Wednesday, April 13, 2016

Sob o Olhar das Estrelas - Cap. 5.



Naquela noite Letícia foi deitar-se com toda sorte de dúvidas em sua cabeça. Apesar de ter defendido Daniel ante às palavras ferinas proferidas por sua mãe, ela não estava imune às dúvidas que seu relacionamento suscitava. A única certeza que tinha era que havia um limite para o que podia suportar. E esse limite estava perigosamente próximo.
Por entre a cortina entreaberta, ela podia ver a noite estrelada. Entre as estrelas que
via, teve a impressão de que uma estava muito próxima. Com isso, o impulso infantil de formular um desejo só não se completou por que a mulher adulta que existia nela não faria isso, e estava ainda desperta o suficiente para evitar. Alguns minutos depois, o cansaço venceu a batalha com os pensamentos obsessivos e Letícia adormeceu.
Se tivesse permanecido acordada, ela teria visto a estrela movimentar-se no firmamento, fazer algumas evoluções e, depois desaparecer rapidamente, como se nunca tive existido.
Horas depois, já durante o dia, os colegas de trabalho de Daniel comentam sobre sua súbita notoriedade.
- O caçador de ET virou uma celebridade. – Comentou Andrade com azedume, enquanto estendia o jornal para Fábio.
- Depois dessa, acho que aquele boçal vai acabar se tornando mais um funcionário fantasma aqui dentro. – Disse o seu companheiro de queixumes.
- Ou vai arrumar para ficar à disposição de algum departamento de assuntos esotéricos.
Ainda rindo, eles perceberam a aproximação de Prudêncio.
- Perigo. Criatura hostil se aproximando. – Disse Fábio, com uma tosca imitação de um sintetizador de voz robótico.
- Muito engraçado! As meninas estão precisando de algum estímulo especial para trabalhar?
- Já que tocou no assunto, nós gostaríamos de ver aquele nosso outro colega trabalhando, também. – Falou Andrade, sem perder a pose.
- É... Seria tão inspirador! – Completou Fábio, irônico. – A menos, é claro, que ele esteja ocupado demais para isso.
Com muito custo, Prudêncio conteve a ira. Estava farto de aturar picuinhas no escritório.
- ‘‘Aquele nosso outro colega’’ vai ter suas faltas descontadas no salário. Além disso poderá pegar uma suspensão, se o fato se repetir. Exatamente a mesma punição que vocês terão, caso não sentem em suas mesas.
- Imediatamente, amo e senhor! – Eles responderam em coro.
Prudêncio passou da irritação ao riso contido. Mentalmente anotava o compromisso de ter uma conversa definitiva com Daniel.
O pivô daquela altercação chegou à casa de Letícia no início da noite. Daniel estava ansioso como da primeira vez que falou com ela. Precisava reafirmar o compromisso que tinham, mas estava inseguro. Tinha dúvidas se não seria tarde demais.
Impaciente, ele contou os segundos depois que tocou a campainha, até a porta se abrir.
- Oi! Lembra de mim? – Disse, quase sem fôlego ao vê-la.
- Vagamente... O senhor é o vendedor de enciclopédia? – Ela respondeu com meio sorriso.
Ela sorriu, pensou ele. Aquilo era um bom sinal.
- Não, sou da agência de acompanhantes. Acho que bati no apartamento errado.
- Entra, seu bobo. O que você fez com a chave que eu lhe dei?
- Ficou no apartamento. Vim direto para cá.
- Sentiu saudade? Perguntou ela irônica.
Ôpa! Sinal amarelo!
- Mais que isso, Lê. Preciso muito conversar com você.
Ela o olhou com mais atenção. Havia algo destoando de sua maneira exasperantemente tranquila como sempre se conduzia. Daniel estava tenso, e isso não era algo normal, se tratando dele.
- Aconteceu alguma coisa,?
Antes que ele respondesse, dona Aurora entrou na sala. Daniel lembrou-se da lei de Murphy. Se algo podia dar errado, com sua sogra isso era praticamente certo.
- Ora, ora! Mas que surpresa encantadora! O noivo aparece. O que aconteceu? Ficou sem gasolina em marte?
- Mamãe!
- Minha querida sogra! Tão doce e gentil, quando um elefante com caxumba. Estava com saudades de você.
Letícia cortou propositadamente a réplica de sua mãe. Sabia que aquilo não teria fim, e ela não tinha nenhuma disposição para servir de mediadora. Não naquele momento, que tinha a impressão de que algo importante estava por acontecer em seu relacionamento com Daniel.
- Nós vimos pela televisão o que aconteceu em Floripa. Você deve estar muito decepcionado.
