Naquela
noite Letícia foi deitar-se com toda sorte de dúvidas em sua cabeça. Apesar de
ter defendido Daniel ante às palavras ferinas proferidas por sua mãe, ela não
estava imune às dúvidas que seu relacionamento suscitava. A única certeza que
tinha era que havia um limite para o que podia suportar. E esse limite estava
perigosamente próximo.
Por
entre a cortina entreaberta, ela podia ver a noite estrelada. Entre as estrelas
que
via, teve a impressão de que uma estava muito próxima. Com isso, o impulso
infantil de formular um desejo só não se completou por que a mulher adulta que
existia nela não faria isso, e estava ainda desperta o suficiente para evitar.
Alguns minutos depois, o cansaço venceu a batalha com os pensamentos obsessivos
e Letícia adormeceu.
Se
tivesse permanecido acordada, ela teria visto a estrela movimentar-se no
firmamento, fazer algumas evoluções e, depois desaparecer rapidamente, como se
nunca tive existido.
Horas
depois, já durante o dia, os colegas de trabalho de Daniel comentam sobre sua
súbita notoriedade.
- O
caçador de ET virou uma celebridade. – Comentou Andrade com azedume, enquanto
estendia o jornal para Fábio.
- Depois
dessa, acho que aquele boçal vai acabar se tornando mais um funcionário
fantasma aqui dentro. – Disse o seu companheiro de queixumes.
- Ou
vai arrumar para ficar à disposição de algum departamento de assuntos
esotéricos.
Ainda
rindo, eles perceberam a aproximação de Prudêncio.
- Perigo.
Criatura hostil se aproximando. – Disse Fábio, com uma tosca imitação de um
sintetizador de voz robótico.
- Muito
engraçado! As meninas estão precisando de algum estímulo especial para trabalhar?
- Já
que tocou no assunto, nós gostaríamos de ver aquele nosso outro colega
trabalhando, também. – Falou Andrade, sem perder a pose.
-
É... Seria tão inspirador! – Completou Fábio, irônico. – A menos, é claro, que
ele esteja ocupado demais para isso.
Com
muito custo, Prudêncio conteve a ira. Estava farto de aturar picuinhas no escritório.
-
‘‘Aquele nosso outro colega’’ vai ter suas faltas descontadas no salário. Além
disso poderá pegar uma suspensão, se o fato se repetir. Exatamente a mesma
punição que vocês terão, caso não sentem em suas mesas.
- Imediatamente,
amo e senhor! – Eles responderam em coro.
Prudêncio
passou da irritação ao riso contido. Mentalmente anotava o compromisso de ter
uma conversa definitiva com Daniel.
O
pivô daquela altercação chegou à casa de Letícia no início da noite. Daniel
estava ansioso como da primeira vez que falou com ela. Precisava reafirmar o
compromisso que tinham, mas estava inseguro. Tinha dúvidas se não seria tarde
demais.
Impaciente,
ele contou os segundos depois que tocou a campainha, até a porta se abrir.
- Oi!
Lembra de mim? – Disse, quase sem fôlego ao vê-la.
- Vagamente...
O senhor é o vendedor de enciclopédia? – Ela respondeu com meio sorriso.
Ela
sorriu, pensou ele. Aquilo era um bom sinal.
- Não,
sou da agência de acompanhantes. Acho que bati no apartamento errado.
-
Entra, seu bobo. O que você fez com a chave que eu lhe dei?
-
Ficou no apartamento. Vim direto para cá.
-
Sentiu saudade? Perguntou ela irônica.
Ôpa!
Sinal amarelo!
-
Mais que isso, Lê. Preciso muito conversar com você.
Ela
o olhou com mais atenção. Havia algo destoando de sua maneira exasperantemente tranquila
como sempre se conduzia. Daniel estava tenso, e isso não era algo normal, se
tratando dele.
-
Aconteceu alguma coisa,?
Antes
que ele respondesse, dona Aurora entrou na sala. Daniel lembrou-se da lei de
Murphy. Se algo podia dar errado, com sua sogra isso era praticamente certo.
- Ora,
ora! Mas que surpresa encantadora! O noivo aparece. O que aconteceu? Ficou sem
gasolina em marte?
- Mamãe!
- Minha
querida sogra! Tão doce e gentil, quando um elefante com caxumba. Estava com
saudades de você.
Letícia
cortou propositadamente a réplica de sua mãe. Sabia que aquilo não teria fim, e
ela não tinha nenhuma disposição para servir de mediadora. Não naquele momento,
que tinha a impressão de que algo importante estava por acontecer em seu
relacionamento com Daniel.
- Nós
vimos pela televisão o que aconteceu em Floripa. Você deve estar muito
decepcionado.
- Pois
sim! Desde quando lunáticos se decepcionam?
