Ao
anoitecer do dia seguinte, o ufólogo Daniel já se encontra em Florianópolis,
hospedado no hotel mencionado na reportagem. Depois de se acomodar, ele desceu
ao saguão, com a intenção de encontrar alguém que tenha realmente presenciado a
aparição do OVNI.
Apesar
da ansiedade em chegar ali, de repente toda a sua expectativa se esvaziou. Em
seu íntimo, Daniel temia decepcionar-se mais uma vez e, pela primeira vez em
anos de procura, ele sentia que não tinha nenhuma pressa em checar aquela
ocorrência.
- Eu
sabia que ia encontrar você aqui! – Disse uma voz conhecida atrás dele.
Era
Paulo Botelho, um companheiro eventual em suas aventuras como caçador de OVNI.
- Paulo!
Como vai você?
A
presença de um dos poucos amigos que tinha, de repente o fez perceber todo o peso
de sua solidão. Precisava encerrar aquela busca sem nenhum propósito e mudar os
rumos de sua existência, antes que fosse tarde demais.
- Vou
bem, mas espero ficar melhor, se o ETs resolverem aparecer de novo.
- Você
já está aqui há muito tempo?
- Cheguei
hoje de manhã. Rapaz! Você teve muita sorte em conseguir um apartamento vago. O
hotel está lotado.
- Parece
que muita gente acabou tendo a mesma ideia.
- Sim,
esse tipo de coisa sempre desperta certo fascínio nas pessoas. Menos para você,
não é?
-
Como assim? – Perguntou Daniel, pouco à vontade com aquele assunto. Nem mesmo
ele sabia o que pensar sobre sua obsessão por OVNIS.
-
Vamos ao bar, para a gente conversar melhor.
Eles
se dirigiram ao bar do hotel e escolheram uma mesa discreta, afastados do
burburinho causado por um grupo de turistas.
-Você
é diferente. As pessoas que estão aqui são do mesmo tipo das que sempre
encontramos nessas ocasiões: histéricos, curiosos, alguns pesquisadores sérios,
um punhado de malucos, seitas estranhas, e outros que precisam de um pretexto
para fugir de suas vidinhas enfadonhas. Você não se enquadra em nenhuma dessas
categorias.
- Ora!
Eu sou um pesquisador, como você. – Daniel respondeu, sem muita convicção.
- Não,
você é mais do que isso. Para você, o assunto é vital. Há algo de estranho em
você. – Disse Paulo incisivo. Há muito que ele percebia em Daniel algo
incongruente, e seu instinto nunca se enganava.
- Não
compreendo.
-Eu
também não. Por favor, não se aborreça. O que percebo é algo intuitivo e não
consigo descrever com palavras. Agora chega de conversa mole! Depois que você
vestir uma roupa mais adequada, vamos até o ponto de observação que escolhi. –
Respondeu Paulo, mudando de repente de assunto, ao perceber o olhar angustiado
do amigo.
- Está
bem. – Retrucou Daniel, agradecido por Paulo não insistir no viés daquela
conversa. – Mas achei que já estava bem vestido, quando desci.
Paulo
riu com gosto. Uma das coisas que admirava em Daniel era sua atitude quase
juvenil, e inconsequente, em determinadas coisas. Ele não costuma ser muito
prático, nem planejava suas incursões em busca de seres extraterrestres. Daniel
parecia agir seguindo um instinto básico. Uma espécie de chamado que só ele
ouvia.
-
Você está muito elegante, mas não para andar nas dunas.
Daniel
olhou para seus sapatos, caprichosamente engraxados, e lembrou-se que não
trouxe bagagem. Viera somente com a roupa do corpo.
-
Você não teria uma bermuda e um par de chinelos para me emprestar, teria?
Paulo
olhou o amigo sem demonstrar muita surpresa com o pedido. Já sabia que Daniel havia
seguido seu impulso de forma costumeira, sem lembrar-se de preparar a viagem. Na
verdade, ele dava a impressão de nunca ter planejado coisa alguma na vida.
-
Para sua sorte, eu tenho. Também tenho uma camiseta sobressalente, você quer?
- Sim, por favor.
- Perfeito!
Venha comigo até meu apartamento.
Muitas
horas insones depois, os primeiros raios de sol alcançam o alto das dunas na
Praia da Joaquina. Daniel lança um longo bocejo e se espreguiça para combater a
câimbra provocada pelo longo tempo sentado na areia, com as pernas cruzadas.
- O
dia já está clareando. – Disse, com outro bocejo.
- É...
