Pagu
Talvez a melhor tradução do que teria sido Pagu esteja
nos versos de uma canção de Rita Lee. Em cada estrofe, em cada rima transparece
toda a complexidade de uma mulher intensa, que se entregava com paixão e fúria em
tudo que fazia.
Pagu
(Rita Lee)
“Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão
Uh! Uh! Uh! Uh!”
Patrícia Rehder Galvão, Pagu, nasceu em São João da
Boa Vista, Santos, em 9 de junho de 1910. Segundo registros na Wikipédia, foi
uma mulher de múltiplos talentos, os quais transparecem na literatura, no
teatro e nas artes plásticas. Também foi tradutora, desenhista e jornalista. Sua trajetória de vida está diretamente
relacionada ao movimento modernista
iniciado em 1922. Ela tinha apenas 12 anos de idade na época e não participou da Semana de Arte Moderna, mas anos depois seu envolvimento com Oswald de Andrade, a convivência com vários expoentes do Modernismo e sua ativa participação na vida cultural do País a ligaram de forma permanente ao Movimento. Apesar de sua origem burguesa, Pagu foi
militante comunista, tendo inclusive visitado a China, de onde retornou com as
primeiras sementes de soja que entraram no Brasil. Também por isso, foi a
primeira mulher brasileira presa por motivos políticos. Era a época da ditadura
de Vargas.
“Eu sou pau pra toda obra
Deus dá asas à minha cobra
Hum! Hum! Hum! Hum!
Minha força não é bruta
Não sou freira
Nem sou puta”
Antes de se tornar Pagu, Patrícia Galvão era Zazá, uma menina de família tradicional, bem educada, mas quis o destino que ela afrontasse o conservadorismo de sua época e chutasse o pau da barraca. Quando o poeta Raul Bopp lhe atribuiu o apelido de Pagu, ela já tinha um jeito de ser contestador e crítico bastante avançado para o seu tempo. Fumava em público, falava palavrões e usava roupas não muito adequadas para a moral conservadora de sua origem familiar. Ela era também bastante precoce e, com apenas 15 anos, começou a colaborar no Bras Jornal, em 1925.
“Porque nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Que muito homem
(...)”
Com 18 anos ela se integra ao movimento antropofágico na esteira do modernismo, sob a influência de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Uma influência cujo fluxo logo se inverteu. Num escândalo para o conservadorismo existente na década de 1930, Oswald separa-se de Tarsila e casa com Pagu. No mesmo ano ela tem seu primeiro filho, que é o segundo dele. Um fato que só alimentou os boatos de eles terem sido amantes quando Oswald ainda era casado. Logo depois, ambos iniciam a militância no Partido Comunista Brasileiro.
Sou Pagu indignada no palanque
Hanhan! Ah! Hanran!
Uh! Uh!
Fama de porra louca
Tudo bem!
Minha mãe é Maria Ninguém
Uh! Uh!
(...)”
Em razão de sua militância política, Pagu foi presa em vinte e três ocasiões. A primeira, durante uma greve de estivadores em Santos. Depois de retomar a liberdade, em 1933, deixou Oswald e o filho e partiu para uma viagem pelo mundo. Naquele mesmo ano publicou o romance Parque Industrial, com o pseudônimo de Mara Lobo. Foi presa novamente em 1935. Desta feita, em Paris. Embora a prisão tenha sido em decorrência de sua militância política, o motivo declarado foi por ela ter utilizado uma identidade falsa. Repatriada para o Brasil, Pagu é presa novamente.
Depois de ter saído da prisão, em 1940, separa-se de Oswald de Andrade definitivamente e retoma sua carreira como jornalista. Nessa mesma época rompe com o partido comunista e se integra ao movimento socialista de linha trotskista e passa a fazer parte da redação do jornal “A Vanguarda Socialista”, com Geraldo Ferraz, com quem se casaria em 1941. Dessa união nasceu seu segundo filho, Geraldo Galvão Ferraz. Em 1945 Pagu lançou novo romance, “A Famosa Revista”, em parceria com seu marido.
Anos mais tarde, em 1950, tenta uma vaga de deputada estadual, mas não consegue se eleger. Depois dessa tentativa frustrada, direciona seus esforços para o teatro e, em 1952, frequentou a Escola de Arte Dramática de São Paulo. O seu envolvimento com a arte dramática a levou de volta a Santos, onde monta o espetáculo “A Cantora Careca”, de Ionesco, cuja tradução foi feita por ela mesma. A partir de então, Pagu e o marido fixam residência permanente em Santos, onde ela se torna uma agitadora cultural e congrega em torno de si os artistas iniciantes da época, como Plínio Marcos e o compositor Gilberto Mendes.
Pagu manteve uma vida intensa, tanto no lado pessoal quanto no profissional, e ainda trabalhava como crítica de arte quando descobriu que estava com câncer. Abalada tentou o suicídio, que não se concretizou. Antes disso ela viajou à Paris onde se submeteu sem sucesso a uma cirurgia. De temperamento indômito, Pagu enfrentou tudo que havia para enfrentar em sua vida, mas o câncer conseguiu penetrar sua couraça de coragem e desprendimento. Ela morreu em consequência da doença em 12 de dezembro de 1962, logo depois de retornar de Paris.