- mamãe!
Por favor!
- Está
bem. Não está mais aqui quem falou. Já fui!
Para
alívio de Daniel, dona Aurora saiu da sala. O momento não era bom para aturar
suas costumeiras implicâncias.
- O
que realmente aconteceu lá?
- Aquilo
que você viu na televisão. Um golpe publicitário do hotel, querendo movimentar
a baixa temporada. De certa forma, eu já esperava algo assim. Seria bom demais se
fosse verdade.
A
expressão dele era de cansaço. Talvez fosse efeito da viagem, pensou Letícia.
Contudo, permanecia a impressão de algo fora da normalidade.
- Você
parece estar desistindo.
- Estou
começando a concordar com os que me consideram um maluco.
- Isso
é bobagem. Você sempre foi um pesquisador sério e respeitado. Um tanto
obsessivo, mas isso não faz de você um maluco.
- De
qualquer modo, eu acho que já estou pagando um preço muito alto por um sonho.
Foram muitos anos de dedicação, investigando indícios, historias... Sem
conseguir comprovar, uma única vez, que não estamos sozinhos no universo. Ou
que tenhamos recebido, em algum momento, a visita de seres de outro planeta.
-O
que você pretende fazer, agora?
Ela
estava lhe dando a deixa que precisava. Daniel respirou fundo era o momento de
falar tudo que tinha pensado na viagem.
-
Com relação a isso, ainda não sei. Quanto à minha vida, acho que andei ausente
dela por tempo demais. Ë hora de pensar naquela casinha, que você tanto sonha.
Mal
acabara de dizer a frase, ele parou e olhou para ela. O sorriso tranquilo de
Letícia o fez respirar aliviado. Ela ainda o amava, afinal de contas.
- Bem-vindo
ao mundo real, mas você esqueceu outra parte do meu sonho.
- Que
parte?
- As
crianças.
- Não
esqueci, não.
- Não
me olhe assim!
- Não
verdade, tenho pensado muito nelas... ultimamente. – Ele disse, agarrando-a de
repente.
- Para
seu maluco. Mamãe vai nos ouvir
- E
daí? Ela já está bem grandinha.
Eles
se beijam apaixonadamente. Para Daniel, veio a certeza de que Letícia era tudo
o que precisava para ser feliz. Quanto à Letícia, apesar dos temores e dúvidas
que lhe acometeram em função da pressão materna e do comportamento errático de
Daniel, ela sentia que desistir não era uma possibilidade para eles. Pelo menos
não naquele momento. Aquilo que estavam vivendo era o seu sonho. Contudo,
sonhos não costumavam resistir ao assédio da realidade. A menos que os
sonhadores persistissem em seu intento, como o capim na pradaria que, impávido,
resistia ao vento.
Naturalmente eles não pensavam nisso. Não
tinham tempo a perder, pois tudo o que queriam era fundir-se um ao outro.
Tornarem-se um só.
-
Venha. – Disse-lhe ela, quase sem fôlego.
-
Para onde?
-
Para dentro de mim, tolinho.
Claro
que havia uma grande possibilidade da sogra voltar ali. A lei de Murhpy ameaçou
assombrá-lo, mas dona Aurora não voltou. Tudo foi perfeito, como tinha que ser,
como acontece quando não há planos e o pior que pode acontecer é brigar com o
feixe-éclair.
-
Aconteceu! – Ela disse, depois de algum tempo.
-
Aconteceu o que?
-
Estou grávida! – Falou Letícia com uma convicção que não admitia contestação.
Ele
ficou em silêncio por um momento. Depois riu e beijou seu ventre.
-
Não ria, bobão. Estou falando sério.
-
Como você pode ter certeza de uma coisa dessas? Nesse momento, meus espermatozoides
ainda devem estar procurando seu útero. É uma longa jornada para eles.
- Um
já chegou lá.
Ele
riu de novo.
-
Como você pode ter tanta certeza?
Ela
sacudiu os ombros e levantou-se.
-
Apenas sei. – Disse ela abrindo a janela.
A
luz dourada das lâmpadas de mercúrio dos postes de iluminação pública banhou
seu corpo nu. Daniel soltou um longo suspiro de satisfação. Ela era magnifica, de
todas as formas que ele pudesse pensar.
Letícia
olhou para a noite e viu uma trilha luminosa no céu escuro.
-
Uma estrela cadente! É a segunda que vejo em dois dias.
-
Verdade?
Daniel
levantou-se de súbito.
-
Onde? – Ele perguntou olhando para o céu.
- Já
foi. – Ela disse.
-
Fez seu pedido?
-
Fiz um monte de pedidos.
Ele
riu e eles se beijam novamente. Lá fora, a grande altura, um OVNI paira
silenciosamente sobre o apartamento de Letícia.
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