Thursday, December 15, 2016

Sob o Olhar das Estrelas - Capítulo 10

Sentado à frente da TV, Daniel aguarda a chegada de Letícia. Ele troca de canais aleatoriamente, sem prestar atenção ao que está sendo veiculado, até que a manchete de um noticiário lhe chama a atenção.
“Navio petroleiro bate num iceberg no Alaska e provoca o maior desastre ecológico já visto na região do Ártico”. Diz o locutor
- Isso não é bom. – Murmura ele para si mesmo. – Não devia ter acontecido agora.
Irritado, Daniel desliga a TV, Justamente quando Letícia abre a porta.

- Daniel? Ah! Você está aí. – Ela diz, beijando-o levemente. Depois, solta-se no sofá e suspira. – Ai! Tô morta!
- Cansada?
- Parece que fui atropelada por uma manada de elefante. O dia nunca foi tão longo e aborrecido. E você? como foi seu dia?
- Emocionante! Tive que rever três processos, localizar um que estava desaparecido e escrever um relatório. – Ele respondeu, revirando os olhos.
Letícia riu. Sempre acho Daniel a pessoa mais inadequada para o serviço burocrático que ele executava, mas sempre se absteve de fazer qualquer comentário nesse sentido. Para ela, cada um tinha o direito de fazer suas escolhas, sem interferência do outro.
 -Pegou os convites na gráfica? – Perguntou, enquanto descalçava os sapatos.
- Sim. O pacote está sobre a mesa da cozinha.
- Ótimo. Deixa só eu passar uma água no rosto e podemos endereçá-los.
Letícia levantou-se rapidamente. De repente, apesar do cansaço, ela parecia novamente cheia de energia.
- Preciso falar com você. – Diz Daniel, ao vê-la afastar-se. Teria que ser agora ou nunca, ele pensou.
- Vai falando, que eu tô ouvindo.
- Eles vieram.
- Hã? Eles quem? Seus amigos? – Ela pergunta, depois que sai do banheiro.
- Acho que posso chamá-los assim. Amigos de outro mundo.
Ao ver a expressão tensa de Daniel, Letícia tem um pressentimento de algo ruim se encaminhando para ela. Num instante, todo o seu entusiasmo pareceu se dissolver num rio caudaloso de incerteza.
- Do que você está falando?
- Dos marcianos, como diria sua mãe.
- Você está brincando, não é? Isso não tem graça nenhuma.
Ao ver a expressão de desalento dela, Daniel arrependeu-se imediatamente, mas não tinha mais como voltar atrás.
- Não. Antes fosse uma brincadeira, mas não é. Eles fizeram contato comigo ontem à noite, naquele mesmo lugar em que nós estávamos naquele dia.
- Você tem certeza? Será que não está confundindo com alguma coisa? Uma estrela cadente, Um foguete de sinalização? Você mesmo diz que a maioria dos relatos de pretensos aparecimentos de OVNI refere-se à fraude, ou pode ser explicada de alguma forma que nada tem a ver com objetos extraterrestres.
- Não desta vez, Le. Eu estive dentro do disco-voador. Falei com eles.
Letícia o fitou com uma expressão incrédula.
- Você está bem? – Ela perguntou. – Tem agido de forma estranha ultimamente.
- Eu ainda não estou louco. Não se preocupe.
- Eu não disse isso.
- Mas acabou de pensar. Tudo bem... Acho que estaria pensando a mesma coisa, se estivesse no seu lugar.
- Desculpe. Acho que estou um pouco nervosa.
- Tudo bem. Eu também estou.
- Por que você não me disse nada, hoje de manhã?
- Eu pretendia. Mas você me disse que estava grávida e não tive coragem de lhe falar.
- Por que? Eu sei que você não pensava em ter um filho agora, mas eu também ficaria feliz com a realização do seu sonho.
- Eles vieram me buscar, Le.
Ela demorou para compreender o que ele estava dizendo. Talvez não quisesse isso, na verdade. As implicações implícitas no que Daniel acabara de falar envolviam muito mais que o destino dele.
