Sentado
à frente da TV, Daniel aguarda a chegada de Letícia. Ele troca de canais
aleatoriamente, sem prestar atenção ao que está sendo veiculado, até que a
manchete de um noticiário lhe chama a atenção.
“Navio
petroleiro bate num iceberg no Alaska e provoca o maior desastre ecológico já
visto na região do Ártico”. Diz o locutor
-
Isso não é bom. – Murmura ele para si mesmo. – Não devia ter acontecido agora.
Irritado,
Daniel desliga a TV, Justamente quando Letícia abre a porta.
-
Daniel? Ah! Você está aí. – Ela diz, beijando-o levemente. Depois, solta-se no
sofá e suspira. – Ai! Tô morta!
-
Cansada?
-
Parece que fui atropelada por uma manada de elefante. O dia nunca foi tão longo
e aborrecido. E você? como foi seu dia?
-
Emocionante! Tive que rever três processos, localizar um que estava
desaparecido e escrever um relatório. – Ele respondeu, revirando os olhos.
Letícia
riu. Sempre acho Daniel a pessoa mais inadequada para o serviço burocrático que
ele executava, mas sempre se absteve de fazer qualquer comentário nesse
sentido. Para ela, cada um tinha o direito de fazer suas escolhas, sem
interferência do outro.
-Pegou os convites na gráfica? – Perguntou,
enquanto descalçava os sapatos.
-
Sim. O pacote está sobre a mesa da cozinha.
-
Ótimo. Deixa só eu passar uma água no rosto e podemos endereçá-los.
Letícia
levantou-se rapidamente. De repente, apesar do cansaço, ela parecia novamente
cheia de energia.
-
Preciso falar com você. – Diz Daniel, ao vê-la afastar-se. Teria que ser agora
ou nunca, ele pensou.
-
Vai falando, que eu tô ouvindo.
-
Eles vieram.
-
Hã? Eles quem? Seus amigos? – Ela pergunta, depois que sai do banheiro.
-
Acho que posso chamá-los assim. Amigos de outro mundo.
Ao
ver a expressão tensa de Daniel, Letícia tem um pressentimento de algo ruim se
encaminhando para ela. Num instante, todo o seu entusiasmo pareceu se dissolver
num rio caudaloso de incerteza.
-
Do que você está falando?
-
Dos marcianos, como diria sua mãe.
-
Você está brincando, não é? Isso não tem graça nenhuma.
Ao
ver a expressão de desalento dela, Daniel arrependeu-se imediatamente, mas não
tinha mais como voltar atrás.
-
Não. Antes fosse uma brincadeira, mas não é. Eles fizeram contato comigo ontem
à noite, naquele mesmo lugar em que nós estávamos naquele dia.
-
Você tem certeza? Será que não está confundindo com alguma coisa? Uma estrela
cadente, Um foguete de sinalização? Você mesmo diz que a maioria dos relatos de
pretensos aparecimentos de OVNI refere-se à fraude, ou pode ser explicada de
alguma forma que nada tem a ver com objetos extraterrestres.
-
Não desta vez, Le. Eu estive dentro do disco-voador. Falei com eles.
Letícia
o fitou com uma expressão incrédula.
-
Você está bem? – Ela perguntou. – Tem agido de forma estranha ultimamente.
-
Eu ainda não estou louco. Não se preocupe.
-
Eu não disse isso.
-
Mas acabou de pensar. Tudo bem... Acho que estaria pensando a mesma coisa, se
estivesse no seu lugar.
-
Desculpe. Acho que estou um pouco nervosa.
-
Tudo bem. Eu também estou.
-
Por que você não me disse nada, hoje de manhã?
-
Eu pretendia. Mas você me disse que estava grávida e não tive coragem de lhe
falar.
-
Por que? Eu sei que você não pensava em ter um filho agora, mas eu também ficaria
feliz com a realização do seu sonho.
-
Eles vieram me buscar, Le.
Ela
demorou para compreender o que ele estava dizendo. Talvez não quisesse isso, na
verdade. As implicações implícitas no que Daniel acabara de falar envolviam
muito mais que o destino dele.