Parece que passamos a noite acordados de graça.
Aquilo
não os surpreendia, de certa forma. Já estavam calejados demais para ficarem
decepcionados. Eram mais de mil ocorrências investigadas até que tropeçassem em
algum indício promissor.
- É verdade.
– Disse Paulo. - Mas desta vez, eu tenho
a impressão que fizemos papel de otários.
- Do
que você está falando?
- De
algo que me ocorreu já no início da noite. Não falei nada a você porque não
tinha certeza.
- Desembucha
de uma vez. – Retrucou Daniel aflito.
-Logo
depois que eu cheguei ao hotel tentei encontrar algumas das pessoas que haviam
presenciado a aparição do disco-voador. Não encontrei ninguém. Nem mesmo entre
os funcionários do hotel. Ninguém sabia de nada. Não é estranho?
- Você
acha que pode ter sido uma armação?
- É
possível. A imagem na televisão estava tremida e desfocada.
- É
verdade. – Ponderou Daniel. – Além disso, não havia nenhum ponto de referência
que permitisse ter uma noção das dimensões do OVNI. Eu estava tão ansioso, que
não parei para pensar sobre as imagens que estava vendo.
-
Sim. Agora é que certos detalhes se tornam mais evidentes. – Disse Paulo. – Mas
quem faria uma coisa?
Aquela
era uma boa pergunta. A resposta era tão evidente que Daniel sentiu-se
constrangido em admiti-la.
- Agora
que estamos levantando essa hipótese, estou achando muito conveniente a aparição
de um disco-voador numa região turística, fora da temporada. Por isso o hotel
está lotado, percebeu?
- Faz
sentido. Se foi uma fraude, resta saber como ela foi feita.
- Qualquer
adolescente poderia fazer isso. – Falou Daniel, dando de ombros. Bastaria uma
maquete, uma câmera e um pouco de habilidade em programas de edição de imagens.
- Mas...
E as testemunhas?
- Considerando
que elas desapareceram, suas declarações eram tão falsas quanto as imagens que
vimos.
- Que
filhos da mãe! Bom... Agora não adianta esquentar com isso. Vamos dormir que é o
melhor que podemos fazer neste momento.
Logo
depois, Paulo e Daniel desceram as dunas, enquanto o brilho difuso do sol da
manhã quase ocultou um objeto flutuando na curva do horizonte sobre seus
ombros. Apenas um velho pescador o viu, mas não acho nada de estranho naquilo,
pois sabia que o aeroporto era muito próximo dali. Não era raro ver aviões fazerem
uma curva sobre o mar, antes de arremeterem para alcançar a altitude de
cruzeiro, na rota para o norte do país.
Enquanto
Daniel dormia, seu amigo Prudêncio, já no escritório, matutava sobre os
mistérios que envolviam a vida dele. De repente se dera conta de que não
conhecia Daniel com profundidade. Na verdade, não lembrava de ninguém que
pudesse dizer que o conhecia intimamente. Exceto, talvez, sua namorada Letícia.
Sendo um romântico incurável, Prudêncio sempre achou que aquela menina tinha
algo de especial. Talvez fosse ela a âncora que mantinha Daniel neste planeta,
ele imaginou, num momento de puro devaneio, enquanto procurava documentos em um
arquivo.
O
telefone tocou e obrigou Prudêncio a sair de sua caixinha especial de
pensamentos inúteis, como ele chamava esse estado de abstração e, meio que de
má vontade, atendeu a ligação.
- Prudêncio,
é Letícia.
A
voz de Letícia o deixou um tanto atônito com a coincidência de pensar nela
justamente naquele momento.
- Oi,
Letícia. Como vai você?
- Vou
bem, obrigada. Eu estou tentando falar com Daniel, mas o ramal de sua sala não
está atendendo.
- Daniel
não veio trabalhar. Ele viajou para Florianópolis.
- Para
Florianópolis? O que ele foi fazer lá?
- Você
viu o noticiário sobre a aparição de um disco-voador em Florianópolis?
- Vi...
Não me diga que ele foi atrás de outro disco-voador?
- Infelizmente
foi isso que aconteceu.
-
Ai! Eu pedi pra você não me dizer. Dessa vez, ele nem se preocupou em me
avisar.
- Nós
estávamos no bar, jogando bilhar, quando a notícia saiu na televisão. Mal
ouviu, Daniel saiu correndo.
- Eu
pensei que essa loucura estivesse no fim.
-Talvez
esteja. Apesar da ansiedade, ele parecia diferente. Acho que até mesmo Daniel cansou-se
dessa história de disco-voador.