- Não acredito nisso, disse ela por fim.
- Mas é verdade. Eu sei que é difícil de acreditar. Eu mesmo tenho dificuldade nisso, mas o que eles disseram combina perfeitamente com o que eu sei. Aquele acontecimento de minha infância, lembra? Não foi um sonho. Eles realmente estiveram comigo. Agora devo decidir se vou para as estrelas, ou ficar aqui e esquecer o assunto.
- O que você está dizendo?
- Eles vieram me buscar, Le.
- Desculpe. Mas eu não consigo acreditar numa coisa dessas.
Daniel respirou fundo. Daria a própria vida para evitar a dor que via estampada na face dela, mas o melhor que podia fazer era ir em frente e acabar logo com aquilo.
- Olhe.
- O que é isso?
- Um comunicador. Eles me deram, para chamá-los quando houvesse necessidade. Acho que isso se aplica a esse momento.
- O que você vai fazer?
- Vou chamá-los. Pelo menos você não vai continuar pensando que eu fiquei maluco.
Daniel aciona o aparelho e o brilho azulado da projeção holográfica surge à sua frente. O Rosto de Jan aparece de repente e assusta Letícia.
- Olá, Daniel. Estava esperando o seu chamado. Já tomou a decisão?
- Ainda não. Tenho que considerar que vou afetar outras vidas com a decisão que tomar.
- Compreendo. Você está vinculado emocionalmente a essa mulher.
- Aqui, nós chamamos esse vínculo de amor, Sr. Spock. – Disse Letícia, irritada por ter sido ignorada.
- Em breve vocês superarão esse estágio. – Respondeu Jan, imperturbável. - Poderia dizer-me qual o motivo de sua chamada, Daniel?
- Sim. Seja qual for minha decisão, ela deve ser compartilhada com minha companheira. Ela precisava vê-los, para acreditar
- Está bem. Agora, permita-me lembrá-lo que você tem apenas 26 horas para decidir se virá conosco. Estaremos esperando no ponto em que o encontramos antes. Finalizando.
- Acredita, agora? – Perguntou Daniel, assim que o holograma se desfez.
- Não sei, parece que estou sonhando.
- Mas é tudo real. Foi isso que procurei durante toda a minha vida.
- O que você vai fazer?
Aquela era uma boa pergunta. Uma pergunta cuja resposta ele não sabia. Finalmente descobriu toda a verdade sobre si mesmo, mas isso não lhe causava nenhum alívio em seu coração. Há muito que sentia não pertencer à este mundo, mas nada lhe garantia que algum dia teria convicção de pertencer a algum lugar.
- O que vou fazer? Não sei. Durante toda a minha vida eu me esforcei para ser igual às outras pessoas, mas elas logo descobriam algo estranho em mim e se afastavam, deixando apenas a solidão. A terrível e opressiva solidão que sempre me acompanhou, até encontrar você.
- Quando o conheci, você parecia um estranho no ninho. Um cachorrinho sem dono. Acho que foi isso que me conquistou. – Ela diz com uma risada nervosa - Chame de instinto maternal, se quiser.
- Por favor, me ajude.
- Não posso... Droga! – Sem se conter mais, Letícia cai no choro. – Como você pode me pedir uma coisa dessas?
- Desculpe. Não sei o que fazer.
- Não se desculpe. Você tem um grande problema para resolver, mas acho que vai encontrar sua resposta aí. – Ela diz, apontando o coração dele.
- No meu coração?
- Sim. Parece clichê o que estou dizendo, mas é o melhor que posso fazer.
- Não acho que a resposta esteja aqui, não.
- Não?
- Não. Penso que ela está em outro lugar, mas você tem razão. Cabe a mim, encontrá-la.
- Tá. Então, só por hoje, me abraça.
Daniel fez o que ela pediu e isso era tudo o que podia fazer, naquele momento.


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