- Pois sim! Desde quando lunáticos se decepcionam?
- mamãe! Por favor!
- Está bem. Não está mais aqui quem falou. Já fui!
Para alívio de Daniel, dona Aurora saiu da sala. O momento não era bom para aturar suas costumeiras implicâncias.
- O que realmente aconteceu lá?
- Aquilo que você viu na televisão. Um golpe publicitário do hotel, querendo movimentar a baixa temporada. De certa forma, eu já esperava algo assim.                         Seria bom demais se fosse verdade.
A expressão dele era de cansaço. Talvez fosse efeito da viagem, pensou Letícia. Contudo, permanecia a impressão de algo fora da normalidade.
- Você parece estar desistindo.
- Estou começando a concordar com os que me consideram um maluco.
- Isso é bobagem. Você sempre foi um pesquisador sério e respeitado. Um tanto obsessivo, mas isso não faz de você um maluco.
- De qualquer modo, eu acho que já estou pagando um preço muito alto por um sonho. Foram muitos anos de dedicação, investigando indícios, historias... Sem conseguir comprovar, uma única vez, que não estamos sozinhos no universo. Ou que tenhamos recebido, em algum momento, a visita de seres de outro planeta.
-O que você pretende fazer, agora?
Ela estava lhe dando a deixa que precisava. Daniel respirou fundo era o momento de falar tudo que tinha pensado na viagem.
- Com relação a isso, ainda não sei. Quanto à minha vida, acho que andei ausente dela por tempo demais. Ë hora de pensar naquela casinha, que você tanto sonha.
Mal acabara de dizer a frase, ele parou e olhou para ela. O sorriso tranquilo de Letícia o fez respirar aliviado. Ela ainda o amava, afinal de contas.
- Bem-vindo ao mundo real, mas você esqueceu outra parte do meu sonho.
- Que parte?
- As crianças.
- Não esqueci, não.
- Não me olhe assim!
- Não verdade, tenho pensado muito nelas... ultimamente. – Ele disse, agarrando-a de repente.
- Para seu maluco. Mamãe vai nos ouvir
- E daí? Ela já está bem grandinha.
Eles se beijam apaixonadamente. Para Daniel, veio a certeza de que Letícia era tudo o que precisava para ser feliz. Quanto à Letícia, apesar dos temores e dúvidas que lhe acometeram em função da pressão materna e do comportamento errático de Daniel, ela sentia que desistir não era uma possibilidade para eles. Pelo menos não naquele momento. Aquilo que estavam vivendo era o seu sonho. Contudo, sonhos não costumavam resistir ao assédio da realidade. A menos que os sonhadores persistissem em seu intento, como o capim na pradaria que, impávido, resistia ao vento.
 Naturalmente eles não pensavam nisso. Não tinham tempo a perder, pois tudo o que queriam era fundir-se um ao outro. Tornarem-se um só.
- Venha. – Disse-lhe ela, quase sem fôlego.
- Para onde?
- Para dentro de mim, tolinho.
Claro que havia uma grande possibilidade da sogra voltar ali. A lei de Murhpy ameaçou assombrá-lo, mas dona Aurora não voltou. Tudo foi perfeito, como tinha que ser, como acontece quando não há planos e o pior que pode acontecer é brigar com o feixe-éclair.
- Aconteceu! – Ela disse, depois de algum tempo.
- Aconteceu o que?
- Estou grávida! – Falou Letícia com uma convicção que não admitia contestação.
Ele ficou em silêncio por um momento. Depois riu e beijou seu ventre.
- Não ria, bobão. Estou falando sério.
- Como você pode ter certeza de uma coisa dessas? Nesse momento, meus espermatozoides ainda devem estar procurando seu útero. É uma longa jornada para eles.
- Um já chegou lá.
Ele riu de novo.
- Como você pode ter tanta certeza?
Ela sacudiu os ombros e levantou-se.
- Apenas sei. – Disse ela abrindo a janela.
A luz dourada das lâmpadas de mercúrio dos postes de iluminação pública banhou seu corpo nu. Daniel soltou um longo suspiro de satisfação. Ela era magnifica, de todas as formas que ele pudesse pensar.
Letícia olhou para a noite e viu uma trilha luminosa no céu escuro.
- Uma estrela cadente! É a segunda que vejo em dois dias.
- Verdade?
Daniel levantou-se de súbito.
- Onde? – Ele perguntou olhando para o céu.
- Já foi. – Ela disse.
- Fez seu pedido?
- Fiz um monte de pedidos.
Ele riu e eles se beijam novamente. Lá fora, a grande altura, um OVNI paira silenciosamente sobre o apartamento de Letícia.

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