- Espero
que você esteja certo, porque eu também já não estou aguentando mais. Desculpe
incomodar você.
-
Imagine. Não foi incômodo nenhum.
- Obrigada.
Tchau!
- Até
logo.
Prudêncio
pôs o fone no gancho, esperando que coincidências como aquela não se repetissem
naquele dia. Embora não falasse disso para ninguém, ele também tinha suas idiossincrasias.
Entre elas, o receio de haver algum significado oculto nas coincidências.
Contudo, o destino não parecia muito disposto a lhe dar uma trégua nesse
sentido.
Fábio
entrou na sua sala alguns minutos depois do telefonema de Letícia. Tinha alguns
papéis na mão e uma queixa sobre Daniel.
- Assim
não dá, Prudêncio!
Prudêncio
respirou fundo. O dia estava bom demais, ele pensou.
- Assim
não dá o quê?
- Eu
preciso fazer a conciliação dos relatórios de atividades e ainda não recebi o
de Daniel. Onde está aquele maluco?
- Ele
não pode vir devido a um problema pessoal. Mas sei que o seu relatório já está
pronto. Verificou na mesa dele?
- Já.
Lá não tem nada.
-Talvez
ele não tenha imprimido. Deixe-me verificar o arquivo no computador. Hum ...
Aqui está, prontinho como eu falei. Agora é só você voltar à sua sala e
imprimir.
-
Eu?
-
Sim, você! Qual é o problema?
- Desse
jeito, vou acabar fazendo o relatório dele.
- Eventualmente,
isso pode acontecer. O que há com você? Não é a primeira vez que cobrimos a
ausência de um colega.
-
Sim. No caso de ausências por doenças, problemas familiares. Motivos de extrema
necessidade. Não por delírio de origem extraterrestre.
- Não
exagere. Daniel não costuma faltar, e seu trabalho é limpo e bem feito.
- Está
bem! Não está mais aqui, quem falou.
-
Ótimo. Agora volte ao seu trabalho. – Disse Prudêncio com uma rispidez que não
lhe era habitual.
Fábio
saiu da sala de Prudêncio ainda resmungando, enquanto pensava num jeito de dar
o troco em seu desafeto costumeiro.
Enquanto
isso, em Florianópolis, Daniel e Paulo voltaram a se encontrar no período da
tarde.
- Você
tinha razão. – Disse Paulo. – Tem uma maquete escondida no almoxarifado.
- Como
você descobriu?
- Do
modo usual. Subornei um funcionário que está em processo de demissão.
- Precisamos
tirar uma foto.
- Já
tirei. Agora só falta chamar a imprensa.
-
Certo. Vamos acabar logo com isso.
Muito
intuitivo, Paulo não deixou de perceber o tom de amargura e desapontamento na
voz de Daniel. Apesar disso, não falou nada. Considerava que as palavras não
cabiam em certos momentos da vida. Aquele era um deles.
Algumas
horas depois, quando Letícia chegou em casa, depois de um estafante dia de
trabalho, sua mãe a chamou quando ainda estava na porta de entrada.
- Letícia,
venha aqui depressa! – Falou dona Aurora, quase aos gritos.
-
Meu Deus! O que foi?
- O
seu namorado maluco está na televisão
- O
quê?
-
Escute! – Disse dona Aurora, enquanto tratava de aumentar o som da TV.
A fraude foi descoberta por Daniel Paiva e
Paulo Botelho, da Associação brasileira de Ufologia. – Disse o locutor – Segundo os pesquisadores, para produzir as
imagens de um disco-voador, o gerente do hotel utilizou uma maquete suspensa
por um fio de nylon atado à dois postes fixados no cume de duas dunas de areia.
O movimento do OVNI foi simulado pela diferença de nível entre cada ponto onde
o fio estava atado, o qual não era percebido em razão da escuridão e da
distância, como demonstra esta simulação.
-
Dona Aurora -Desta vez, pelo
menos, o seu namorado lunático fez alguma coisa de útil com a sua mania.
- Dá
um tempo, mamãe. Isso deve ter sido uma grande decepção para ele.
- Para
mim, também. Eu estava torcendo que aparecesse uma nave espacial e carregasse
aquele doido para bem longe de você.
-Como
você está ficando venenosa, hein?
-
Com efeito! Você já está ficando parecida com ele. Fico imaginando os netos que
vou ter: criaturinhas verdes com antenas, flutuando pela casa.
Letícia
não respondeu à provocação. Estava cansada demais para isso.
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