e combater ao lado da deusa da morte.
— Somos malditos, condenados a
vagar por entre este vale de sombras até que encontres a morte e tua carcaça
apodreça no reino dos mortos. — Disse um espectro, soltando um miasma
esverdeado e pútrido.
— Argh! Que fedor.
— É o hálito da morte que vem
te buscar.
— Vingança! — Bradaram os
espectros fechando o círculo.
O Cão das Sombras saltou sobre
eles com as mandíbulas escancaradas, mas os atravessou como se não existissem.
Os espectros ergueram Gabriela do chão, fazendo-a girar de modo grotesco sem
tocá-la.
— Soltem-me! Icas!
O saci, num ato quase
instintivo, tirou sua carapuça e a pôs na cabeça de Gabriela. Quase
imediatamente ela caiu no chão e os espectros sumiram como se nunca tivessem
estado ali.
— Funcionou! — Exclamou ele,
ajudando-a levantar-se.
— Para onde eles foram?
— Acho que voltaram para o
limbo.
Pela primeira vez naquela
jornada, Icas sentiu que a menina estava abalada. Não foi difícil perceber o
que a incomodava: um grande fardo de culpas havia sido colocado em seus ombros.
Os deuses deste mundo tinham uma estranha forma de fazer justiça e punir os
atos de vilania cometidos em seu nome. Para o saci, naquele momento, não fazia
sentido atribuir culpas de uma vida passada de quem quer fosse sobre sua vida
presente. Afinal, os ciclos de vida eram independentes e as memórias não
deveriam ser carregadas para novas existências.
Do romance Zaphir
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