-
Não acredito nisso, disse ela por fim.
-
Mas é verdade. Eu sei que é difícil de acreditar. Eu mesmo tenho dificuldade
nisso, mas o que eles disseram combina perfeitamente com o que eu sei. Aquele
acontecimento de minha infância, lembra? Não foi um sonho. Eles realmente
estiveram comigo. Agora devo decidir se vou para as estrelas, ou ficar aqui e
esquecer o assunto.
-
O que você está dizendo?
-
Eles vieram me buscar, Le.
-
Desculpe. Mas eu não consigo acreditar numa coisa dessas.
Daniel
respirou fundo. Daria a própria vida para evitar a dor que via estampada na
face dela, mas o melhor que podia fazer era ir em frente e acabar logo com
aquilo.
-
Olhe.
-
O que é isso?
-
Um comunicador. Eles me deram, para chamá-los quando houvesse necessidade. Acho
que isso se aplica a esse momento.
-
O que você vai fazer?
-
Vou chamá-los. Pelo menos você não vai continuar pensando que eu fiquei maluco.
Daniel
aciona o aparelho e o brilho azulado da projeção holográfica surge à sua
frente. O Rosto de Jan aparece de repente e assusta Letícia.
-
Olá, Daniel. Estava esperando o seu chamado. Já tomou a decisão?
-
Ainda não. Tenho que considerar que vou afetar outras vidas com a decisão que
tomar.
-
Compreendo. Você está vinculado emocionalmente a essa mulher.
-
Aqui, nós chamamos esse vínculo de amor, Sr. Spock. – Disse Letícia, irritada
por ter sido ignorada.
-
Em breve vocês superarão esse estágio. – Respondeu Jan, imperturbável. - Poderia
dizer-me qual o motivo de sua chamada, Daniel?
-
Sim. Seja qual for minha decisão, ela deve ser compartilhada com minha
companheira. Ela precisava vê-los, para acreditar
-
Está bem. Agora, permita-me lembrá-lo que você tem apenas 26 horas para decidir
se virá conosco. Estaremos esperando no ponto em que o encontramos antes.
Finalizando.
-
Acredita, agora? – Perguntou Daniel, assim que o holograma se desfez.
-
Não sei, parece que estou sonhando.
-
Mas é tudo real. Foi isso que procurei durante toda a minha vida.
-
O que você vai fazer?
Aquela
era uma boa pergunta. Uma pergunta cuja resposta ele não sabia. Finalmente
descobriu toda a verdade sobre si mesmo, mas isso não lhe causava nenhum alívio
em seu coração. Há muito que sentia não pertencer à este mundo, mas nada lhe
garantia que algum dia teria convicção de pertencer a algum lugar.
-
O que vou fazer? Não sei. Durante toda a minha vida eu me esforcei para ser
igual às outras pessoas, mas elas logo descobriam algo estranho em mim e se
afastavam, deixando apenas a solidão. A terrível e opressiva solidão que sempre
me acompanhou, até encontrar você.
-
Quando o conheci, você parecia um estranho no ninho. Um cachorrinho sem dono.
Acho que foi isso que me conquistou. – Ela diz com uma risada nervosa - Chame
de instinto maternal, se quiser.
-
Por favor, me ajude.
-
Não posso... Droga! – Sem se conter mais, Letícia cai no choro. – Como você
pode me pedir uma coisa dessas?
-
Desculpe. Não sei o que fazer.
-
Não se desculpe. Você tem um grande problema para resolver, mas acho que vai
encontrar sua resposta aí. – Ela diz, apontando o coração dele.
-
No meu coração?
-
Sim. Parece clichê o que estou dizendo, mas é o melhor que posso fazer.
-
Não acho que a resposta esteja aqui, não.
-
Não?
-
Não. Penso que ela está em outro lugar, mas você tem razão. Cabe a mim, encontrá-la.
-
Tá. Então, só por hoje, me abraça.
Daniel
fez o que ela pediu e isso era tudo o que podia fazer, naquele momento.
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